Escrito por Bruno
Hoffmann
Seja para escapar de perseguição
política, se arriscar em estilos considerados menores ou só por brincadeira,
ilustres brasileiros trataram de esconder a identidade real na hora de assinar
suas obras.
Você sabe quem é Urbano, Boas Noites,
Victor Leal e Inimigo dos Marotos? Certamente sabe, só não está ligando o nome
à pessoa. É sob esses pseudônimos que personalidades como Di Cavalcanti,
Machado de Assis, Olavo Bilac e dom Pedro 1º assinaram algumas de suas obras e
escritos. E não foram só eles que se valeram do artifício. No Dicionário
Literário Brasileiro, de Raimundo de Menezes, há registro de quase dois mil
pseudônimos de escritores brasileiros.
Mas o que leva personalidades a sacrificarem
seus nomes no momento de assinar o que fazem? Os motivos são diversos. Alguns
viviam em momentos políticos tensos, e essa era a maneira de falarem o que
desejavam, preservando a própria pele. Outros, para se aventurar em estilos
artísticos considerados menores, ou fora do moral vigente, sem manchar o
próprio nome. Havia ainda quem trocasse de nome por pura galhofa. É o caso de
Aparício Torelly, que se tornou Barão de Itararé para conceder a si mesmo “uma
carta de nobreza”.
Apesar das tentativas de se esconder
sob nomes insuspeitos, não teve jeito. O Almanaque despiu a fantasia de grandes
brasileiros que, anonimamente, criaram polêmicas, provocaram poderosos,
maltrataram adversários e até receberam propostas de casamento. Histórias inusitadas
e saborosas não faltam. Afinal, quando a identidade é preservada, a liberdade é
total.
Presidiário pediu
Nelson Rodrigues em casamento
Histórias amorosas e apimentadas de
uma desconhecida Suzana Flag começaram a fazer sucesso nas páginas de O Jornal
no fim da década de 1940. O folhetim diário Meu Destino É Pecar tornou-se o
principal entretenimento das mulheres casadas, que destacavam o caderno do
jornal comprado pelos maridos. Certa vez, um erro da gráfica fez com que o
periódico não trouxesse a continuação da história do dia anterior. Duzentas
senhoras invadiram a redação para tirar satisfação com o editor, exigindo saber
logo como findaria a trama.
Mas não eram só as madames que tinham
admiração por Suzana Flag. Era comum a cronista receber cartas de admiradores,
algumas até com pedidos de casamento – certa vez, um presidiário apaixonado
teria sugerido levar a moça ao altar. O público só começou a desconfiar da
identidade da escritora quando a página de Suzana – nesta altura, já no Última
Hora – acabou para dar lugar a outra coluna muito parecida: A Vida Como Ela É.
Sim, para decepção dos apaixonados, Suzana Flag era Nelson Rodrigues.
O compositor erudito Guerra-Peixe
também gostava de se aventurar pela canção popular. Mas anonimamente. O músico
gravou discos como Jean Kelson e compôs sambas e boleros como Célio Rocha e Bob
Morl.
Machado de Assis, ou
Malvolio, ou Victor de Paula, ou Lélio...
Durante a vida, Machado de
Assis escreveu muitos contos e artigos para a imprensa. Boa parte deles
valendo-se de pseudônimos – desde o óbvio M.A. até o inusitado João das Regras.
Sob esses nomes, o escritor criticou a imprensa, analisou costumes e defendeu o
fim da escravidão. Conheça alguns dos muitos personagens por trás do Bruxo do
Cosme Velho.
Para a revista O Espelho, em 1859, M.-AS. divulgou um
evento que aconteceria, e citou a si mesmo, dizendo que haveria “poesia do sr.
Machado de Assis, meu íntimo amigo, meu alter ego, a quem tenho muito afeto”.
Segundo o escritor Max
Fleiuss, foi na Semana Ilustrada que Machado de Assis conquistou maior
habilidade para fazer crônicas. Mas não queria saber de usar o próprio nome.
Assinava Dr. Semana.
Como Victor de Paula, Machado
publicou contos no Jornal da Família. Anos depois, confessou, ao lançar o texto
em outro jornal: “Este escrito teve um primeiro texto, que reformei totalmente
mais tarde, não aproveitando mais do que a ideia. O primeiro foi dado com um
pseudônimo e passou despercebido”.
Para a seção Bons Dias, da
Gazeta de Notícias, Machado criticava os fazendeiros favoráveis à permanência
da escravidão. Mas era Boas Noites quem assinava os textos. Outros pseudônimos
do Bruxo do Cosme Velho: Job, Platão, Lara, Manassés, Eleazar, Lélio, Malvolio.
Autor de sacanagem
era respeitável funcionário público
Uma publicação apimentada embalou a
imaginação dos jovens durante os anos 1950 e 1960. Eram revistas clandestinas
com desenhos e textos de alto teor erótico. Quem assinava era um tal de Zéfiro.
O autor tinha boa razão para esconder o nome real: Alcides de Aguiar Caminha
era funcionário público. Sua identidade só foi revelada em 1990, numa histórica
entrevista para a Playboy. A capa do disco Barulhinho Bom, de Marisa Monte, traz
ilustrações de Alcides, ou Zéfiro.
Di Cavalcanti começou a carreira a
inda adolescente, em 1914, como cartunista. Mas foi como ilustrador da revista
Guanabara, em 1920, que começou a chamar a atenção. Porém, ninguém sabia de
quem se tratava. Di assinava como Urbano, principalmente quando os temas de seu
s traços eram políticos.
O Partido Comunista não gostava nada
das atividades literárias de Pagu. Para driblar o partidão, a escritora passou
a assinar seus contos como King Shelter.
Quando Alceu Amoroso Lima foi
convidado para ser crítico literário em O Jornal, em 1919, decidiu mudar o nome para
Tristão de Ataíde. À época, ele havia herdado do pai a fábrica de tecidos
Cometa, e queria distinguir a atividade empresarial da literária.
Para ser músico,
Braguinha virou passarinho arquiteto
O pai fazia questão que o rapaz
cursasse Arquitetura. Disso não abria mão. Mas o que Braguinha queria mesmo era
saber de música. Logo, o futuro autor de algumas das marchinhas mais
emocionantes que conhecemos se tornaria integrante do Bando de Tangarás, ao
lado de Noel Rosa e Almirante. E para fugir da marcação paterna, adotou um
pseudônimo: João de Barro. Ironicamente, o pássaro arquiteto.
Articulista
misterioso bombardeava inimigos de Pedro 1º
O reinado de dom Pedro 1º foi marcado
por atribulações políticas entre o governo e opositores. Os inimigos do
imperador às vezes recebiam respostas via imprensa – muitas vezes recaindo para
a baixaria. Principalmente quando eram assinadas por Duente, Aristarco ou
Inimigo dos Marotos. O autor por trás desses nomes era o próprio imperador. Num
artigo para o jornal O Espelho, dom Pedro (ou, melhor, Aristarco) disparou
contra um desafeto: “Ninguém é mais estrondoso em arrotar, mais forte em
espumar e mais pequeno em argumentar”.
Maneco criou Jacinto
para manter fama de macho
O jornalista Maneco Muller é
considerado o precursor da moderna coluna social brasileira. Quando aceitou o
cargo no jornal Correio da Manhã, porém, pediu ao editor para assinar como
Jacinto de Thormes, personagem de um romance de Eça de Queirós. E justificou:
“É que coluna social é coisa de veado”.
Primeira-dama
caricaturista invertia o nome para se proteger
Ela é tida como a primeira mulher
caricaturista do Brasil, mas há quem defenda que foi a primeira do mundo. Nair
de Teffé não perdoava os poderosos com seus desenhos ácidos e debochados. Por
ser mulher, filha de barão e mais tarde esposa do presidente Hermes da Fonseca,
tinha razões de sobra para preservar seu nome nas caricaturas que publicava em
periódicos como Fon-Fon, O Malho e Revista da Semana. Assinava como Rian – Nair
de trás para frente.
Bilac usou pseudônimo
para lançar literatura barata
Fim do século 19. Um escritor chamado
Victor Leal se tornou popular por seu estilo ultrarromântico ao publicar três
histórias em jornais cariocas. Destaque para O Esqueleto, de 1890. Como ninguém
o conhecia, um ilustrador tratou de desenhá-lo como um sujeito magro, narigudo
e que usava chapéu e monóculo. Na verdade, Victor Leal nunca existiu. Era um
pseudônimo conjunto do jornalista Pardal Mallet, do dramaturgo Coelho Neto e
dos escritores Aluísio Azevedo e Olavo Bilac. Era uma forma de todos
sentirem-se livres para produzir “literatura barata”, de menor qualidade. É de
Bilac – um parnasiano ferrenho – boa parte dos textos melosos de O Esqueleto.
Sérgio Porto criou
não só Stanislaw, mas toda a sua família
Quando o jornalista Sérgio
Porto foi convidado a ocupar o espaço da coluna de Jacinto de Thormes no Diário
Carioca, em 1953, tratou de fazer a mesma exigência do antecessor: ter um
pseudônimo. A intenção era ter liberdade total para escrever o que lhe desse na
telha. E assim nasceu Stanislaw Ponte Preta, além de sua família, que incluía
tia Zulmira – ermitã que costurava casaquinhos para órfãos de uma colônia de
nudismo –, e Rosamundo das Mercês, o distraído, que um dia foi entregar roupas
no casarão da família e esqueceu de voltar para casa. Mais tarde, Porto
escondeu-se sob o personagem para publicar ácidas críticas à ditadura militar
na seção Febeapá – Festival de Besteiras que Assola o País.
“O Chico Buarque está
faturando no meu nome”
Em meados da década de 1970, as
músicas de Chico Buarque dificilmente passavam pelo crivo da censura. O
compositor então assumiu o pseudônimo Julinho da Adelaide para assinar Acorda
Amor, retrato claro da perseguição política na época: Sonhei que tinha gente lá
fora / Batendo no portão, que aflição / Era a dura, numa muito escura viatura...
Julinho ainda comporia Jorge Maravilha e Milagre Brasileiro.
Mais tarde, Chico tratou de dar molho
especial ao personagem. Numa entrevista a Mário Prata para o jornal Última
Hora, “Julinho” disse não querer ser fotografado por ter cicatriz na testa,
surgida após ser atingido pelo violão de Sérgio Ricardo durante o festival de
música de 1967. E até falou mal de Chico: “O Chico Buarque está faturando no
meu nome”.
Batalha que não
aconteceu fez nascer o Barão de Itararé
Barão de Itararé é o pioneiro no
jornalismo político com humor no Brasil. O pseudônimo pomposo de Aparício
Torelly surgiu em 1930. As tropas de Getúlio Vargas ameaçavam sair do Rio
Grande do Sul para tomar o poder. Os homens fiéis ao presidente Washington Luís
prometiam resistir. E a imprensa anunciou que poderia haver “a batalha mais
sangrenta da América do Sul” na cidade de Itararé, entre São Paulo e Paraná.
Mas logo os envolvidos trataram de fazer acordos. As trocas de favores
políticos evitaram a batalha. Aparício Torelly ironizou a situação, dizendo que
não tinha sobrado nada para ele. “Eu fiquei chupando o dedo. Foi então que
resolvi conceder a mim mesmo uma carta de nobreza. Então passei a Barão de
Itararé, em homenagem à batalha que não houve.”
Em Almanaque Brasil
da TAM