quinta-feira, 30 de março de 2023

A escrita à mão

 

(...) 

A história da escrita tem passagens lindas. Uma dela, narrada a mim (Ruy Castro) por uma amiga, conta como, por volta de 1855, os barqueiros que singravam o Sena* de madrugada, nos arrabaldes de Rouen,* se guiavam por uma luz de vela que, noite após noite, durante seis anos, saía da janela de uma casinha à margem o rio. Eles não podiam saber, mas aquela vela iluminava Flaubert,* escrevendo − à mão, claro − Madame Bovary.* 

(Final da crônica “A escrita à mão”, de Ruy Castro) 

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* O rio Sena (em francês: la Seine) é um rio do norte de França que banha a capital, Paris e que deságua no Oceano Atlântico. Tem uma extensão de 776 km. 

* Rouen: É a capital da Alta Normandia, à beira do Sena e importante porto comercial. 

* Gustave Flaubert: (Rouen, 12 de dezembro de 1821 – Croisset, 8 de maio de 1880) foi um escritor francês. Prosador importante, Flaubert marcou a literatura francesa pela profundidade de suas análises psicológicas, pelo seu senso de realidade, pela sua lucidez sobre o comportamento social, e pela força de seu estilo em grandes romances, tais como madame Bovary (1857). 

* Madame Bovary: É um romance de Gustave Flaubert. Chamado de “romance dos romances”, Madame Bovary é considerado pioneiro dentre os romances realistas, tornando-se famoso por sua originalidade. Posteriormente, levou à cunhagem do termo “bovarismo” na psicologia, em referência às características psicológicas da protagonista. Quando foi lançado, Flaubert foi levado a julgamento pela obra, despertando um grande interesse pelo romance. 

Bulas do terror

 Ruy Castro

O fim do ano chegou e, com ele, o prazo dado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que todo medicamento vendido no Brasil passe a vir com duas bulas. Uma, dentro da caixa, em linguagem acessível ao leigo e em corpo e espaço adequados aos pacientes − os quais, apesar do nome, não têm paciência para ler a dita por causa da vista cansada. A outra, eletrônica, no site da Anvisa, na linguagem mais técnica possível, apenas para os médicos, e esses que se virem.

Pelo visto, a medida ainda não entrou em vigor. Outro dia, ao sair do banho num hotel em cidade estranha, dei uma estúpida topada com a canela na borda do azulejo do box. A perna inchou, ficou vermelha e, pelos dias seguintes, como o dodói não passasse, resolvi tomar providências. Bem à brasileira, uma amiga me examinou por telefone e receitou uma pomada. Fui à farmácia, comprei-a e apliquei. E só então li a bula.

“Este medicamento (fator de difusão enzimática)”, dizia o texto, “é composto de mucopolissacaridases com atividades condroitinásica e hialuronidásica, despolimerizando os mucopolissacarídeos (ácidos condroitino-sulfúrico e hialurônico) da substância fundamental do tecido conjuntivo, especialmente subcutâneo. A despolimerização da substância fundamental das trabéculas conjuntivas do tecido subcutâneo facilita as trocas metabólicas locais”.

A transcrição é literal. Pois li e entrei em pânico − imagine se os mucopolissacarídeos, ao despolimerizar as trabéculas conjuntivas, provocassem uma reação das atividades condroitinásica e hialuronidásica? O que seria de mim?

Por sorte, nada disso aconteceu − ou, quem sabe, aconteceu e não percebi − e o remédio logo começou a fazer efeito. Ótimo. Mas é aconselhável manter não só os remédios, mas também as bulas, como essa, fora do alcance das crianças. 

(Crônica do livro “A melancia quadrada”, de Ruy Castro)

Como criar um filho(a) inútil

 Mário Corso

Para criar um filho inútil, você terá que ser muito útil. É preciso seguir corretamente alguns passos. Parece fácil, mas requer dedicação, ninguém nasce inútil, torna-se inútil. 

Começaremos com o espírito que perpassa a empreitada. Existe uma tendência natural de os filhos acreditarem que seríamos mais ricos e poderosos do que somos. Se você conseguir manter essa ilusão, é meio caminho andado.  Ele vai sentir-se como um futuro herdeiro. 

Mantenha-o livre de tarefas dentro de casa. Ele não deve fazer nada. A magia das roupas faz parte do treino. Quando esparramadas pelo chão, devem aparecer limpas e arrumadas no armário. Tudo na casa é assunto dos pais ou dos empregados. 

A etiqueta à mesa está ultrapassada, ele pode sair da mesa para voltar ao videogame, ou ainda comer sozinho no quarto. Isso instala a magia da louça: agora suja sobre a mesa, aparecerá limpa e no mesmo lugar na refeição seguinte. Só devem ser familiares a ele a geladeira e a despensa de alimentos prontos. Vai que ele tente uma receita, pode descobrir que nada é fácil. 

Na escola, caso a direção o chame, fique ao lado dele. Se conseguir boas notas, não elogie o esforço, chame-o de gênio. Instale uma visão pragmática, estudar só para a prova e o vestibular. Isso garante que ele não se apaixonará pelo saber: Igual, o dinheiro pode lhe dar um diploma. 

Cuidado com os esportes.  Se ele apegar-se a uma prática e perseguir melhores performances, pode desenvolver a perseverança e a tolerância à frustração. A qualquer mínima queixa, troque de esporte. O mesmo vale para música. 

Eles seguem o exemplo, se você não ler nada, ele vai achar desnecessário. Se você só tiver olhos para o celular, ele fará o mesmo. 

Fique de olho na sociabilidade, ele pode descobrir que nem todo mundo é seu fã. 

Dê tudo para seu filho, atenda a seus caprichos. Você finge ser rico, esteja à altura. 

É provável que seu filho atraia uma pessoa tão inútil como ele e a traga para morar em casa. Possivelmente, farão um filho sem pensar e você terá a alegria de um neto, ou mais, em casa. 

Sustentar todo este povo é um incentivo para seguir trabalhando. Adeus à vagabundagem da aposentadoria. Você se sentirá útil e produtivo até o fim os seus dias. 

Você deve estar pensando: mas e depois que eu partir? Sossegue, você não estará aqui para ver. E, com todos esses gastos, conseguirá tornar seu filho um herdeiro, de dívidas. 

(Do jornal Zero Hora, março de 2023)

quarta-feira, 29 de março de 2023

À beira-mar

 Stanislaw Ponte Preta

Por que será que tem gente que vive se metendo com o que os outros estão fazendo? Pode haver coisa mais ingênua do que um menininho brincando com areia, na beira da praia? Não pode, né? Pois estávamos nós deitados a doirar a pele para endoidar mulher, sob o sol de Copacabana, em decúbito ventral (não o sol, mas nós) a ler “Maravilhas da Biologia”, do coleguinha cientista Benedict Knox Ston, quando um camarada se meteu com uma criança, que brincava com a areia. 

Interrompemos a leitura para ouvir a conversa. O menininho já estava com um balde desses de matéria plástica cheio de areia, quando o sujeito intrometido chegou e perguntou o que é que o menininho ia fazer com aquela areia. 

O menininho fungou, o que é muito natural, pois todo menininho que vai na praia funga, e explicou pro cara que ia jogar a areia num casal que estava numa barraca lá adiante. E apontou para a barraca. 

Nós olhamos, assim como olhou o cara que perguntava ao menininho. Lá, na barraca distante, a gente só conseguia ver pares de pernas ao sol. O resto estava escondido pela sombra, por trás da barraca. Eram dois pares, dizíamos, um de pernas femininas, o que se notava pela graça da linha, e outro masculino, o que se notava pela abundante vegetação capilar, se nos permitem o termo. 

− Eu vou jogar a areia naquele casal por causa de que eles estão se abraçando e se beijando muito − explicou o menininho, dando outra fungada. 

O intrometido sorriu complacente e veio com lição de moral. 

− Não faça isso, meu filho − disse ele (e depois viemos a saber que o menino era seu vizinho de apartamento). Passou a mão pela cabeça do garotinho e prosseguiu: 

− Deixe o casal em paz. Você ainda é pequeno e não entende dessas coisas, mas é muito feio ir jogar areia em cima dos outros. 

O menininho olhou pro cara muito espantado e ainda insistiu: 

− Deixa eu jogar neles. 

O camarada fez menção de lhe tirar o balde da mão e foi mais incisivo: 

− Não senhor. Deixe o casal namorar em paz. Não vai jogar areia não. 

O menininho então deixou que ele esvaziasse o balde e disse: 

Tá certo. Eu só ia jogar areia neles por causa do senhor. 

− Por minha causa? Estranhou o chato. − Mas que casal é aquele? 

− O homem eu não sei − respondeu o menininho. − Mas a mulher é a sua. 

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Do livro “O gol do padre & outras crônicas”. Ática: 1997. Stanislaw Ponte Preta.*.

*Pseudônimo do cronista Sérgio Porto.

segunda-feira, 27 de março de 2023

Meu avô

 Miguel M. Abrahão*

Foi com meu avô que aprendi a contar histórias.

Ele me ensinou muitas coisas:
Me deu esperança e desejo.
Me disse que a vida não era para ser justa e sim vivida.
Preparou-me, com lições sobre o mundo,
Permitiu a distinção entre o bem e o mal... 

E vovô foi quem sempre escutou todos os meus sonhos.

Aquele que, na minha infância, por ter tempo e paciência,

falava realmente comigo.

E nos falávamos sempre em um dia sim e em outro também,

mesmo que o ânimo não lhe fosse favorável... 

Vovô falava e eu aprendia. Eu falava e ele me ouvia...

Assim, nunca ficamos sem palavras ou histórias para contar um para o outro...

Em verdade, sem ele, não sei quem ou o que EU seria!

Mas de uma coisa eu tenho certeza:

Eu não seria EU! 

Pois meu avô sempre foi meu melhor amigo,

meu guia, meu herói, meu orgulho.

E sabia que nada neste mundo, nem mesmo a vida ou a morte, poderia nos separar.

Seus conselhos permanecem irretocáveis,

e me permitem saber sobre as coisas certas, sejam elas a fazer ou a dizer! 

Vovô fez o melhor e foi o melhor que poderia ser.
Seu legado será eterno em minha vida.
Ele foi um modelo.
O meu modelo!... 

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* Miguel M. Abrahão (São Paulo, 25 de janeiro de 1961) é escritor, dramaturgo e professor de História em colégios particulares e cursos pré-vestibulares do Rio de Janeiro. Possui em seu currículo extensa obra publicada por diversas editoras, facilmente encontrada em sebos ou livrarias, abordando diversos gêneros: romances, infanto-juvenis, teatro e obras científicas na área de História. Muitas de suas peças já foram levadas aos palcos e continuam a ser encenadas por companhias teatrais de todo o país.

Agora nunca é tarde

 Pedro Barroso

Foto: Diário de Notícias 

Cada um de nós nasce com um artista lá dentro:
Um poeta, um escultor, um aventureiro,
Um cientista, um pintor, um arqueólogo,
Um estilista, um astronauta, um cantor,
Um marinheiro.
 

E o sonho e a distância, e o tempo, e a saudade
Deram-nos vida, amor, problemas, mentiras e verdade.
E damos por nós mesmos descobrindo que agora,
Agora, se calhar, já é um pouco tarde.
 

E nas memórias velhas e secretas da menina,
Mora sempre aquele sonho de ser:
Bailarina, atriz, modelo, princesa, muito rica, eu sei lá,
Mas os anos correram num assombro,
E a vida foi injusta em qualquer jeito,
Para a chama indelével que ainda arde.
E os filhos, os filhos são bonitos no seu peito,
Mas agora é que, pra certas coisas,
Agora, já é tarde.
 

E nos papéis antigos que rasgamos
Há sempre meia dúzia que ainda guardamos,
São os planos da conquista do Polo Norte,
Que fizemos um dia com sete anos, numa tarde,
E que estiveram perdidos tantos anos,
E agora, se calhar, maldita sorte!

Não é que por desnorte, acaso ou esquecimento,
Alguém já descobriu o Pólo Norte,
E agora pronto, e agora pronto, agora já é tarde.
 

Há sempre, sempre, nas gavetas, escritores secretos,
Cientistas e doutores,
Desenhos e projetos construtores feitos em meninos
De tudo o que sonhamos fazer quando fosse a nossa vez:
Cientistas em busca de Plutão, arqueólogos no Egito,
Viajantes sempre sem destino,
Futebolistas de sucesso, caramba! No Inter de Milão.
 

Mas o curso da vida foi traidor,
E o curso da vida foi covarde,
E o ciclo do tempo completou-se, e agora pronto,
Agora, agora já é tarde, agora é tarde.

Emprego, casa, filhos muito queridos,
Algum sonhar, um pouco com amigos.
Às vezes, sair, beber uns copos pra esquecer ou pra lembrar,
E fazer ainda, é claro, um certo alarde.
Talvez para esconder ou para abafar,
Como é já tão demasiado e impiedosamente tarde.
 

Ah! mas não, não, não pode ser assim,
Nunca é tarde para renovar, nunca é tarde pra se sonhar,
Nunca é tarde.
 

Amanhã, partimos todos para Istambul,
Vladivostock, Alasca, Oslo, Dakar.
Vamos à selva, eu vou a Timor abraçar aquela gente,
E às montras de Amsterdã,
Que eu, afinal, também não sou diferente.
E chegando a Tóquio, companheiros,
Chegando a Tóquio, são horas de jantar, hein.
É que ainda temos que voltar por Bombaim,
Passando por Macau e Calcutá,
Que eu encontro Portugal em todo o lado.
E mesmo fugindo, nunca saio de mim.

E se esse marinheiro, galã, aventureiro, esse já não há,
Pois que nos cumpramos ao menos agora até o fim,
No que fazemos, na diferença do que formos e dissermos,
E perguntando, criando rebeldias,
Conferindo aquilo que acreditamos,
E o que ainda formos capazes de sonhar.

E se aquilo que nos dão todos os dias
Não for coisa que se cheire ou nos deslumbre,
Que pelo menos nunca abdiquemos de pensar:
Com direito à ironia, ao sonho, ao ser diferente,

E será talvez uma forma inteligente de, afinal, nunca!
Nunca ser tarde demais para viver!
Nunca ser tarde demais para perceber!
Nunca ser tarde demais para exigir!
E nunca ser tarde demais para acordar!
 

P.S. Escute, na internet, esse belo poema declamado pelo autor: Pedro Barroso.* 

*1950 – 2020.

Saiba dizer não

 Dicas às mulheres (e homens) para dizer “Não”

A lição mais importante a aprender é saber avaliar quando você quer dizer “não” em vez de “sim”. Em algumas situações, você quer atender ao pedido, mas não tem tempo; em outras, quer ajudar, mas não sabe como... No entanto, muitas vezes você quer se livrar daquilo e acaba concordando, dizendo “sim” em vez de “não”. Os lembretes a seguir vão ajudar você a avaliar sua postura e podem ser úteis para livrá-la de muitas dores de cabeça. 

► Muitas vezes começamos a dizer “não” sem força interna e ele acaba virando um “sim” − que nos leva a um profundo vazio, tristeza e culpa. Quando for usar seu “não", esteja bem consciente do que você quer, está vivendo ou fazendo. 

► Seja firme e educada, porém não fique na defensiva. Essa postura vai transmitir um sinal de que você gostaria de atender ao pedido, mas que não mudará de ideia, muito menos se for pressionada. Ficar na defensiva refletirá insegurança, e, provavelmente, continuarão a insistir com você. 

► Quando decidir dedicar um tempo para pensar no assunto, dizendo que vai responder mais tarde, seja bem direta e não prometa nada. Se levar a pessoa a pensar que receberá um “sim” mais tarde, o desapontamento será enorme se vier um “não”. 

► Lembre-se de que a sua felicidade é mais importante e que nunca você conseguirá agradar a todo mundo. 

► Você não vai deixar de ser a pessoa bacana que é só porque disse “não”. Tranquilize-se! 

► Se alguém pedir uma explicação para sua recusa, lembre-se de que você não deve explicações a ninguém sobre esse tipo de questão. É perfeitamente aceitável uma recusa educada do tipo “Desculpe, mas estou muito ocupada” ou “Hoje não posso...”. 

► Aprenda a ouvir. Quanto mais ouvir o que s pessoas têm a lhe dizer, mais segura você se sentirá de dizer “não”. Se você não deixar seu interlocutor falar, poderá ficar numa situação fragilizada, mostrando impaciência e desinteresse, e, assim, abrirá espaço para que a pessoa volte a insistir no assunto. 

► Se você tem de dizer “não” para uma pessoa, demonstre e expresse que a valoriza. Isso é importante. Faz bem para todos os envolvidos. 

► Evite trocar o “não” pelo silêncio. Algumas pessoas entram num silêncio absoluto porque não querem dizer “não” ou entrar em conflito. Essa não é uma forma saudável de lidar com seus limites e possibilidades. 

► Reuniões de família, um encontro, um favor... Seja o que for, a escolha sempre sua.

Frases elegantes e educadas 

A seguir, um resumo de frases que podem servir para diversas situações, bastando adaptá-las conforme a circunstancia: 

● Agora não é possível, mais tarde pode ser. 

● Não sou a pessoa mais indicada para esse trabalho. 

● Não tenho tempo na minha agenda hoje. 

● Não posso, mas indicarei alguém que pode. 

● Tenho outro compromisso. 

● Estou no meio de diversos projetos e não consigo arranjar tempo. 

● Surgiram muitas coisas novas de repente e preciso organizá-las. 

● Prefiro recusar a fazer um trabalho medíocre. 

● Não posso, mas ficaria feliz em ajudar de outra forma. 

● Já aprendi que esse não é o meu forte. 

● Não tenho nenhuma experiência nisso, portanto não posso ajudá-la. 

● Não me sinto à vontade com esse trabalho. 

● O mais simples e direto de todos, quando realmente não tiver mais jeito: “Não, obrigada”. 

Do livro: “52 boas maneiras para dizer não”

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