Arremate
A mãe, costureira profissional, passava o dia inteiro à máquina, com um cigarro no canto da boca, que lhe fazia manter o cenho franzido por causa da fumaça, e um copo de cerveja preta do lado. A filha, de seus 20 anos, queria ser cantora do que chamava de bandas alternativas.
Quase não se falavam. A mãe, que a amava, por temperamento; a moça por um constante amuo, talvez, para usar suas próprias palavras, devido a “não conseguir espaço para realizar sua vocação”.
Um dia, a moça apareceu na sala com uma pequena mochila e disse para a mãe, cujo rosto permaneceu inalterado:
‒ Estou procurando mudar de ares, sacou? Um lugar em que eu possa refletir e me guardar. Vou pra Mauá.
Um ano depois, voltou grávida. A mãe cuidou da filha e da neta sem uma palavra de censura.
Quando a criança estava prestes a completar seu primeiro ano, a moça, um pouco alterada por maconha, voltou a dizer:
‒ Tenho que me guardar num canto calmo. Planejar minha carreira.
E a situação se repetiu. Voltou de Lumiar grávida. Novamente, sem reclamar, a mãe a ajudou e criou as duas crianças.
Na terceira vez, quando a figura já estava saindo, com o mesmo papo de se guardar, a mãe botou o cigarro no cinzeiro, o que raramente fazia, chamou a moça, que já se encontrava na soleira da porta, deu um calmo gole na cerveja preta e perguntou:
‒ Aonde você vai se guardar deste vez?
‒ Sei lá. Tô pensando em Ibitipoca.
A costureira olhou a filha bem nos olhos, por um longo tempo, e arrematou a costura:
‒ Sua vó, que Deus a tenha, costumava dizer: “Tesoura e boceta a gente guarda fechadas.”
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Do livro “Guimbas”, de Aldir Blanc.
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