Alan Turing
Por Denis Russo Burgierman
O
inventor do computador salvou o mundo do nazismo. Sua recompensa foi uma cela
de prisão, condenado por homossexualismo.
O
que dizer de um homem que criou a teoria da computação e, não satisfeito,
arregaçou as mangas e assumiu um papel central na construção dos primeiros
computadores? De um matemático que venceu com cálculos as bombas de Hitler? No
mínimo, que merecia uma estátua no vale do Silício, um enterro com glórias de
herói. Mas esse homem morreu esquecido. Sua história só é conhecida graças à
biografia monumental,* escrita em 1983 pelo matemático Andrew Hodges. Mas estou
me adiantando. Comecemos do começo.
Alan
Turing nasceu em 1912, em
Londres. Era um garoto tímido, sem muito talento para o
convívio social e sem muito cuidado com a aparência. Na escola, destacava-se
apenas por ser esquisito − introvertido, irônico, pouco disposto a respeitar
regras. Um cara tão estranho que, no futebol, gostava de ser bandeirinha.
Aos
16 anos, conheceu um garoto muito inteligente chamado Christopher Morcom.
Naquele momento, ele descobriu um fato que mudou sua vida: ele era gay. Chris
morreu em 1930 de pneumonia bovina. Essa primeira paixão marcaria Alan para
sempre. Foi em parte devido à vontade de continuar o legado intelectual do
amigo que ele se aplicou na faculdade de Matemática e tornou-se conhecido dos professores
de Cambridge por seu raciocínio brilhante.
Em
1937, publicou um artigo, “Sobre as Máquinas Computáveis”, que teve uma
importância enorme para a matemática pura: nele, provava que existiam cálculos
impossíveis de serem feitos. Mas também trazia uma aplicação prática que
ninguém, na época, percebeu. Turing imaginara uma máquina capaz de fazer todos
os cálculos possíveis, desde que lhe dessem as instruções adequadas. O artigo
não fazia menção a chips ou processadores. Mas a descrição era exatamente
daquilo que mudaria o mundo com o nome de computador.
Por
falar em mudar o mundo, naquele momento surgia Adolf Hitler. Um de seus trunfos
era uma máquina chamada Enigma − um sistema de engrenagens capaz de embaralhar
as letras das mensagens antes da transmissão por telégrafo. Os alemães
consideravam esse código indecifrável. Caberia a Turing, convocado em 1939 pelo
exército britânico, decifrá-lo.
Um
ano depois, a guerra parecia fácil para Hitler. Os submarinos alemães afundavam
200 000 toneladas de embarcações todo mês e o único jeito de descobrir a
posição dos submarinos era decifrar suas mensagens.
Turing
tirou a cabeça das máquinas teóricas e sujou as mãos na graxa de engenhocas
reais. Uma delas, o Colossus, é tataravô do PC. No começo, elas demoravam
semanas para tornar uma mensagem compreensível. Mas, em 1942, os ingleses já
decodificavam 50 000 mensagens por mês, uma por minuto. Os submarinos alemães eram
abatidos como moscas. O preconceituoso Hitler, cuja equipe olímpica fora
derrotada em 1936 pelo atleta negro americano Jessé Owens, perdia a guerra para
um intelectual gay.
O
ditador nunca soube disso. Aliás, nem a mãe de Turing. Sua participação na guerra
permaneceu secreta durante décadas. Tanto que, quando a polícia o prendeu, em
1952, por grande indecência − em outras palavras, homossexualismo −, ninguém o
defendeu dizendo que se tratava de um herói de guerra. Para enfrentar o
julgamento, teve que se afastar de suas pesquisas sobre inteligência artificial
− Turing é inventor de um teste até hoje usado para decidir se uma máquina
pensa. Foi condenado a um tratamento com hormônios que arruinou sei físico.
Em
7 de junho de 1954, atormentado, o matemático deitou-se na cama e mordeu uma
maçã. Na manhã seguinte, não acordou. Ela havia sido mergulhada numa jarra de
cianureto.
(Do “Almanaque Super Interessante de 2003)
* Também
foi feito uma película sobre a história de Alan Turing no filme “O jogo da
imitação”, onde o matemático britânico, protagonista do filme, foi decisivo
para a derrota do nazismo e precursor dos computadores e da inteligência
artificial.