terça-feira, 2 de junho de 2020

Um herói anônimo de nossa cidade

Manoel da Loteria

(1948-2019)

Sem os dois braços, vendia bilhetes no centro de Porto Alegre.


Foto Marcello Campos-Arquivo pessoal

Porto Alegre perde um de seus mais queridos personagens populares
30 de junho de 2019

Sorriso tímido, olhar de menino, passinho apressado pela Rua da Praia, Ladeira, Andrade Neves e imediações. Dinheiro trocado no bolso direito da camisa social sempre impecável, comprovantes de apostas dobrados no lado do coração, com promessas de fortuna em forma de papel.

Esta imagem singela deixará saudade entre os porto-alegrenses, com a morte do vendedor ambulante Manoel Vilson do Nascimento, 71 anos (completados no dia 4 de junho de 2019), o “Manoel da Loteria”, ocorrida por volta das 0h30min deste domingo no Hospital Conceição.

Internado no setor de emergência da instituição, de acordo com familiares ele não resistiu a complicações de um quadro de insuficiência renal e infecção pulmonar. O sepultamento foi realizado no final da manhã deste domingo, no Cemitério da Santa Casa. “Foi tudo muito rápido, de surpresa”, contou o seu afilhado William Oliveira.

Trajetória

Em 2017, durante rápida entrevista concedida ao repórter Marcello Campos, do jornal “O Sul”, Manoel declarou sobre o seu tempo de atividade: “Perdi as contas”. Testemunhos dão como certo, porém, a sua onipresença nas ruas, avenidas e marquises do Centro Histórico pelo menos desde o começo da década de 1970.

Morador da Vila Farrapos, na Zona Norte, ele não deixou mulher, filhos ou patrimônio. Esse pequeno-grande homem entregou à capital gaúcha, porém, um baita legado: o exemplo de superação. As dezenas de depoimentos registrados por amigos e conhecidos no Facebook ao longo do dia não poupavam elogios ao vendedor.

O álbum de tipos folclóricos da cidade ganha mais uma figurinha carimbada. Manoel da Loteria agora está na mesma galeria de tipos inesquecíveis como Bataclan, Gurizada Medonha, Teresinha Morango, Arlindo Alfaiate, Homem dos Cachos, Marimbondo, Maria Chorona, apenas para mencionar os mais conhecidos.

(O Sul)

(Do blog Porto 24 Alegre)


Foto e texto de Fernando Albrecht

A vida é dura...

Manoel Nascimento, 70 anos, nasceu assim em Cachoeira do Sul, sem os dois braços. Foi com compreensíveis enormes dificuldades que aprendeu a gerenciar sua vida. Ainda criança, veio para a cidade grande e, desde o início dos anos 1970, passou a vender bilhetes da Loteria Federal e das Loterias da Caixa. Em um bolso da camisa deixa os volantes e no outro dinheiro trocado. Os fregueses tiram o que lhes interessa e fazem o troco.

...para quem é mole

Perguntado como encarava a sofrida condição desde a nascença, Nascimento abre um sorriso largo e diz “graças a Deus!”. E arremata: “Eu podia ter nascido cego”. Ora, alguém que diz isso é um herói. Ele poderia sentar na calçada e chorar maldizendo a própria sorte, mas não. Foi à luta e chega aos 70 anos com clientela fiel. É um exemplo para quem tem dois braços, duas pernas e desiste falando uma frase mortal, “não dá”.

(Do Jornal do Comércio, de 29.03.2019)

P.S. Vi, muitas vezes, esse senhor vendendo bilhetes nos anos 70, no centro de Porto Alegre. Realmente, a gente ficava impactado com a sua garra em vender um pequeno papel para fazer um novo rico. Nunca fui de tentar a sorte, mas hoje, lendo a sua história, me arrependo de nunca ter comprado um bilhete dele...

(NSM)


2 comentários:

  1. Eu tive o prazer de comprar...conheci e me inspiro na superação. Parei de reclamar a partir daquele dia.

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    1. O amigo teve mais sorte... eu podia não ter ficado rico, mas teria feito uma boa ação.

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