domingo, 31 de maio de 2020

O inventor do computador

Alan Turing

Por Denis Russo Burgierman


O inventor do computador salvou o mundo do nazismo. Sua recompensa foi uma cela de prisão, condenado por homossexualismo.

O que dizer de um homem que criou a teoria da computação e, não satisfeito, arregaçou as mangas e assumiu um papel central na construção dos primeiros computadores? De um matemático que venceu com cálculos as bombas de Hitler? No mínimo, que merecia uma estátua no vale do Silício, um enterro com glórias de herói. Mas esse homem morreu esquecido. Sua história só é conhecida graças à biografia monumental,* escrita em 1983 pelo matemático Andrew Hodges. Mas estou me adiantando. Comecemos do começo.

Alan Turing nasceu em 1912, em Londres. Era um garoto tímido, sem muito talento para o convívio social e sem muito cuidado com a aparência. Na escola, destacava-se apenas por ser esquisito − introvertido, irônico, pouco disposto a respeitar regras. Um cara tão estranho que, no futebol, gostava de ser bandeirinha.

Aos 16 anos, conheceu um garoto muito inteligente chamado Christopher Morcom. Naquele momento, ele descobriu um fato que mudou sua vida: ele era gay. Chris morreu em 1930 de pneumonia bovina. Essa primeira paixão marcaria Alan para sempre. Foi em parte devido à vontade de continuar o legado intelectual do amigo que ele se aplicou na faculdade de Matemática e tornou-se conhecido dos professores de Cambridge por seu raciocínio brilhante.

Em 1937, publicou um artigo, “Sobre as Máquinas Computáveis”, que teve uma importância enorme para a matemática pura: nele, provava que existiam cálculos impossíveis de serem feitos. Mas também trazia uma aplicação prática que ninguém, na época, percebeu. Turing imaginara uma máquina capaz de fazer todos os cálculos possíveis, desde que lhe dessem as instruções adequadas. O artigo não fazia menção a chips ou processadores. Mas a descrição era exatamente daquilo que mudaria o mundo com o nome de computador.

Por falar em mudar o mundo, naquele momento surgia Adolf Hitler. Um de seus trunfos era uma máquina chamada Enigma − um sistema de engrenagens capaz de embaralhar as letras das mensagens antes da transmissão por telégrafo. Os alemães consideravam esse código indecifrável. Caberia a Turing, convocado em 1939 pelo exército britânico, decifrá-lo.

Um ano depois, a guerra parecia fácil para Hitler. Os submarinos alemães afundavam 200 000 toneladas de embarcações todo mês e o único jeito de descobrir a posição dos submarinos era decifrar suas mensagens.

Turing tirou a cabeça das máquinas teóricas e sujou as mãos na graxa de engenhocas reais. Uma delas, o Colossus, é tataravô do PC. No começo, elas demoravam semanas para tornar uma mensagem compreensível. Mas, em 1942, os ingleses já decodificavam 50 000 mensagens por mês, uma por minuto. Os submarinos alemães eram abatidos como moscas. O preconceituoso Hitler, cuja equipe olímpica fora derrotada em 1936 pelo atleta negro americano Jessé Owens, perdia a guerra para um intelectual gay.

O ditador nunca soube disso. Aliás, nem a mãe de Turing. Sua participação na guerra permaneceu secreta durante décadas. Tanto que, quando a polícia o prendeu, em 1952, por grande indecência − em outras palavras, homossexualismo −, ninguém o defendeu dizendo que se tratava de um herói de guerra. Para enfrentar o julgamento, teve que se afastar de suas pesquisas sobre inteligência artificial − Turing é inventor de um teste até hoje usado para decidir se uma máquina pensa. Foi condenado a um tratamento com hormônios que arruinou sei físico.

Em 7 de junho de 1954, atormentado, o matemático deitou-se na cama e mordeu uma maçã. Na manhã seguinte, não acordou. Ela havia sido mergulhada numa jarra de cianureto.

(Do “Almanaque Super Interessante de 2003)

* Também foi feito uma película sobre a história de Alan Turing no filme “O jogo da imitação”, onde o matemático britânico, protagonista do filme, foi decisivo para a derrota do nazismo e precursor dos computadores e da inteligência artificial.


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