Mestre do show business e ídolo popular,
fez shows até
o fim da sua vida.
Cauby Peixoto – foto
de 2015
O
cantor de Cauby Peixoto era ouvido pelos corredores do hospital onde estava
internado em março de 2015 ‒ para exames de rotina, segundo Nancy Lara, fã que
se tornou sua fiel empresária. Assim, cantando por prazer, o artista teve a
ideia de seu último disco, “A bossa de Cauby Peixoto” (“Vamos gravar bossa
nova!”, disse, numa visita do produtor Thiago Marques Luiz).
‒
Continuo com a voz que Deus me deu, não desafino, estou gravando. Eu acredito
na força da natureza e que nasci para levar a vida cantando ‒ afirmou, à época.
O
episódio ilustra a relação apaixonada de Cauby com a música. Relação que
começou em 10 de fevereiro de 1931, quando nasceu, em Niterói, numa família de
instrumentistas. Seu pai era o violonista Cadete, seu tio era o pianista Nonô.
Seu primo (o cantor Ciro Monteiro) e seus irmãos (o pianista Moacyr Peixoto, o
trompetista Arakén Peixoto e a cantora Andyara) também construíram carreira na
área.
No
colégio de padres salesianos, Cauby cantou no coro. Mas apenas na virada dos
anos 1940 para os 1950 ele começaria a tentar a sorte como calouro no rádio e
como crooner em boates do Rio. Em 1951, gravou pela primeira vez. No ano
seguinte, foi para São Paulo, onde conheceu Di Veras, empresário que
impulsionaria sua carreira.
‒
Meu empresário, Di Veras, inventou mentiras: que minha voz tinha seguro de três
milhões, que eu era o recordista de cartas, de fotos. E eu ajudava: fazia o
tipo modelo, gostosão ‒ contou.
As
cenas das roupas rasgadas pelas fãs também faziam parte do planejamento de Di
Veras, que preparava paletós com costuras fracas, fáceis de serem rompidas.
Falsos “noivados” também foram criados para fortalecer sua imagem de galã
viril. Mas as estratégias de Di Veras não teriam tido o mesmo efeito se Cauby
não fosse Cauby ‒ o artista que se definiu em 2001 como “o resultado fantástico
da carreira sólida conciliada com a fama”. A frase sintetiza o cantor. Estão
ali a vaidade, a certeza da condição de estrela, a afirmação do talento
indubitável e o conhecimento do show business. Poucos na música brasileira
souberam como Cauby ‒ e nenhum antes dele ‒ ocupar o lugar de ídolo popular.
A
trilha de sucesso começaria com “Blue gardênia”, seu primeiro sucesso, em 1954.
Em 1956, ano de “Conceição”, já era o cantor mais popular do Brasil. Na época,
Cauby chegou a tentar uma carreira nos Estados Unidos, onde se lançou como Ron
Coby.
Seguiu
firme na década de 1960, apesar da chegada da bossa nova e da geração dos
festivais. Mas, nos anos 1970, foi perdendo força na mídia, embora continuasse
gravando (inclusive repertório de compositores jovens, o que de alguma forma
sempre fez ao longo da carreira). Foi nessa década também que começaram a
surgir referências na imprensa a seus problemas de audição, que o acompanharam
até o fim da vida, sem impedi-lo de cantar.
A
volta de Cauby viria apenas em 1980, impulsionada por “Bastidores” (de Chico
Buarque). O disco tinha ainda “Cauby! Cauby!”, faixa-título de Caetano Veloso,
“Dona Culpa”, de Jorge Ben, “Oficina”, de Tom Jobim, e “Brigas de amor”, de
Roberto e Erasmo Carlos.
A
partir dos anos 1980, com maior ou menor frequência na mídia e nos estúdios,
seguiu sendo reverenciado. Ganhou prêmios, uma biografia (“Bastidores”, de
Rodrigo Faour), um musical (“Cauby”, no qual foi vivido por Diogo Vilela) e um
documentário (“Cauby ‒ Começaria tudo outra vez”, de Nelson Hoineff). No ano
passado, o artista iniciou a turnê “120 anos de música”, ao lado de Ângela
Maria, que passou pelo Teatro Municipal.
No
filme de Hoineff, de 2015, o cantor falou sobre sua sexualidade, assunto que
sempre evitava (“Eu era um garoto quando ia para os morros transar com os
veados. Depois, eu comecei a ter namoradas”).
O
cantor morreu em 15 de maio de 2016, aos 85 anos, vítima de uma pneumonia*. Ele
estava internado no Hospital Sancta Maggiore, em São Paulo.
Cauby
foi enterrado no cemitério de Congonhas. Antes, seu corpo foi velado ao longo
do dia na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Amigos como Ângela
Maria estiveram presentes:
‒
Eu não esperava que ele fosse tão cedo. Perdi não só um amigo, mas um irmão. A
música que eu mais gostava de cantar com ele era “Ave Maria do Morro” ‒ disse
Ângela.
Matéria publicada no caderno Cultura de O Globo, em
28.04.2021
*
Há vacinas contra pneumonia, que é recomendada principalmente para idosos com
baixa imunidade.