sábado, 2 de dezembro de 2023

Conto compacto de Jorge Valdano*

 

Era assim o sonho do goleiro Juan Antonio Felpa: com o placar de 0 a 0, a um minuto do final da partida, havia um pênalti e ele pegava a bola no ar, caindo com ela abraçado, aplaudido pela torcida. Foi assim o sonho até o dia em que teve oportunidade de realizá-lo. Faltavam quatro minutos para o final do jogo e estava ainda 0 a 0 quando aconteceu o pênalti. 

Não havia mais sol. Então Juan tirou o boné e o jogou para dentro do gol. O frescor na cabeça aumentou-lhe a fé. Quando o atacante chutou, Juan já voava em direção ao sonho, abraçando a bola, sentindo a maior alegria de sua vida.

Nunca se soube por que ele fez o que fez, então. Juan levantou-se e, com a bola debaixo do braço, foi buscar o boné no fundo da rede. O árbitro hesitou antes de dar o gol. 

******* 

* Jorge Alberto Francisco Valdano Castellanos (1955: é um ex-futebolista e treinador argentino) 

Parte da entrevista que Jorge Valdano deu à Folha de S. Paulo 

Folha ‒ Como surgiu seu gosto pela literatura?

Valdano ‒ Sou um autodidata e só me deixo guiar pelo prazer.

Folha ‒ É sua a frase “Gosto mais de escrever do que de dirigir uma equipe?”

Valdano ‒ Só disse que jogar futebol e escrever são as únicas coisas que me desconectavam da realidade. Comandar um time me apaixona, mas é demasiadamente “real”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário