quinta-feira, 31 de março de 2022

Delay de 40 anos

 Fabrício Carpinejar

Fabrício Carpinejar – capa da revista da Livraria Saraiva 

É engraçado revisar o passado. 

Todas as reprimendas e castigos dos pais na minha infância viraram meus objetivos de vida. 

“Fique trancado no quarto!” 

É o que hoje mais desejo – ficar lendo, ouvindo música, assistindo a séries. Jogo a chave fora. 

“Não converse de boca cheia.” 

Quando almoço ou janto, eu me delicio com o silêncio dos sabores. Meus olhos crescem com a paz. 

“Não esqueça o casaquinho!” 

Nenhuma brisa me pega desprevenido. Nenhum ar-condicionado de cinema pode me fazer de refém. Sempre estou com um casaquinho – deixo até um deles no carro para facilitar o uso. 

“Não fale com estranhos!” 

Já está difícil falar com os amigos. Com quem não conheço, mais ainda. Sou educado com todos, íntimo com poucos. 

“Não me interessa o que é que os seus amigos podem ou não podem fazer.” 

Era uma prevenção à inveja. Para não ficar controlando a minha alegria pelo desempenho alheio. Comemoro o sucesso dos outros não sofrendo mais pelo que não aconteceu comigo. Cada um tem a sua régua. O que é bom para mim pode ser ruim para um amigo, e vice-versa. 

“Avise quando chegar.” 

Minha esposa e meus filhos já sabem: mando uma mensagem quando embarco e outra quando estou de volta. Espalho pela família o GPS dos meus passos. 

“Em casa, falamos!” 

Não discuto mais na rua. Se eu tenho alguma dúvida ou aborrecimento, espero chegar em casa para tratar do assunto reservadamente. Sermão em público é constrangimento. O que costuma ocorrer é esfriar a cabeça durante o caminho e perceber que o sofrimento era ansiedade. 

“Não faz mais do que a sua obrigação!” 

Antes, eu fazia propaganda de qualquer tarefa doméstica, como se fosse um favor a quem morava comigo. Agora, cozinho, lavo roupa, estendo, passo, cuido da faxina sem depender de nenhum elogio. 

Não me interessa quem começou, eu disse para parar!” 

Sempre estamos procurando incriminar quem iniciou a discussão, e não prestamos atenção se a crítica tem fundamento. É uma disputa do orgulho de que não brinco mais. O que importa é ser maduro o suficiente para terminar o atrito. 

“Não fique tão perto da televisão, vai estragar os olhos.” 

Mantenho idêntica regra para o celular. Porque eu tenho consciência de que, se precisar de óculos, ficarei muito parecido com Woody Allen. 

“Pensa que dinheiro cresce em árvore?” 

Por precaução, trabalho também aos sábados e domingos. E podo as árvores quando necessário: economizo. No fim do mês, dedico pequena parte do salário a minha reserva florestal. 

Acho que meus pais eram profetas, ou falavam mais deles do que de mim naquela época. Talvez buscassem secretamente realizar tudo o que diziam para mim. Era um autoconvencimento que me usava como espelho. Hoje, com delay de 40 anos, tenho capacidade de perceber que os conselhos não representavam ameaças. 

Como aprendi isso? Um passarinho me contou. 

Ou, como eles mesmos me alertavam: só vai entender quando for pai. Eu me tornei pai de mim mesmo. Pássaro de mim mesmo. 

(Do jornal Zero Hora, março de 2022)

Onde pôr a virgula?

Professor Francisco Paulo

O emprego da vírgula está relacionado com a estrutura sintática da oração. Talvez por isso o uso seja difícil para quem não sabe análise sintática. 

A vírgula serve para assinalar as pausas e inflexões da voz (fluência fonética), para esclarecer o sentido de uma frase (evitar ambiguidades do pensamento do leitor) e para separar palavras ou expressões e orações que o escritor quer destacar (ênfase). 

Orações grafadas em ordem direta dos termos − sujeito-predicado-complemento (SPC)* – facilita o uso da vírgula, pois tal sequência inibe ambiguidades de sentido. 

Diversos autores contam histórias para mostrar como o emprego incorreto da vírgula, às vezes, muda completamente o sentido de uma oração. 

Para não fugir à regra, relato um caso interessante que se passou com o amigo e mestre José Raimundo, ilustre professor da UDF, que cumulava a função de titular de certa disciplina com a de coordenador de estágios. 

Certa vez um aluno recorreu do resultado de uma avaliação que lhe parecia injusta, pois o professor não considerara uma resposta escrita no verso da prova. 

O professor analisou o recurso com a acuidade e o senso de justiça que lhe eram peculiares, concluindo que assistia razão ao aluno. 

O ilustre mestre, assoberbado pelas tarefas de leitura de monografias, recorrera a seu filho para digitar o texto. Assim, enquanto o nobre José Raimundo ditava seus considerandos e parecer final, o petiz escrevia o que entendia. 

O menino, de apenas onze anos, fora bem na digitação, exceto no despacho final, pois grafara: 

“Corrigir impossível, reprovar o aluno”. 

Meticuloso que era, o professor revisou o texto e pediu ao filho que corrigisse o veredito, que era: 

“Corrigir, impossível reprovar o aluno”. 

E assim fez a revisão. O aluno foi aprovado. 

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*SPC: (Serviço de Proteção ao Crédito) macete para que os alunos decorem a sequência lógica de uma oração em ordem direta = Sujeito − Predicado − Complemento.

Sinais de Pontuação

 Conto

Pontos de Vista

Os sinais de pontuação estavam quietos dentro do livro de Português quando estourou a discussão. 

− Esta história já começou com um erro − disse a Vírgula. 

− Ora, por quê? − perguntou o Ponto de Interrogação. 

− Deveriam me colocar antes da palavra “quando” − respondeu a Vírgula. 

− Concordo! − disse o Ponto de Exclamação. − O certo seria: 

“Os sinais de pontuação estavam quietos dentro do livro de Português, quando estourou a discussão”. 

− Viram como eu sou importante? − disse a Vírgula. 

− E eu também − comentou o Travessão. − Eu logo apareci para o leitor saber que você estava falando. 

− E nós? − protestaram as Aspas. − Somos tão importantes quanto vocês. Tanto que, para chamar a atenção, já nos puseram duas vezes neste diálogo. 

− O mesmo digo eu − comentou o Dois-Pontos. − Apareço sempre antes das Aspas e do Travessão. 

− Estamos todos a serviço da boa escrita! − disse o Ponto de Exclamação. − Nossa missão é dar clareza aos textos. Se não nos colocarem corretamente, vira uma confusão como agora! 

− Às vezes podemos alterar todo o sentido de uma frase − disseram as Reticências. − Ou dar margem para outras interpretações... 

− É verdade − disse o Ponto. − Uma pontuação errada muda tudo. 

− Se eu aparecer depois da frase “a guerra começou” − disse o Ponto de Interrogação — é apenas uma pergunta, certo? 

− Mas se eu aparecer no seu lugar − disse o Ponto de Exclamação − é uma certeza: “A guerra começou!” 

− Olha nós aí de novo − disseram as Aspas. 

− Pois eu estou presente desde o comecinho − disse o Travessão. 

− Tem hora em que, para evitar conflitos, não basta um Ponto, nem uma Vírgula, é preciso os dois − disse o Ponto e Vírgula. − E aí entro eu. 

− O melhor mesmo é nos chamarem para trazer paz − disse a Vírgula.

− Então, que nos usem direito! − disse o Ponto Final. E pôs fim à discussão. 

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Conto de João Anzanello Carrascoza, ilustrado por Will. Revista Nova Escola − Edição Nº 165. 

(Do Blog Só Português)

quarta-feira, 30 de março de 2022

Pontuar de acordo com o sentido que se pede:

 

Cris por favor ajude-me a convidar nossos amigos para a festa de meu aniversário cuidado entregar convites para a Júlia e Dani de jeito nenhum quero ver o Lucas na minha festa 

a) Pontuar de forma que o convite seja para a Júlia e para o Lucas: 

Cris, por favor ajude-me a convidar nossos amigos para a festa de meu aniversário. Cuidado: entregar convites para a Júlia, e Dani de jeito nenhum. Quero ver o Lucas na minha festa. 

b) Pontuar de forma que o convite seja para a Júlia e para a Dani: 

Cris, por favor ajude-me a convidar nossos amigos para a festa de meu aniversário. Cuidado: entregar convites para a Júlia e Dani. De jeito nenhum quero ver o Lucas na minha festa. 

c) Pontuar de forma que o convite seja apenas para o Lucas: 

Cris, por favor ajude-me a convidar nossos amigos para a festa de meu aniversário. Cuidado: entregar convites para a Júlia e Dani, de jeito nenhum. Quero ver o Lucas na minha festa. 

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Edgar costuma escrever bilhetes para a sua família. Hoje de manhã, escreveu dando pistas sobre o seu presente de aniversário. Por estar atrasado, não teve tempo de pontuar o bilhete: a kombi escolar já estava buzinando. Assim ficou o bilhete: 

“O que eu quero é uma bicicleta não um videogame de jeito nenhum gostaria de uma bola oficial” 

a) Pontuar de forma que Edgar possa ganhar uma bicicleta: 

O que eu quero é uma bicicleta, não um videogame. De jeito nenhum gostaria de uma bola oficial. 

b) Pontuar de forma que Edgar possa ganhar um videogame: 

O que eu quero é uma bicicleta? Não! Um videogame. De jeito nenhum gostaria de uma bola oficial. 

c) Pontuar de forma que Edgar possa ganhar uma bola oficial: 

O que eu quero é uma bicicleta? Não! Um videogame? De jeito nenhum! Gostaria de uma bola oficial.

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Referência: FALCETTA, Antônio Paim et al. Cem aulas sem tédio – Língua Portuguesa: sugestões práticas, dinâmicas e divertidas para o professor. Santa Cruz: Editora IPR, 2008.

terça-feira, 29 de março de 2022

Elifas Andreato

 Artista gráfico por trás de emblemáticas capas de discos

O artista gráfico Elifas Andreato Foto: Reprodução / Arquivo pessoal

Elifas Andreato revolucionou o conceito de capa de discos no Brasil. O artista, que nasceu em Rolândia, no interior do Paraná, em 1946, criou mais de 460 capas para grandes nomes da MPB, como Caetano Veloso, Noel Rosa, Tim Maia, Adoniran Barbosa, Carmen Miranda, Pixinguinha, Elis Regina, Chico Buarque, Paulinho da Viola, entre outros. 

“Meu irmão mais velho, desde pequenino, rabiscava seus sonhos e ia mudando nosso destino. Tudo o que ele tocava com as suas mãos virava coisa colorida, até a dor que ele sentia era motivo de tinta que sorria” afirma o ator Elias Andreato, em texto publicado nas redes sociais.

A primeira capa de disco foi para Paulinho da Viola, em 1971. Um ano antes, ele já havia deixado sua marca na coleção História da Música Popular Brasileira, da Editora Abril. Mas foi em 1973 com “Nervos de aço”, também de Paulinho da Viola, que Andreato revolucionou para sempre a forma de criar capas e encartes de discos. 

− Traduzi visualmente o conteúdo e tive a coragem de fazer o que tinha que ser feito. Aquele espaço, da capa do disco, me pertence. Tenho direito sobre ela e posso pensar e manifestar a minha opinião ali. Claro que a capa nunca será maior que a obra − ressaltou Elifas, em entrevista ao GLOBO, em 2007. 

Antes de se consagrar como capista, Elifas vivia com a família num cortiço e fazia pequenas esculturas com sucatas que encontrava no lixo. Na adolescência, trabalhou como operário numa fábrica de fósforos, em São Paulo. Nesse período, começou a produzir caricaturas e a pintar murais, algo que fazia como hobby, até conseguir um emprego, como estagiário, numa agência de publicidade.

Foi Elifas quem criou a marcante capa de “Ópera do Malandro”, de Chico Buarque, lançado em 1979. O profissional de vendas da gravadora reclamou ao ver o disco. Disse que não ia vender, pois o nome do compositor e cantor estava pequeno e não havia foto dele na capa. Chico respondeu sem titubear: “Quem vende disco é você. Eu sei fazer discos. O Elifas sabe fazer capas”. 

− Não há nada na música brasileira que me estimule hoje. A não ser artistas de altíssima qualidade. Fora isto, tem sempre a história de ter retrato na capa − contou Elifas, em entrevista ao GLOBO. − A caixinha do CD é uma camisa-de-força. A música brasileira também mudou muito. Há vigilância pesada das gravadoras para redução de custos e sempre eles querem uma foto. Não sou fotógrafo e nunca troquei meu trabalho por dinheiro. 

Morreu, na manhã desta terça-feira, 29 de março de 2022, aos 76 anos, o artista gráfico Elifas Andreato. A informação foi divulgada pelo seu irmão, o ator Elias Andreato, por meio do Instagram. “Meu irmão amado, obrigado por sua arte”, escreveu. O ilustrador estava internado, desde a última semana, devido a um enfarte. 

(Do jornal O Globo, 29 de março de 2022)

O bilhete do amor

 Elias José

Logo que colocou os objetos embaixo da carteira, Pitu encontrou o bilhete. Leu, ficou vermelho, colocou no bolso, não mostrou pra ninguém. De vez em quando, mordia-lhe uma curiosidade grande, uma vontade de reler para ter certeza. Era uma revelação que ele não estava esperando. Não podia dizer que estivesse achando ruim, pelo contrário... Ele estava com vontade de olhar para trás, para as últimas carteiras e procurar por uma resposta com o olhar. Era um tímido e não se encorajava. A professora explicava num mapa as regiões do Brasil e ele viajava num rumo diferente. Ainda bem que ela não estava olhando pra ele, nem fazendo perguntas, só estava expondo a matéria. Na hora da verificação, acabaria saindo-se mal. Não gostava de ignorar as coisas perguntadas. Só não se saía muito bem quando se tratava de fazer contas de números fracionários.

A professora mesma dizia-lhe que, em Português e matéria de leitura e entendimento, ele se saía bem; mas nos cálculos tinha dificuldades. Agora estava distante, pensava em poesias românticas, em música sentimental. Estava meio perdido nos pensamentos confusos. O bilhete queimando no bolso. Uma vontade de relê-lo, palavra por palavra. Interessante, não era um bilhete bem escrito, tinha até erro de Português − por que a curiosidade? Só ele sabia dele, não foi como no dia do correio elegante, pai, mãe e seu Francisco do armazém querendo saber, dando palpites. Agora, tinha um bilhete e era diferente. Tinha um bilhete que trazia uma declaração de amor e uma assinatura. Trazia mais: trazia um convite para um bate-papo na praça, às duas horas, se ele quisesse namorar de verdade. Marina era bonitinha, ele queria. Falta-lhe jeito de dizer, tinha que escrever um bilhete respondendo, era mais fácil. No intervalo, escreveu o bilhete, fechado no banheiro. 

Quando ela chegou, a resposta a esperava na carteira. Quase no fim da aula, ele criou força e olhou para trás. Marina sorria, confirmando. Ele sorria também. Diversas vezes, ele olhou pra trás e a encontrou olhando. Trocaram sorrisos e olhares. Os dois estavam vivendo uma ternura primeira e não sabiam escondê-la mais. Tanto assim que a professora pediu que ele virasse pra frente, observasse o que ela estava pedindo para pesquisa do fim de semana. Naquele fim de semana, ele iria pesquisar alguma coisa nova que não tinha experimentado, como alguns outros de sua idade e turma. 

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Elias José. O bilhete do amor. In: Histórias de amor. Coordenação José Paulo Paes. São Paulo: Ática, 1997. págs 109-111. v. 22. (Para Gostar de Ler).

Golpes de estelionatários

 Conheça os 10 golpes mais aplicados por estelionatários 

Laianne Costa*

1. Carro quebrado ou “Bença Tia”: 

Esse é um golpe muito cometido por detentos de presídios do Brasil. O criminoso liga para números aleatórios e quando alguém atende diz “bença tia (o)”. O suspeito se passa por parente da vítima, geralmente sobrinho, e diz que está com o carro quebrado na estrada e que precisa de dinheiro para o guincho ou para pagar o mecânico. A vítima acreditando que o parente está com dificuldades realiza o depósito. Em outra versão do golpe, o estelionatário pode pedir crédito de celular, supostamente para manter contato com a seguradora e com familiares. 

O que leva as pessoas a caírem nesse golpe é a vontade de ajudar o familiar. É necessário que a pessoa, antes de tomar qualquer decisão, se acalme, e cheque as informações. Conferir se o número do telefone de que recebeu a ligação é o mesmo do parente e entrar em contato com os familiares mais próximos da pessoa para saber se realmente a situação tem possibilidade de ser real, são maneiras de evitar cair no golpe. 

2. Envelope Vazio: 

Muito usado na compra de carros, motocicletas, e materiais de construção, mas pode acontecer também com o objetivo de adquirir outros produtos como móveis, aparelhos eletrônicos e eletrodomésticos. O estelionatário realiza a compra dos bens e faz o depósito em um envelope sem o dinheiro. Ao apresentar o comprovante de pagamento, a vítima entrega a mercadoria, descobrindo mais tarde que sofreu um golpe. 

Neste caso, a vítima deve ficar atenta se o valor do comprovante está ou não bloqueado e entregar a mercadoria somente quando o valor tiver liberado. Em caso de dúvidas, entrar em contato com o gerente do banco para saber se o dinheiro entrou na conta ou não. 

3. Gincana de programas de TV: 

Geralmente cometido por detentos de dentro presídios com o objetivo de arrecadar créditos de celular. Neste golpe, o criminoso envia uma mensagem de texto dizendo que a pessoa acabou de ganhar, um carro, uma casa ou algum eletrodoméstico e que para receber o bem, basta seguir as instruções contidas na mensagem. Quando a vítima compra o crédito de celular, o golpista oferece novos prêmios em troca de mais créditos. 

A orientação neste caso é que as pessoas saibam que programas de televisão não realizam gincanas através do telefone nesses moldes. Desconfiar, sempre que receber uma promoção ligada à recarga de celular e depósitos bancários. 

4. Falso sequestro: 

Esse golpe é tratado como extorsão e não estelionato. O autor do golpe liga aleatoriamente para telefones de vítimas e diz que está com o filho/a e exige dinheiro para o resgate. Com ameaças de morte e aproveitando a situação de nervosismo, os golpistas acabam convencendo a vítima de que realmente está com alguém de sua família. 

Na execução deste golpe, diferente do golpe do “carro quebrado”, o estelionatário procura manter o contato com a vítima todo o momento, não deixando que ela desligue o telefone, para que não entre em contato com o filho/a. 

Nessa situação, a vítima deve perguntar por alguma coisa que só o filho ou filha saberia, por exemplo, o nome do animal de estimação ou outro lugar em que tenham morado anteriormente. Antes da confirmação não se deve tentar negociar com os criminosos ou fazer qualquer depósito em dinheiro. 

5. Facilitador de programas de casa habitacionais do governo: 

Este é um dos exemplos em que a vítima também está procurando obter uma vantagem. O golpista pede uma quantia em dinheiro para que a pessoa passe na frente de outras no recebimento de casas de programas habitacionais. Após receber o dinheiro, o estelionatário some sem dar satisfação a vitima. 

Os interessados em adquirir casas de programas do governo devem ter a consciência de que existe uma ordem no sistema que deve ser seguida e qualquer forma de facilitação ou proposta de burlar o sistema, provavelmente é um forte indício de golpe. 

6. Compra e venda de objetos em sites particulares da internet: 

Nesses sites, os usuários podem comprar e vender produtos novos ou usados particularmente, através de uma negociação direta. Os golpes podem ser aplicados tanto pelo vendedor como pelo comprador funcionando da seguinte maneira. 

Golpe do comprador: 

O golpista faz a compra do produto anunciado pela vítima no site e não efetua o pagamento, mas envia um comprovante falso em nome do gerenciador do site, confirmando que o produto foi pago. Entre outros comprovantes falsos, o golpista pode enviar ainda a validade do seu cadastro no site e a indicação de cliente confiável. 

Em seguida, o falso comprador envia um e-mail para vítima, falando que precisa do produto com urgência e que ele deve ser enviado ainda no mesmo dia. 

Alguns fatores podem auxiliar identificar este golpe como o layout dos e-mails enviados, que apesar de parecidos apresenta diferenças, como logamarca do site, cores padrão, tipografia e linguagem utilizada; o destino da mercadoria geralmente é uma cidade pequena, pouco conhecida, urgência na entrega do produto por motivo estranho.

Golpe do vendedor: A vítima compra um produto anunciado no site, efetua o pagamento, mas não recebe o produto ou recebe um produto com características diferentes do que comprou. Exemplo: comprou uma corrente de ouro e recebeu uma bijuteria. 

7. Bilhete premiado: 

Um dos golpes mais antigos aplicados que apresenta duas versões. Para simular um bilhete premiado, o estelionatário pega o número já sorteado da loteria e faz um jogo, conseguindo um comprovante, porém de um sorteio que ainda vai acontecer. 

Na primeira versão do golpe, o criminoso aborda uma pessoa na casa lotérica e diz que está com o bilhete premiado e pede para a vítima, olhar, anotar os números e conferir que realmente são os números sorteados. Em seguida, o golpista pede um valor pelo bilhete premiado, uma vez que não pode retirar o prêmio por ter restrições com a Polícia. A vítima acreditando que vai levar vantagem saca a quantia em dinheiro e entrega ao estelionatário em troca do bilhete falso. 

Na segunda versão, duas ou três pessoas abordam a vítima e pedem para ela segurarem os seus pertences enquanto vão conferir se o bilhete está premiado. Quando a pessoa volta pergunta para vítima se ela não quer conferir também. A vítima é induzida a deixar seus objetos pessoais com os estelionatários, que desaparecem. 

Para não cair nesse golpe, às vítimas devem evitar dar continuidade na conversa quando pessoas estranhas aparecerem falando que estão com um bilhete premiado. 

8. Pecúlio: 

A vítima recebe uma carta de uma vara cível de São Paulo, contendo informações pessoais e com a notícia que tem um valor alto a receber, a título de pecúlio. Para receber o valor, a vítima precisa pagar à custa do processo. A carta impressiona por ser em papel timbrado e apresentar muitos detalhes. A vítima é orientada a entrar em contato através de um número de telefone, pelo qual o estelionatário conduz o golpe. 

Ao receber esse tipo de comunicado, a vítima deve ignorar ou se permanecer em dúvida procurar a entidade de classe que teria entrado com o pedido de indenização ou a antigo órgão que trabalhava para checar a autenticidade das informações. 

9. Pacote de dinheiro: 

Os estelionatários observam a futura vítima sacando elevada quantia em dinheiro em um banco e a seguem. Um deles deixa propositadamente cair uma folha de cheque de alto valor ou um pacote de dinheiro falso, visando chamar a atenção da vítima. Um segundo estelionatário, aproxima e diz que também viu o acontecido e convence a vítima que os dois devem juntos devolver o dinheiro. 

Neste momento, o estelionatário “descuidado” se diz agradecido e oferece uma recompensa à vítima e ao comparsa, dizendo que eles deverão comparecer a um escritório, para receber a dita recompensa. 

O golpista vai receber a suposta recompensa e volta com uma boa quantia em dinheiro, despertando o interesse da vítima. Na sua vez de receber a recompensa, a vítima é orientada a deixar a sua bolsa e seus objetos pessoais, somente percebendo que foi vítima de um golpe quando os estelionatários já desapareceram.

 Mais uma vez, procurar não confiar em pessoas estranhas é a melhor maneira de evitar o golpe. 

10. Vendas de sobras de produtos de programas do governo: 

O estelionatário oferece produtos, geralmente materiais de construção, a preço muito inferior ao de mercado, alegando que são sobras de programas habitacionais do governo. A vítima paga por um pacote de mercadorias que nunca recebe. 

A vítima deve sempre desconfiar de propostas de venda de produtos no valor abaixo do mercado. A venda de materiais do governo deve ser feita de acordo com os princípios da administração pública, e não negociada diretamente com particulares. Em caso de dúvidas, entrar em contato com o órgão que supostamente está fazendo a venda, para confirmar as informações. 

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*Advogada Criminalista. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Amapá. Pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), bem como em Prática Avançada na Advocacia Criminal pela Escola Superior de Advocacia do Estado do Amapá (ESAAP). Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e do International Center for Criminal Studies (ICCS). 

(Do Blog Jusbrasil)

segunda-feira, 28 de março de 2022

O pai sábio

 Fábula uzbeque

Havia um homem idoso com muitos filhos. Certa vez, ele reuniu os filhos ao seu redor e deu uma flecha para um deles. 

– Quebre essa flecha ao meio e passe os dois pedaços a um irmão – disse o velho. 

O filho quebrou a flecha e entregou os pedaços a seu irmão. 

– Agora quebre os dois pedaços ao meio e passe-os para outro irmão – o homem disse ao segundo irmão. 

– Agora quebre os quatro pedaços ao meio e passe-os para o próximo – continuou ele. 

E assim por diante. Os irmãos quebraram os pedaços em partes menores e menores até que o último filho disse: 

– Pai, os pedaços não podem mais ser quebrados. São muito pequenos. 

– Aprendam uma lição com essa flecha – disse o velho. – Enquanto vocês continuarem juntos, nenhum mal conseguirá atingi-los e nenhum inimigo os dominará. Mas, se vocês brigarem e se separarem, não serão mais capazes de enfrentar os inimigos. 

domingo, 27 de março de 2022

Nosso porto

 Claudia Tajes

Foto de João Marcelo Osório 

A primeira lembrança: não lembro. Talvez seja a Redenção, mas também pode ser a pracinha perto de casa ou mesmo o pátio da casa da avó. Uma coisa era certa: tinha um cheiro que até hoje algumas ruas de Porto Alegre têm, cheiro que não se sente em nenhum outro lugar. Tempero? Chá? As flores ficando amareladas no vaso da sala? 

Por um bom tempo, todas as lembranças são de Porto Alegre. Sorvete com a família na sorveteria Nevada, da Cristóvão Colombo. No verão de calor quase sólido, o meio da rua tomado por cascudos – fora os que vinham voando e entravam no cabelo, para pavor das crianças. E o sorvete no Mercado Público. A taça de creme, chocolate e morango sempre aos sábados, com o pai. 

Os jogos no Olímpico. Depois do almoço de domingo, minhas irmãs – uma delas virou casaca e hoje é colorada –, eu e o pai nas cadeiras. Enquanto ele tentava ver Espinosa e Ivo Wortmann em campo, as filhas pedindo para comer absolutamente tudo o que estivesse à venda. Overdose de cachorro-quente com churros com pipoca com picolé. Sobre a bola rolando, nada a declarar. Daí nasceu meu irmão e nós três fomos para o banco. 

As lojas do centro com a mãe. Não que ela gostasse de me levar, já que a objetividade não existe quando se vai às compras com uma criança pequena a tiracolo, coisa que a gente só descobre mais tarde, com os próprios filhos. As lojas preferidas: todas. De tecidos, roupas, quinquilharias, ferragens, farmácias. As bijuterias da Sloper, praticamente uma Disneylândia na Rua da Praia. A Livraria do Globo, de onde ninguém saía sem um livrinho de colorir com água, que fosse. 

Ipanema, para onde nos mudamos no início da minha adolescência, o que me obrigou a deixar uma vida de 12 anos para trás. Parece pouco, mas é uma história. De repente, o nada. O colégio desconhecido, o medo de não fazer novos amigos. Mudar de bairro é mudar de planeta, quando se tem 12 anos. 

O tempo sendo contado pelo que já podia fazer sem a tutela dos pais. Pegar ônibus, linhas Serraria e Juca Batista, a parada na frente da nossa casa. Sair de noite para as festinhas na AABB e no Clube do Professor Gaúcho. Daí para a primeira cerveja e o primeiro beijo, não necessariamente nessa ordem, a vida foi um pulo. 

Engraçado como a Zona Sul era muito mais longe, naquele tempo. De lá até a Fabico, nas vizinhanças do Planetário, levava-se a eternidade. Entre uma e outra, havia a Osvaldo Aranha, os cinemas e os bares. Era preciso ser forte para ir às aulas. Nem sempre eu fui. 

Então, um dia, a pessoa acorda adulta e tudo vira uma lembrança só. Trabalho, morar sozinha, amores que depois a gente renega, outros que renegam a gente. Encontrar um caminho, trocar de caminho, não se achar nunca. Quando se conhece outros lugares, Porto Alegre perde um tanto da mágica que tinha lá no início. Não se envelhece sem realidade, o que vale para pessoas e para cidades. De qualquer jeito, voltar para Porto Alegre é sempre um respiro. Algo como sentir, outra vez, o cheiro de tempero, de chá, das flores ficando amareladas no vaso da sala. O cheiro de casa. 

Feliz aniversário, meu porto. 

(Do caderno Donna, de Zero Hora, 26 de março de 2022*) 

*Data em que a nossa querida Porto Alegre, a capital dos gaúchos, comemora os seus 250 anos.

Como árvores

 

Uma árvore não fica de costas para ninguém. Dê a volta em torno dela, e a árvore estará sempre de frente para você. 

Os verdadeiros amigos também... 

Dizem os chineses: árvore plantada com amor, nenhum vento derruba! 

Uma verdadeira amizade também! 

Quem planta árvores, cria raízes. 

Quem cultiva bons amigos, também! 

As árvores, como os amigos, produzem beleza para os olhos e os ouvidos, na mudança sutil de suas cores. A árvore é sombra protetora, como os amigos; sombra que varia com o dia, que avança e faz variados rendados de luz semelhantes às estrelas. 

As árvores são sinônimo de eternidade, e uma verdadeira amizade também é para sempre! 

(Autoria desconhecida)

Podia ser pior

 Fábula judaica

Isaac, um judeu pobre, foi pedir conselho a um rabino. 

– Rabino, diga-me o que fazer – exclamou. – Sou um homem pobre. Tão pobre que minha mulher, meus seis filhos, meus sogros e eu temos que viver todos juntos. Estamos tão cheios uns dos outros que brigamos o tempo inteiro. É um inferno ter que viver com tanta gente num barraco de um cômodo. Não aguento mais. Eu preferiria me enforcar a voltar para casa. 

O rabino pensou no problema por alguns instantes. 

– Meu filho – disse ele então –, se você fizer o que vou lhe dizer, garanto que sua condição vai melhorar. 

– Faço o que o senhor disser, se for para acabar com essa loucura – prometeu Isaac. 

– Quantos animais você tem? – perguntou o sábio rabino. 

– Uma cabra, uma vaca e algumas galinhas. 

– Vá para casa e ponha todos os animais para dentro, para que vivam com você. 

Isaac ficou horrorizado com a ideia, mas ele queria manter sua promessa. Então voltou para casa e seguiu o conselho do rabino. 

Dois dias depois Isaac voltou ao rabino.

 – Rabino! – exclamou ele. – Eu fiz como o senhor mandou: pus todos os animais dentro de casa. Agora me arrependo de ter prometido lhe obedecer, pois as coisas estão ainda piores. Não aguento nem mais um dia dessa loucura. Por favor, me ajude! 

– Bem, filho – respondeu o rabino –, então vá para casa e ponha as galinhas para fora. Que Deus o ajude. 

Assim, o pobre Isaac voltou para casa e enxotou as galinhas. Dois dias depois ele voltou ao rabino. 

– Rabino! – exclamou Isaac. – Não aguento mais. A cabra está destruindo tudo dentro de casa.Quero que ela saia! 

– Então vá para casa e ponha a cabra para fora – disse o rabino. – Que Deus o ajude. 

Isaac voltou para casa e enxotou a cabra. Dois dias depois ele voltou ao rabino. 

– Rabino – suplicou Isaac. – Não aguento mais. A vaca está fazendo uma bagunça na minha casa. Ela precisa sair. 

– Então vá para casa e ponha a vaca para fora – aconselhou o rabino. 

Mais uma vez Isaac foi para casa e pôs a vaca para fora. 

Muito tempo se passou. Então, um dia Isaac voltou ao rabino, radiante de felicidade. 

– Obrigado, rabino. – Ele sorriu. – O senhor mudou minha vida! Desde que pus os animais para fora, minha casa tornou-se limpa e tranquila. Estamos todos muito felizes agora. Deus realmente nos abençoou. 

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(Do livro Fábulas de todo o mundo)

sábado, 26 de março de 2022

A Porta

 Vinicius de Moraes

Eu sou feita de madeira
Madeira, matéria morta
Mas não há coisa no mundo
Mais viva do que uma porta.
 

Eu abro devagarinho
Pra passar o menininho
Eu abro bem com cuidado
Pra passar o namorado
Eu abro bem prazenteira
Pra passar a cozinheira
Eu abro de supetão
Pra passar o capitão.
 

Só não abro pra essa gente
Que diz (a mim bem me importa…)
Que se uma pessoa é burra
É burra como uma porta.
 

Eu sou muito inteligente! 

Eu fecho a frente da casa
Fecho a frente do quartel
Fecho tudo nesse mundo
Só vivo aberta no céu!
 

Rio de Janeiro, 1970 

A criatividade do autor pode expressar sentimentos até mesmo em seres inanimados que vão ganhando vida e mobilidade no decorrer do texto. Um exemplo disso é o poema acima de Vinicius de Moraes, “A Porta”, em que o personagem lírico é uma porta e ela retrata seus sentimentos acerca das situações cotidianas.


sexta-feira, 25 de março de 2022

A Porto Alegre de Mario Quintana

 Um apaixonado pela Capital

Fotógrafa registrou imagem icônica do poeta gaúcho

 na ponte do Guaíba, em 1986

O eterno poeta nasceu em Alegrete, mas viveu em Porto Alegre a maior parte da vida e se tornou um símbolo da cidade, que completa 250 anos neste sábado (26.03.2022). Nos idos de 1986, quando Mario Quintana festejava oito décadas (ele morreu em 1994, aos 87 anos), a fotógrafa Liane Neves eternizou em imagens a paixão do escriba pela Capital. 

− Saíamos juntos para passear pelos locais que ele mais gostava de ir. O Centro era o preferido. Um dia, sugeri um lugar diferente: a ponte do Guaíba. Fomos no meu carro. Ele ficou encantado. Lembro que dizia: “Que lindo! Nunca tinha visto a cidade deste ângulo!” − conta Liane, que registrou o momento de deleite do escritor. 

Quase 40 anos depois, a imagem icônica ilustra esta página em GZH e é uma singela homenagem  na figura de um dos personagens mais ilustres da Capital  ao aniversário da nossa Porto Alegre. 

Em um de seus poemas, Quintana comparou o mapa da Capital à anatomia de seu corpo. 

O Mapa 

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...
 

(E nem que fosse o meu corpo!) 

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...
 

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)
 

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
 

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)
 

E talvez de meu repouso... 

******* 

(De Zero Hora, 25 de março de 2022)

Composta para peça, canção “Horizontes”

 Virou hino afetivo de Porto Alegre 

Marcelo Perrone

Elenco original de “Bailei na Curva”: 

Hermes Mancilha, Claudia Accurso, Cláudio Cruz, Márcia do Canto, Júlio Conte, Regina Goulart, Flávio Bicca Rocha e Lúcia Serpa 

Horizontes entra na última cena de Bailei na Curva, cantada pelo elenco, e a melodia segue nas vozes e assobios do público entre os aplausos ao fim do espetáculo. Tem sido assim desde 1983 com a canção composta por Flávio Bicca Rocha para a peça, como síntese existencial da geração que cresceu à sombra da ditadura militar, mas que ganhou vida própria como um hino afetivo de Porto Alegre. 

− Escrevi Horizontes durante os ensaios da peça − diz Bicca. − Em setembro de 1983, um mês antes da estreia, apresentei ela no festival de música da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, evento que era muito importante e contava com participantes de todo o Brasil. Horizontes ganhou o prêmio do júri popular e ficou em terceiro na votação do júri oficial. Quando a peça estreou, a música já era conhecida. 

Em 1984, Horizontes ganhou na voz de Elaine Geissler a versão que se tornou um grande hit local. 

− Ela gravou num disco do projeto Unimúsica, e aí começou a tocar muito nas rádios − lembra Bicca. 

Desde então, Horizontes já teve diferentes versões, sendo que uma outra que ficou conhecida tem as vozes de Victor Hugo e Ângela Jobim, dos anos 1990. Bicca diz que, apesar do sucesso, a canção que segue presente no repertório de grupos vocais, músicos da noite, festivais e campanhas publicitárias pouco lhe rende em direitos autorais: 

− Caetano e Chico Buarque têm 80, cem músicas de sucesso cada um, e eu tenho essa. Não é sempre que se acerta, mas uma eu acertei − brinca Bicca. 

Nestes 30 anos em que sua música segue viva, Bicca diz ter ficado com uma mágoa:

− Nunca me convidaram para fazer a trilha sonora de peça alguma. Nas que fiz, também estava envolvido na produção, com meus amigos Rogério Beretta, em Adão e Eu, e Márcia do Canto, em Comédia dos Amantes.

Horizontes

Flávio Bicca Rocha 

Há muito tempo que ando
Nas ruas de um porto não muito alegre

E que, no entanto, me traz encantos
E um pôr de sol me traduz em versos.

De seguir livre, muitos caminhos,
Arando terras, provando vinhos.
De ter ideias de liberdade,
De ver amor em todas idades.
 

Nasci chorando, Moinhos de Vento,
Subir no bonde, descer correndo,
A boa funda de goiabeira,
Jogar bolita, pular fogueira.

Sessenta e quatro, sessenta e seis,
Sessenta e oito, um mau tempo talvez.
Anos setenta, não deu pra ti,
E, nos oitenta,

Eu não vou me perder por aí. 

(De GZH)

quinta-feira, 24 de março de 2022

O Quinto dos Infernos

 

Imagem da internet

Como dito anteriormente, engana-se quem acredita que a expressão “quinto dos infernos” surgiu no Brasil. No entanto, ela tem duas histórias que possuem diferentes origens. 

Origem no Brasil 

Durante a época do Brasil Colônia, o Ciclo do Ouro daqui causou uma certa corrida em busca do enriquecimento. Portanto, os portugueses e brasileiros deslocavam-se para as regiões das minas, onde tentariam a sorte para adquirir ouro. Entretanto, a coroa portuguesa interviu, colocando, assim, impostos sobre o ouro obtido. 

O imposto era o seguinte: todo o ouro encontrado deveria ser encaminhado para as Casas de Fundição, derretido e transformado em barras, nas quais havia o selo da Coroa. Portanto, durante esse processo, já era cobrado um imposto: o “quinto”, era a cobrança da quinta parte (20%) de todo o ouro encontrado. A Coroa Portuguesa, em 1750, começou a retirar o quinto diretamente nas casas de fundição. 

Além disso, era utilizado esse imposto para tentar reduzir o processo de sonegação de imposto. E isso ainda gerou outra expressão: Santos do pau-oco, estátuas religiosas ocas que eram usadas pelos mineradores para roubar o ouro. 

No entanto, aquele tributo era bastante odiado pelos donos das minas auríferas. Assim, eles passaram a chamá-lo de “o quinto dos infernos”. E, hoje em dia, essa expressão é usada até hoje quando estamos possessos de raiva. 

Origem em Portugal 

No entanto, o povo em Portugal também começou a utilizar essa expressão na mesma época. Geralmente, as pessoas tinham o costume de mandar a outra para “o quinto dos infernos”. Todavia, esse lugar seria uma referência ao Brasil, um lugar longínquo e desconhecido. Além disso, o quinto era o imposto cobrado aqui. Assim, muitas vezes, as pessoas mandadas para o quinto dos infernos eram as que estavam sendo banidas de Portugal. 

(Do Blog Segredos do Mundo) 

Outros conceitos 

Pouca gente sabe, mas a expressão O Quinto dos Infernos, usada quando alguém quer amaldiçoar uma pessoa, mandando-a pessoa para longe, ou para se referir a um lugar remoto, começou a ser usada em Portugal para se referir ao Brasil. E ao contrário do que muitos imaginam, não tem relação com o inferno. 

Sua origem é o imposto de 20% (ou a quinta parte) do peso do ouro, cobrado no século 18 das cidades mineradoras do Brasil Colônia. O apetite fiscal da coroa era tão grande quanto a dificuldade em quitar suas dívidas com a Inglaterra. Portugal pouco produzia além de vinhos e quinquilharias. Comprava dos britânicos quase tudo o que consumia. 

A cobrança foi uma das principais causas da Inconfidência Mineira, um ato revoltoso − sem sucesso − que acabou sendo reprimido pela Coroa em 1789.

quarta-feira, 23 de março de 2022

Tudo é uma questão de planejamento

 Minha tática na reunião dançante

Por David Coimbra

É verdade que não existe mais reunião dançante? O Potter* disse isso outro dia. Não estou atualizado no assunto, fiquei em dúvida. Não existe mesmo? 

Seria uma pena. 

Já me dei bem em reuniões dançantes. Por quê? A resposta está em uma única palavra: pla-ne-ja-men-to. Eu tinha método, entende? Um sistema. Em primeiro lugar, fazia uma prospecção da lista de convidados. Sabedor das meninas que iriam, escolhia o meu, digamos, público-alvo e me concentrava nele. 

Foco. 

Foco é fundamental. 

A segunda etapa era o convescote propriamente dito. Em geral, esses encontros começam com a formação clássica: gurias de um lado, guris de outro. Na primeira música, ficam todos se olhando, mas ninguém se move. Eu, não. Eu era arrojado. Eu abria a festa. E, é claro, tirava para dançar a moça que já havia adrede escolhido. A partir daí, tudo dependia do meu talento. 

Dependia também, é forçoso admitir, do DJ. Porque minha especialidade eram as lentas. Nas lentas é que a ação acontecia. 

É assim: você a enlaça pela cintura suavemente, nada de agressividade nos movimentos preliminares. No entanto, é preciso segurá-la com alguma firmeza, sem a desprezível mão mole. Quer dizer: firme e suave como se estivesse empunhando uma taça de cristal tcheco com uma dose de Petrus dentro. Se ela espalmar as mãos no seu peito, como que o afastando, péssimo sinal. Ela quer manter distância. Mas, se ela cruzar as mãos atrás de sua nuca, ah, eis um indício alvissareiro. 

Johnny Rivers está convidando: 

“Do you wanna dance and hold my hand?
Tell me that I’m your man
Baby, do you wanna dance?”.
 

E você ondulando com a mulher da sua vida daquele dia, sentindo o odor inebriante do perfume que ela borrifou no pescoço comprido de garça branca das nascentes do Reno. Então, você sente que a pele dos dedos dela encostou na pele da sua nuca. Gol do Brasil. É hora de avançar mais um pouco. Libere os laterais para o ataque. Você faz com que sua mão direita suba até o meio das costas dela e exerce leve pressão. A mão esquerda continua na cintura, cautelosamente. 

Johnny agora está perguntando se ela quer dançar sob a luz do luar e ela roçou o rosto no seu rosto. Isto é: está indo tudo bem, você pode, definitivamente, colar sua face esquerda na face esquerda dela. Oh, toda aquela maciez fará seu coração bater mais forte, meu velho, eu sei bem disso, mas nada de se emocionar antes da hora. 

Concentre-se! 

Johnny Rivers repete: você quer dançar, você quer dançar, você quer dançar? E então… Ah, e então ela acaricia sua nuca com aqueles dedinhos finos e quebradiços de palitinhos de queijo. Esse é o grande momento! Recue um pouco a cabeça, faça com que a comissura de seus lábios encostem na comissura dos lábios dela. Se ela não entesar e fincar as mãos no seu peito, vá em frente: beije-a, my friend! Você é o cara. 

Mas tudo só deu certo graças ao planejamento. Pla-ne-ja-men-to. Que faz as obras públicas terminarem no prazo certo e constrói os mais envolventes relacionamentos amorosos. 

Você pode usar as minhas táticas, querido leitor. Vá em frente, bote Johnny Rivers para rodar, seja feliz. Se ainda houver reunião dançante. 

******* 

*Potter, jornalista colega de David Coimbra na Rádio Gaúcha, de Porto Alegre. 

(Texto originalmente publicado em agosto de 2019, em Zero Hora)

terça-feira, 22 de março de 2022

A origem dos nomes das unidades de medir

  Etimologia 

By Montini

O Sistema Internacional de Unidades – SI incorpora unidades variadas que representam diversas grandezas físicas. O SI é relativamente recente, porém os nomes das unidades que o integram vêm de longe e têm as mais diversas origens. Conhecer a etimologia desses nomes todos facilita a compreensão e é, no mínimo, divertido. 

Metro: O metro é a mais conhecida das unidades. A palavra metro vem do grego metron, que significa medida e dá nome à ciência das medições, a metrologia. Muitas outras palavras utilizam o metro como elemento de composição, principalmente como sufixo nos nomes dos instrumentos de medir: Taxímetro, cronômetro, micrômetro, são alguns exemplos. Ah! Pode parecer que a palavra metrópole tenha a mesma origem, mas não tem! O metro de metrópole vem do grego metròs, que significa mãe. Metrópole é “cidade mãe”. 

Quilograma: Entre os romanos a menor unidade de massa era o scrupulum (escrópulo em português) que significa pedrinha. Com a expansão do império romano muitos dos povos dominados por eles adotaram as suas unidades de medir, porém nem sempre as escreviam corretamente. Scrupulum acabou por ser grafado “scripulum”, e esse pequeno erro fez toda a diferença. Isso porque scripulum foi confundido com scriptum, que significa escrita. Mas o que é que isso tem a ver com o grama? Acontece que “gramma”, em grego, significava qualquer signo escrito. Então, por causa dessa analogia enviesada o scrupulum virou gramma. Aliás, como a palavra grega “gramma” é masculina, dizemos “o grama” quando nos referimos à unidade de massa. A palavra feminina grama vem do latim “gramen” e significa relva, aquele matinho que reveste os campos de futebol. Muitas palavras usam o sufixo grama com o seu significado original, de signo escrito: Pentagrama, telegrama, programa etc. Outra coisa curiosa é que o grama não é a unidade de base para massa (peso). A unidade de massa é o quilograma, único caso em que um múltiplo assume esse papel. Quilo, do grego Khilioi, significa mil. 

Segundo: O segundo é a unidade SI para o tempo. Hora vem do latim hora e significa hora mesmo, a vigésima quarta parte do dia. O minuto veio do adjetivo minutus (“pequeno”). Os geômetras antigos dividiam o grau em 60 partes, chamando cada parte de pars minuta prima, “a primeira parte pequena”. Esta, por sua vez, quando dividida em 60 partes iguais, era chamada pars minuta secunda, “a segunda parte pequena”, de onde proveio o nosso segundo. Já que falamos em grau, a palavra vem do latim gradus, que significa degrau! É bom lembrar que quando “minuto e segundo” expressam tempo, seus símbolos são min e s respectivamente. Quando expressam divisão de grau, seus símbolos são apóstrofos. Por isso, nada de escrever 8h 20´ 30´´ quando a grandeza for tempo. Essa notação é apenas para medida de ângulo. O certo é 8h 20 min 30s. E já que falamos de ângulo, a unidade SI para medir ângulo plano é o radiano, palavra derivada do latim radius, que significa raio. Ângulos sólidos são medidos em esterradianos. Stereos em grego quer dizer sólido. 

Candela: A candela é a unidade SI para intensidade luminosa, e não é por acaso. A palavra significa vela em latim. Aliás, candelabro é, justamente, o objeto usado para acomodar as velas. O lúmen e o lux, unidades SI para fluxo luminoso e iluminamento são, ambas, palavras latinas que significam luz. 

Mol: Mol é a unidade SI para quantidade de matéria, conceito este que não deve ser confundido com massa! A advertência é necessária porque a palavra mol vem do latim molécula, diminutivo de mole, que significa massa… E tem mais! O mol é usado, principalmente, para quantificar o número de moléculas, átomos e outras partículas diminutas… 

Kelvin e ampère: Tanto o kelvin, unidade SI para temperatura termodinâmica, como o ampère, unidade SI para intensidade de corrente elétrica, têm esses nomes em homenagem a dois cientistas: William Thomson, ou simplesmente Lord Kelvin, físico escocês, desenvolveu a escala Kelvin de temperatura absoluta. André-Marie Ampère, físico e matemático francês, desenvolveu estudos fundamentais em eletricidade e eletromagnetismo. Aliás, a maioria das unidades SI leva nomes de cientistas. Veja só a lista! 

Unidade SI

Grandeza

Cientista

newton

Força

Isaac Newton, físico inglês.

pascal

Pressão

Blaise Pascal, físico francês.

volt

Tensão Elétrica

Alessandro Volta, físico italiano.

watt

Potência

James Watt, matemático escocês.

joule

Energia

James Prescott Joule, físico inglês.

Celsius

Temperatura

Anders Celsius, astrônomo sueco.

tesla

Indução Magnética

Nikola Tesla, engenheiro sérvio.

coulomb

Eletricidade

Charles Augustin de Coulomb, físico francês.

farad

Capacitância

Michael Faraday, físico inglês.

ohm

Resistência elétrica

Georg Somon Ohm, físico alemão.

siemens

Condutância

Carl Wilhelm Siemens, engenheiro alemão.

hertz

Freqüência

Heinrich Rudolf Hertz, físico alemão.

henry

Indutância

Joseph Henry, físico norte-americano.

weber

Fluxo magnético

Wilhelm Eduard Weber, físico alemão.

becquerel

Atividade radioativa

Antoine Henri Becquerel, físico francês.

gray

Dose absorvida

Louis Harold Gray, radiologista inglês.

sievert

Equivalente de dose

Rolf Sievert, físico sueco.

Veja que interessante: Celsius é a única unidade SI escrita com letra maiúscula. A unidade para dose absorvida de radiação, o gray, coincidentemente tem a mesma grafia que G ray, ou raio gama em inglês. Joseph Henry é o único cientista não europeu do grupo, embora Nikola Tesla tenha se naturalizado americano. 

Do Almanaque de metrologia IPEM