Luís Martins
Sinhô, Araci Cortes e Mário Reis*
O
show de Mario Reis realizado no Rio de Janeiro – e que eu vi, um dia desses,
transmitido em vídeo tape por um canal de televisão – encheu-me de saudade.
Nunca falei com Mario Reis, a quem só conhecia de vista. Também nunca troquei
uma palavra com Chico Alves e Noel Rosa, que toda gente diz ter sido grande
frequentador dos bares e cabarés da Lapa, mas que eu jamais pude ver nesses
lugares. Nem eu, nem Lúcio Rangel, que declara peremptoriamente: “Nunca vi Noel
Rosa na Lapa”.
Conheci,
em compensação, Lamartine Babo, Ary Barroso, Carmen Miranda, Gastão Formenti,
Almirante, o maestro Eduardo Souto (para quem escrevi a letra de uma bela
música de rancho, gravada por João Petra de Barros) – e muito bem, Catulo da
Paixão Cearense, Hekel Tavares e Joubert de Carvalho, este meu parceiro em
vários discos, eu como autor da letra, ele da música. Discos que pouco ou
nenhum sucesso alcançaram, por culpa evidentemente minha (Gastão Formenti era o
nosso intérprete preferido). Durante algum tempo, convivi também bastante,
quase diariamente, com Orestes Barbosa, mas este é um capítulo à parte, que não
caberia numa crônica.
E
conheci também o famoso Sinhô. Era sobre isto que queria falar. Quando Mário
Reis cantou o Jura uma onda de ternura, de saudade, de tristeza me invadiu:
vi-me subitamente reconduzido a um Rio de Janeiro tão antigo, tão romântico,
tão maravilhoso, tão diferente do que é hoje, que se dizia outra cidade. No
teatro Fênix estreava uma revista de Paulo Magalhães, com música de José
Barbosa da Silva, o popularíssimo Sinhô. Eu era um rapazola de 20 anos que se
iniciava timidamente nas letras e no jornalismo – e me achava na mesma frisa em
que estavam o teatrólogo e o compositor. Havia grande expectativa em torno de
um novo samba feito por este, que ninguém ainda ouvira, mas de que ele próprio
dizia maravilhas. E, de repente, Araci Cortes, no palco, canta o Jura, o samba em questão.
O
teatro quase veio abaixo! Araci foi obrigada a bisar, tornar a bisar, duas,
três, quatro vezes (sei lá!) e o público, entusiasmado, não se cansava de
aplaudir e querer mais…
Mario
Reis foi o primeiro cantor a gravar o Jura em disco, penso eu. Ele considera o
grande samba, o maior que se fez em todos os tempos, no Brasil; e eu, que não
sou autoridade na matéria, não estou longe de compartilhar sua opinião. Mas
devo confessar: isto penso agora. Porque naquela noite, no teatro Fênix, o Jura
deixou-me inteiramente frio. No meio daquela multidão que delirava,
manifestando o seu aplauso com palmas e gritos estridentes, eu era certamente a
única ilha de tédio e indiferença, perdida no oceano ululante e consagrador.
Custo a me entender, quando penso nisso.
*O
compositor (Sinhô), a cantora do musical (Araci Cortes) e o melhor intérprete
(Mário Reis).
(Do blog do IMS)
Jura
Sinhô
Jura,
jura, jura
pelo
Senhor.
Jura
pela imagem
da
Santa Cruz do Redentor,
pra
ter valor a tua jura.
Jura,
jura, jura
de
coração,
para
que um dia
eu
possa dar-te o meu amor,
sem
mais pensar na ilusão.
Daí,
então, dar-te eu irei
o
beijo puro da catedral do amor.
Dos
sonhos meus, bem junto aos teus,
para
fugirmos das aflições da dor.
P.S. A gravação mais correta
e suave é com Mário Reis, e está na internet.
A
música nasceu no teatro de revista, com uma letra que insinua o sexo
não-convencional: “Jura. Jura. Jura de coração/ Para que um dia/ Eu possa
dar-te o meu amor/ Sem mais pensar na ilusão/ Daí então dar-te eu irei/ O beijo
puro na catedral do amor.”
(Luiz Carlos Azedo)
“Jura”
(1929), de Sinhô mais famosa composição de Sinhô, exímio pianista que ganhou
epíteto que resume sua importância nesses anos pioneiros do ritmo: o Rei do
Samba. Ainda marcada pela influência do maxixe, suas melodias eram simples e,
ao mesmo tempo, originais, caindo no gosto do público. “Jura”, além do forte
refrão, mostra um verso malicioso e mui atrevido para a época: “Um beijo puro
na catedral do amor”
Do iG São Paulo, por Álvaro Costa e Silva
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