quarta-feira, 10 de junho de 2020

O grande samba

Luís Martins


Sinhô, Araci Cortes e Mário Reis*

O show de Mario Reis realizado no Rio de Janeiro – e que eu vi, um dia desses, transmitido em vídeo tape por um canal de televisão – encheu-me de saudade. Nunca falei com Mario Reis, a quem só conhecia de vista. Também nunca troquei uma palavra com Chico Alves e Noel Rosa, que toda gente diz ter sido grande frequentador dos bares e cabarés da Lapa, mas que eu jamais pude ver nesses lugares. Nem eu, nem Lúcio Rangel, que declara peremptoriamente: “Nunca vi Noel Rosa na Lapa”.

Conheci, em compensação, Lamartine Babo, Ary Barroso, Carmen Miranda, Gastão Formenti, Almirante, o maestro Eduardo Souto (para quem escrevi a letra de uma bela música de rancho, gravada por João Petra de Barros) – e muito bem, Catulo da Paixão Cearense, Hekel Tavares e Joubert de Carvalho, este meu parceiro em vários discos, eu como autor da letra, ele da música. Discos que pouco ou nenhum sucesso alcançaram, por culpa evidentemente minha (Gastão Formenti era o nosso intérprete preferido). Durante algum tempo, convivi também bastante, quase diariamente, com Orestes Barbosa, mas este é um capítulo à parte, que não caberia numa crônica.

E conheci também o famoso Sinhô. Era sobre isto que queria falar. Quando Mário Reis cantou o Jura uma onda de ternura, de saudade, de tristeza me invadiu: vi-me subitamente reconduzido a um Rio de Janeiro tão antigo, tão romântico, tão maravilhoso, tão diferente do que é hoje, que se dizia outra cidade. No teatro Fênix estreava uma revista de Paulo Magalhães, com música de José Barbosa da Silva, o popularíssimo Sinhô. Eu era um rapazola de 20 anos que se iniciava timidamente nas letras e no jornalismo – e me achava na mesma frisa em que estavam o teatrólogo e o compositor. Havia grande expectativa em torno de um novo samba feito por este, que ninguém ainda ouvira, mas de que ele próprio dizia maravilhas. E, de repente, Araci Cortes, no palco, canta o Jura, o samba em questão.

O teatro quase veio abaixo! Araci foi obrigada a bisar, tornar a bisar, duas, três, quatro vezes (sei lá!) e o público, entusiasmado, não se cansava de aplaudir e querer mais…

Mario Reis foi o primeiro cantor a gravar o Jura em disco, penso eu. Ele considera o grande samba, o maior que se fez em todos os tempos, no Brasil; e eu, que não sou autoridade na matéria, não estou longe de compartilhar sua opinião. Mas devo confessar: isto penso agora. Porque naquela noite, no teatro Fênix, o Jura deixou-me inteiramente frio. No meio daquela multidão que delirava, manifestando o seu aplauso com palmas e gritos estridentes, eu era certamente a única ilha de tédio e indiferença, perdida no oceano ululante e consagrador. Custo a me entender, quando penso nisso.

*O compositor (Sinhô), a cantora do musical (Araci Cortes) e o melhor intérprete (Mário Reis).

(Do blog do IMS)

Jura

Sinhô

Jura, jura, jura
pelo Senhor.
Jura pela imagem
da Santa Cruz do Redentor,
pra ter valor a tua jura.

Jura, jura, jura
de coração,
para que um dia
eu possa dar-te o meu amor,
sem mais pensar na ilusão.

Daí, então, dar-te eu irei
o beijo puro da catedral do amor.
Dos sonhos meus, bem junto aos teus,
para fugirmos das aflições da dor.

P.S. A gravação mais correta e suave é com Mário Reis, e está na internet.

A música nasceu no teatro de revista, com uma letra que insinua o sexo não-convencional: “Jura. Jura. Jura de coração/ Para que um dia/ Eu possa dar-te o meu amor/ Sem mais pensar na ilusão/ Daí então dar-te eu irei/ O beijo puro na catedral do amor.”

(Luiz Carlos Azedo)

“Jura” (1929), de Sinhô mais famosa composição de Sinhô, exímio pianista que ganhou epíteto que resume sua importância nesses anos pioneiros do ritmo: o Rei do Samba. Ainda marcada pela influência do maxixe, suas melodias eram simples e, ao mesmo tempo, originais, caindo no gosto do público. “Jura”, além do forte refrão, mostra um verso malicioso e mui atrevido para a época: “Um beijo puro na catedral do amor”

Do iG São Paulo, por Álvaro Costa e Silva



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