Há
exatos 60 anos, (notícia de 2017) um modelo Curtiss C-46, da Varig, levantou
voo, de Santana do Livramento, às 8h, com 35 passageiros e cinco tripulantes,
em um dia cinzento e frio. A rota, que terminaria em Porto Alegre , faria
escala em Bagé, para embarque e abastecimento. Pouco depois das 8h30min, o
avião decolou rumo à capital gaúcha. Em questão de minutos, a torre de comando
do aeroporto Comandante Kraemer recebeu mensagem da tripulação, declarando
emergência em decorrência de um provável incêndio no motor esquerdo. O sinistro
daria origem ao maior acidente aéreo da história bajeense.
Há
versões de que após acionar os extintores do motor, a tripulação acreditou ter
controlado os danos. Ainda assim, o pouso de emergência seria necessário, por
questões de segurança. O trem de pouso não funcionou conforme o esperado e o
piloto, Fernando Silva Leandro, abortou a manobra e arremeteu a aeronave, com a
intenção de tentar novamente. Uma das teorias mais aceitas é de que durante o
momento da decolagem, uma pedra tenha sido arremessada pelas rodas dentro do
compartimento do motor, ocasionando o fogo.
Diferente
do que a tripulação imaginou, o fogo não havia sido extinguido. Assim que o
avião começou a taxiar para uma nova tentativa de pouso, as chamas voltaram com
força. O piloto ainda tentou levar a aeronave ao solo, mas perdeu uma asa ainda
no ar e o avião caiu, sendo reconhecida depois apenas como uma bola de metal
retorcida e ardente. Todas as 40 pessoas a bordo morreram na queda ou em meio
ao fogo. Entre eles, figuras ilustres, como o então secretário de Educação do
Estado, Liberato Salzano Vieira da Cunha, e o advogado Antenor Gonçalves
Pereira.
O domingo cinzento
O
alvorecer do dia 7 de abril de 1957 não foi extraordinário na casa de João
Ilone Freire. Como fazia diariamente, acordou, saiu da cama e se arrumou para o
trabalho, que ficava a alguns metros de sua residência. Nada indicava que
aquele seria mais do que um dia normal e que em poucas horas ele seria
testemunha ocular da história de uma tragédia da aviação brasileira.
Mas
a história teve início muito antes, na década de 1930, quando iniciou a fabricação
dos aviões Curtiss C-46 Commando, utilizado para transporte de tropas, armas e
munições durante a Segunda Guerra Mundial pelos aliados. Com o fim do conflito
bélico, os aviões foram vendidos para empresas aéreas do mundo todo, entre elas
a Viação Aérea Rio-Grandense (Varig). O personagem principal desta história
veio nesse lote e recebeu o prefixo PP-VCF.
Após
enfrentar anos de guerra, armamento pesado e um exército bem equipado, o
Curtiss C-46 Commander PP-VCF acabou encontrando seu fim nos pampas gaúchos, no
mesmo data em que João
levantou acreditando ser mais um dia normal.
Testemunha ocular da queda
Jovem,
contando 19 anos na ocasião do acidente, Freire morava próximo à área do
aeroporto junto à família. O pai, Álvaro Freire da Fontoura Gomes, havia sido o
responsável pela construção da pista do aeroporto, onde tempos depois o PP-VCF encontraria
seu fim, em chamas. E
também no aeroporto iniciou a vida profissional, como despachante aéreo da
Sociedade Anônima Viação Aérea Gaúcha (Savag).
Ele
conta que chegou a ver a aeronave antes de decolar. Depois, quando a viu
novamente, ela já vinha rumo ao seu destino final. “Ligaram para a torre,
avisaram do fogo e pediram apoio para apagar após o pouso. Foi uma comoção,
todos saíram correndo com os extintores e ficamos esperando na beira da pista”,
recorda.
Ele
conta que viu o avião tentar pousar na primeira vez e arremeter. “Eu não sei
por que ele fez aquilo. Deve ter pensado que tinha controlado o fogo e estava
tranquilo para tentar de novo”, diz.
Freire
relembra que, quando o Curtiss retornava, a asa esquerda, tomada pelo fogo,
então já visível, se dobrou e se separou do resto do corpo metálico. “Parecia
de papel, se dobrou para trás e voou. Nisso, o avião já caiu e a carenagem foi
rolando pela pista”, relata.
O
horror daquela visão nunca foi esquecido por Freire, que junto ao pai e ao
irmão correu na tentativa de ajudar a apagar o fogo e resgatar um possível
sobrevivente. Mas no caminho até a carenagem, viu que seria impossível
encontrar alguém com vida. “Quando o avião caiu, foi se arrastando pela pista e
ficava um rastro de pedaços de corpos. Aí eu vi que seria muito difícil alguém
ter se salvado”, lembra.
Fim de um mistério
Entre
as lendas urbanas que circularam pela cidade ao longo de seis décadas, talvez
uma das mais conhecidas esteja relacionada ao destino de barras de ouro que
teriam sido encontradas no acidente. Freire garante que havia, realmente, ouro
a bordo. Ele sabe disso porque alega ter encontrado o valioso metal, preso no
corpo de um dos passageiros por um cinturão. “Eu vi que era valioso, tirei o
cinturão do corpo e avisei o pessoal da Varig. Depois não vi mais, sei que foi
entregue para a Polícia Federal”, garante.
Aos
79 anos, afirma ainda ter na memória as cores vívidas do fogo que queimava a
carenagem do avião contra o céu cinza chumbo daquela manhã de domingo. E embora
poucas pessoas saibam do horror que presenciou, Freire afirma que o fato nunca
saiu de sua mente. “Acho que ainda sonho com isso, às vezes, porque acordo
assustado, dando pulo, mas sem lembrar do que sonhei. Acho que deve ser isso
que ainda me assusta em sonho”, conta ele, com as mãos marcadas pelo tempo
cruzadas sobre as pernas.
(Do blog do Jornal Minuano)
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