domingo, 6 de março de 2022

O conquistador

 Juliano Martinz

Decidiu comprar um livro sobre como conquistar as mulheres. Taciturno, tortuoso, não lidava bem com elas. O pai, machista, o ensinara a tratá-las na base do tapa. A irmã, feminista, o ensinara a dizer sim para tudo o que elas dissessem. E até hoje, 35 anos nas costas, não fora capaz de conquistar um grande amor. Ao inferno com conselhos de pai e irmã. 

Comprou o livro de um especialista. “O Conquistador”, de Michelin Lucká. Que nome! Que sobrenome! 1048 páginas de sapiência amorosa derramado por cada entrelinha. Pulou o prefácio. Prefácios nunca dizem nada. Só enchem páginas, tomam tempo, e enriquecem escritores. Não tinha tempo a perder. Afinal, era um desesperado ansioso por colher cada conselho randômico ali distribuído, que mudaria sua vida amorosa por completo. ALL e DLL – Antes (e Depois) de Ler o Livro. Sua vida seria assim demarcada. Cobriu as páginas com uma voracidade selvagem em dois dias. Salivou a cada conselho, a cada página que o conduziria a uma nova existência. 

No terceiro dia, estava pronto. No terceiro dia, foi a caça… 

O especialista dissera: “Vista-se bem. Confira. Reconfira. Peça opiniões. Mulheres gostam de homens que se vestem bem. Se for pra sair com alguma camisa amarelo-cagado que seu avô te deu ano passado, fique em casa e vá assistir TV. Lembre-se: Vista-se muito bem”. Patético até o osso, foi à balada de terno. 

No bar, chegou balançando os braços. Isso demonstra segurança, dissera o especialista. Nada de mãos no bolso, movimentos curtos, passos miúdos. Isso é coisa de frouxo. Machos dominantes se movimentam exagerada e desnecessariamente. 

Parecendo mais um boneco biruta de posto de combustível, chegou ao balcão e pediu uma bebida. Gritou, na verdade. Lembrava-se do que havia lido: “Perdedores falam pra dentro. Vivem fazendo as pessoas dizerem: hã? quê? como?” Por garantia, esgoelou ao pedir um martini. 

Deu mais umas balançadas epilépticas e olhou de lado, para uma morena arrebatadora. Tinha olhos flamejantes pra burro, pensou. Um inferno de bonita. Daquelas que fazem o cara esquecer toda a lição de casa. Mas conseguiu se lembrar do conselho: “Sempre faça barulho. Quando falar, grite. Quando pensar, grunha. Quando bocejar, gema. Quando não estiver fazendo nenhuma dessas coisas, comece a batucar uma mesa, balcão ou o que estiver na frente”. 

Coçou a cabeça, e gemeu; coçou o saco e grunhiu; se espreguiçou, e atroou um longo “ooouuuuuuuuuaaaaaaaiiiiiiaaaaaaaiiiii” bem rouco, parecendo um javali dominante da floresta. Olhou para a morena – correção: morenaça −, tentando imitar o olhar de James Bond. 

“No primeiro contato que tiver com uma mulher, nunca diga ‘oi’. Isso é coisa de perdedor. Fale no mínimo 3 ou 4 palavras. Fale frases. Mulheres gostam de homens que falam frases. Nada de interjeições imbecis. Se for pra ficar na base do ‘legal, uhum, puxa, que coisa’, melhor voltar pra casa e comer farinha láctea”. 

– E aí, gata, que que rola? 

– Quê??? 

“Se a mulher perguntar ‘quê?’ com uma expressão de quem acabou de presenciar alguém vomitando, suas chances estão no fim. Se quiser continuar vá em frente – já lidei com muitos idiotas teimosos como você , mas vou avisando: nesse ritmo, acho melhor ligar pra sua mamãe e pedir pra voltar a morar com ela”. 

– Posso te pagar uma bebida? 

– Eu já tenho uma – disse, apontando para o copo, evidentemente desinteressada ou fazendo tipinho. Sinceramente? Ela não estava fazendo tipinho. 

Lembrou-se que o especialista havia dito sobre fazer as mulheres rirem. Mulheres gostam de caras que as façam rir. Uma sacada engraçada era o que ele precisava agora. 

– Pois eu ainda não tenho uma bebida. Me paga uma? – E riu. Ele, claro. Ela, séria. 

“Se você fizer uma piada e a mulher fizer uma expressão de búfalo em época de seca, com o sol a pino, em pleno verão africano, pode levar este livro de volta na livraria e pedir reembolso. Trabalho com perdedores, mas você já passou da conta”. 

Mas ele não estava a fim de se entregar tão facilmente. Tinha nas mangas um grande trunfo, o grande conselho do sábio que lhe dera forças para estar ali. “Seja sincero. Isto derrete o coração de qualquer durona”. 

– Escute, eu… eu não sei lidar muito bem com as mulheres, entende? Até comprei um livro pra aprender um pouco sobre a arte da sedução, mas confesso, acho que não levo jeito pro negócio. A única coisa que sei é que você é de longe a mulher mais linda dentro deste bar, e se for pra levar um fora, quero levar um fora seu. 

Ela sorriu. Pensou no que dizer. Isso é bom. “Mulheres quando pensam no que vão dizer é sinal de que…”. De que…? de que…? Ah, dane-se. É sinal de alguma coisa. 

– Escute, querido. Se está aplicando o conselho de algum especialista, te aconselho a trocar de escritor. Esse aí com certeza é charlatão. – E voltou-se para a bebida. 

Quanto a ele, magoado, voltou pra casa. Ainda sozinho. Ainda solitário. Para o dia de amanhã, não sabia muitas coisas, nem tinha esperanças. Mas ao menos tinha duas certezas. 

Iria à livraria para devolver o livro; e no caminho de volta, aproveitaria pra comprar mais uma lata de farinha láctea. 

(Do site Literatura Corrosiva)

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