terça-feira, 16 de junho de 2020

Decifre o seu chefe

Por Max Gehringer


1. O Chefe Evasivo

− Chefe, o senhor tem um minuto?
− Você é a...
− Glória.
− Glória, certo. Só que agora não vai dar, estou ocupado.
− Mas é rapidinho.
− Fale ali com o César. Ele está a par de tudo.
− Mas foi o César que pediu para eu vir falar com o senhor.
− Foi, é? Então pede para o César vir aqui falar comigo.
A Glória foi uma tremenda otimista ao achar que o chefe lhe daria alguma resposta prática. Porque Chefe Evasivo não responde, não toma posições, não assume compromissos, e não feedback. E, muitas vezes, como no caso da Glória, sequer sabe o nome de seus subordinados. O que está por trás da personalidade do Chefe Evasivo é uma enorme insegurança. Por isso, o Chefe Evasivo tem um fiel escudeiro que responde no lugar dele, normalmente alguém suficientemente esperto para não ter qualquer outra ambição na carreira, a não ser a de proteger o chefe contra as investidas dos subordinados.

Como lidar com ele?

Falando direto com o César. O único problema é que o César não tem autoridade e tampouco coragem para recomendar aumentos e promoções. Quem tem um Chefe Evasivo precisa urgentemente mudar de área e a melhor maneira de fazer isso é conversando diretamente como chefe da outra área. Se não mudar, vira subCésar. Ou seja, condena-se ao anonimato eterno.

{Alguns evasivos memoráveis}

Pôncio Pilatos → O mais famoso do clã. Sua atitude de lavar as mãos diante de Cristo virou emblema dos chefes que não assumem responsabilidades.

D. João VI → Evadiu-se quando Napoleão invadiu Portugal e tinha fama de submisso à mulher, Carlota Joaquina. Sempre que possível, decidia não decidir.

Zagallo → Consta que a seleção do tri, em 1970, era comandada de dentro do campo por Gérson e Carlos Alberto. O treinador tentava não atrapalhar.

2. O Chefe Compulsivo

O Chefe Compulsivo tem um problema de fuso horário. Ele quer tudo para ontem, e riscou de seu calendário a palavra “amanhã”. E, já que amanhã não existe, não haverá futuro. Logo, investir no desenvolvimento dos funcionários é perda de tempo. O que move um Chefe Compulsivo é, ao contrário do que as aparências indicam, a falta de iniciativa. Ele não pensa e, por isso, depende das ordens de seu superior para poder liberar sua adrenalina.

É fácil reconhecer o Chefe Compulsivo, até nas situações em que não se exige sua extremada compulsão. Num inocente churrasco promovido pela empresa, por exemplo, ele:

1) Se recusa a discutir política, religião, sexo ou futebol.

2) Só fala de seu objetivo para ontem.

3) Fica ridículo de bermuda e chinelão.

Como lidar com ele?

Evitando qualquer assunto que não seja a “ordem do dia”. No dia em que lhe for pedida uma referência sobre algum funcionário, o Chefe Compulsivo sempre recomendará não o mais criativo, nem o que apresenta melhores resultados, mas o que compartilha de sua paranoia.

{O maior compulsivo de todos os tempos}

Tio patinhas → O pato sovina e milionário das histórias em quadrinhos da Disney é o símbolo dos chefes para os quais todo o trabalho se resume a uma única “ordem do dia” − no caso, ganhar dinheiro.

3. O Chefe Repulsivo

Para ele, tudo é uma droga. O trabalho, o horário, a sua sala e, principalmente, os seus funcionários. Um dia, o Chefe Repulsivo está deprimido e não quer falar com ninguém. No outro, está irritado e desconta no primeiro que aparece. Ele dá a impressão de estar sempre com o desodorante vencido e de não ter dormido bem à noite. O Chefe Repulsivo não encara diretamente o funcionário e gosta de fazer críticas genéricas (“Eu falo, falo, e ninguém me entende!”). Escondido atrás da carranca está um frustrado que usa a autoridade como forma de compensação. Sua lógica é simples: a vida não o tratou como ele merecia. Logo, seus funcionários também precisam ser tratados como não merecem.

Como lidar com ele?

Elogiando-o, principalmente quando não há motivo. O Chefe Repulsivo busca a aprovação alheia e por isso preza o elogio, mesmo que vazio. O que, é claro, não bate com o caráter dos funcionários autênticos e bem resolvidos. Funcionários de bem com a vida são sempre suas vítimas preferenciais. Aí, não há o que discutir: o Chefe Repulsivo não vai mudar. Portanto, quem tem que mudar é o funcionário. De atitude, ou de empresa.

{O Rei dos Repulsivos}

Jânio Quadros → O presidente que renunciou de forma intempestiva se encaixa no perfil do chefe repulsivo: irascível, capaz de ir da depressão à agressividade num piscar de olhos, no fundo é um carente.*

4. O Chefe Impulsivo

Ele muda de ideia a cada cinco minutos. Desaprova o que tinha aprovado e contradiz o que tinha dito, sem cerimônia. Embola o meio de campo e credita isso à incompetência dos funcionários*. Consegue grandes sucessos e retumbantes fracassos, mas jamais admite seus erros. Napoleão é seu santo padroeiro.

Como lidar com ele?

Preparando-se com uma listinha de alternativas sempre que for conversar com ele, mesmo que a solução seja óbvia. O risco maior que alguém corre ao discutir com o Chefe Impulsivo é deixar todas as opções por conta dele, porque ele sempre escolherá a mais complicada. Ao contrário dos outros chefes chatos, o Chefe Impulsivo valoriza os funcionários capazes de pensar e ter ideais. Desde que eles deem a impressão de que a ideia foi do Chefe Impulsivo.

{Mais impulsivo, impossível}

Napoleão Bonaparte → Em sua política expansionista, que o levou a conquistar grande parte da Europa, o francês era capaz de grandes acertos e de erros vexatórios − como a desastrosa campanha da Rússia.

5. O Chefe Repressivo

É alérgico a ideias e sugestões. Tem mania de perseguição e vive enxergando conspirações. Não elogia nem por decreto. Impõe regras e não quer ouvir falar em exceções. Impede que seus funcionários tenham contatos fora do departamento. Tudo consequência de algum trauma pessoal, coisa que o Chefe Repressivo resolveria com terapia. Mas quem vai sugerir isso a ele?

Como lidar com ele?

Sendo extremamente obediente. O Chefe Repressivo só valoriza quem lhe dedica irrestrita fidelidade, mesmo quando suas ordens beiram o absurdo. O problema é que gente assim pode ir longe: Mussolini, Stálin e Hitler* eram Chefes Repressivos. E a lição ficou bem registrada: quem os contrariou não viveu para contar a história.

{Três repressivos irreprimíveis}

Mao Tse Tung → Presidente da China por décadas. Mao atingiu o auge como repressivo durante a Revolução Cultural, no fim dos anos 60.

Átila, O Huno → O último rei dos hunos (406-453) foi um grande líder guerreiro e uma ameaça constante ao Império Romano.

Médici → O general Emílio Garrastazu Médici presidiu o Brasil de 1969 a 1974, período mais repressivo da ditadura militar.

Do Almanaque Fantástico, o show da vida em revista,
novembro de 2007

*Há um político brasileiro que, desgraçadamente, se tornou presidente, que também se encaixa, e muito, em alguns desses perfis.

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