terça-feira, 31 de março de 2020

Sobre o nome de Porto Alegre

Juremir Machado da Silva


Monumento aos Açorianos

Porto Alegre é a capital de um gauchismo meio ressentido, embora com alguma razão. Nossa capacidade de atualizar a oposição dentro/fora é tão grande que, aos poucos, geramos um novo fosso: Metade Sul/Metade Norte. No passado, a Metade Sul era o Rio Grande. Hoje, essa mesma Metade Sul já se sente excluída, de fora, alijada pela Metade Norte. Trata-se de um estranho fenômeno de um conjunto que ficou só com uma metade. O Rio Grande é como uma espécie rara de mula sem cabeça: a Metade Norte (corpo) chupa o imaginário da Metade Sul (cabeça). Uma produz bens materiais; a outra empresta seus bens simbólicos.

E assim vamos, opondo farroupilhas e imperiais, chimangos e maragatos, federalistas e republicanos, A Reforma e A Federação, positivistas e liberais, gremistas e colorados, petistas e não-petistas, etc. Porto Alegre comporta-se como a donzela a ser conquistada. O general Netto cercou-a até cansar e não conseguiu nada. Os de “fora”, vindos do Interior, dizem que os de “dentro” nunca fizeram nada de especial pela cidade. Alguns desses “estrangeiros” chegam a questionar se existe de fato o porto-alegrense. Os “de cima do muro” acham isso tudo sem importância e tentam ficar à margem dessa polêmica sem fim, o que provoca sérias desconfianças em relação ao caráter desses incapazes de ser opor francamente uns aos outros.

Porto Alegre centraliza um traço gaúcho essencial: aqui, pode-se, em certos casos, até se trocar de mulher ou de homem sem dar explicação. Mas nunca de partido ou de clube de futebol. Aí já é falta de caráter explícita, obscena, pornográfica. O resto é questão pessoal. Porto Alegre é uma cidade unida por uma só paixão: a da oposição. Polarização entre dois termos irreconciliáveis, porém incapazes de viver um sem o outro. O porto-alegrense, altruísta e hospitaleiro, alimenta-se de rivalidade.

Na mitologia sobre o Rio Grande do Sul, alimentada pelo positivismo, costuma-se encontrar a ideia de que por aqui não vicejam as contradições de outras regiões do Brasil. Pode ser. De qualquer maneira, como exemplo, pode-se lembrar que nos inflamados tempos dos positivistas o jornal dos republicanos chamava-se A Federação; o dos federalistas, A Reforma. Os mais célebres cronistas da primeira grande fase intelectual de Porto Alegre - Apolinário Porto Alegre e Aquiles Porto Alegre - nasceram em Rio Grande. Nunca dois “de fora” foram tão “de dentro”.

A mais nefasta influência do positivismo não se esconde de ninguém: está nas ruas de Porto Alegre. Nomes maravilhosos, da fabulação popular, foram substituídos por pomposos títulos militares. A Rua dos Nabos a Doze, homenagem a um sorumbático e encapotado vendedores de dozes nabos por vintém, por exemplo, virou General Bento Martins. Quantos séculos se precisam para que a imaginação popular conceba algo tão extraordinário? Séculos plasmados num segundo de verve, de deboche, de realismo, de genialidade. Tudo isso sacrificado em nome de uma patente: general, marechal, brigadeiro, até tenente, sargento, etc. Daí para baixo já é mais difícil. O Cabo Rocha perdeu sua rua, sob a justificativa de que tinha má fama, como zona do meretrício, para o inimaginável diretor da Faculdade de Medicina, o professor Freitas e Castro.

Rua do Arvoredo, Rua Arroio (que não tinha arroio, assim como a da Praia não tem praia), Beco dos Cordoeiros, Rua dos Nabos a Doze, ruas que fizeram Mário Quintana devanear… As elites apropriaram-se dos espaços mais abertos e populares que podem existir: os logradouros públicos. Porto Alegre não poupou esforços para homenagear muitos dos grandes combatentes das causas do Rio Grande do Sul e dos inimigos das lutas populares. A história, como todos sabem, é sempre escrita pelos vencedores.

Coruja, citado por Sérgio da Costa Franco, já lamentava o avanço dos batalhões de generais, comandantes sem soldados, que pilharam quase todos os louros das vitórias por obra de subordinados a posteriori. A Rua do Arroio, ensinou Coruja, tinha três partes: rua da Praia (até a ponte), também chamada, em referência às moradas das primeiras casinhas do lugar, de rua dos Sete Pecados Mortais; rua da Ponte (até a Igreja); rua do Jogo da Bola, em homenagem a um certo Antonio do jogo da bola, em cujo pátio operários batiam uma bolinha (ver Coruja, 1983 e Franco, 1988). Que beleza! Essas designações foram banidas por coloquiais demais ou por homenagearem desconhecidos, seres anônimos, sem assinatura. Deram lugar a generais anônimos e ainda mais desconhecidos. Quem conhece o brigadeiro honorário (sic) Bento Martins de Menezes?

Paris nunca perdeu ocasião de emplacar seus heróis nas suas ruas e avenidas, mas soube conservar o pitoresco e a imaginação popular em nomes que ainda fazem sonhar: rue du Pas-de-la-Mule; rue du Pot-de-Fer; rue des Acacias; rue des Amandiers; rue de l’Arbre-Sec; rue des Arbustes; rue de l’Arc en Ciel; rue de l’Ave-Maria; rue des Quatre-Vents; rue de la Serpente, des Pendus, rue de l’Avenir (rua do Futuro), etc. Porto Alegre já teve a sua Rua do Porvir, transformada em Intendente Alfredo Azevedo. Estava no fim do bonde da Glória. Veja-se o significado: tomava-se o bonde da Glória para desembarcar no Porvir, na esquina da Avenida Cascata. Acabou a cascatinha. Hoje, o cidadão salta do ônibus e pisoteia um nome insondável e para sempre esquecido: Intendente Azevedo. A glória entrou em decadência. A modernidade usa farda ou terno e gravata.

Quando alguém dá de cara com um nome do tipo “Antônio do Jogo da Bola” é inevitável a curiosidade: quem terá sido? Em que época terá vivido? Como terá morrido? Diante da placa fria e clara, General Bento Martins, o interesse nem chega a existir. Um general, nada mais que um general… Os “de dentro”, em geral vindos de fora, que se tornaram nomes de rua, portanto incrustados na carne de Porto Alegre, estão cada vez mais alijados do imaginário dos moradores da cidade. Porto Alegre precisaria de uma rua que se chamasse Portalegre, ou um beco intitulado “Oficial inglês assassinado”. Bastaria, quem sabe, uma Avenida de Los Hermanos. Ou um bulevar de Saudade Alentejana.


Duas crônicas de Lunara


Publicado no O Athleta de 24 de outubro de 1886 e assinado Bitu
(um dos pseudônimos de Luiz Nascimento Santos)

É moda


Tudo é moda, até dizer-se o que não se sente e sentir-se o que não se diz.

Não sei quem disse isto; mas quem disse tinha razão.

Uma moça conversando com um rapaz bem desempenado, de fácil verbiagem, dizia-lhe com o ar todo afetado:

− Senhor F… pelo o que o senhor acaba de dizer-me, detesta a maneira exagerada de usarem as modas hoje em dia?…

− Na verdade, minha senhora: e mil vezes bem digo a sorte por ter nascido homem, quando vejo passar-me pela frente essas moças, todas cheias de barbatanas, polvilhos, tintas, algodões e de tantas outras composições, que as francesas têm inventado para fazer do feio belo, do gordo magro, do pardo branco…

− Pois pensa inteiramente como eu… são coisas estas, que não só aborreço como também detesto.

− Pois então somos dois a pensar da mesma forma?!…

− Oh! naturalmente…

− Pois creia minha senhora…

Nisto entra o moleque da casa com um embrulho, e depositando-o sobre uma cadeira, diz todo vitorioso: “nhanhãzinha”, o seu Juca deu a anquinha por um patacão, e mandou dizer pra nhanhãzinha que recebeu daqueles pós que nhanhãzinha…”

− Minha senhora, sente-se incomodada? Está vermelha… o que tem…

− Não é nada, costumo… sim… a enxaqueca…

− Queira receber as minhas despedidas e permita-me vir amanhã, saber de sua apreciável saúde…

− Pois não… quero dizer, queira não incomodar-se…

Saiu o homem… atravessou a rua… quis fazer um cumprimento ainda à moça da anquinha e teve a decepção de ver a sua cabeleira descolar-se do seu caco nu e descrever um semicírculo na sua frente…

Oh! malditas anquinhas*!…

*****

* Anquinhas: pequenas ancas. Almofada ou armação que as mulheres usavam sob a saia, para entufá-la, fazer aumentar de volume, fazer inchar ou inchar-se; atufar(-se).

*Nhanhã: apelido afetuoso de determinadas pessoas. Nhanhãzinha é uma palavra usada com carinho.

Impagabilíssimos chinós!…

Publicado no O Athleta de 14 de julho de 1886 e assinado Sancho
(um dos pseudônimos de Luiz Nascimento Santos*)


No baile do recreio vi-a pela primeira vez, ainda me lembro bem, foi numa quinta-feira. Ela negociava uma caixinha de pós de arroz, com o Gama, na loja do Felizardo. Pisquei-lhe um olho, ela compreendeu.


A negrita que acompanhava a família estava à porta. Dei-lhe um níquel e fiquei logo ciente que Iaiá ia ao baile do Recreio.

Chegara o sábado. O Cosmopolita estava repleto das mais esplêndidas flores do nosso jardim.

Magnífica soirée.

Dançava-se com frenesi.

Fazia as honras da sala o simpático diretor, o roliço Guilherme.

Iaiá lá estava. Cumprimentei-a e tirei-a para uma valsa.

Ressoaram no salão as notas brilhantes de uma composição de Strauss. Cingindo aquela cinturinha breve, quis falar-lhe do meu amor. Pela primeira vez achei-me acanhado e senti que a amava deveras.

Guardar-me-ia para a quinta quadrilha. Armar-me-ia de coragem e estabeleceríamos as bases do nosso casamento.

Passeávamos na sala acalentando eu essa ideia, que me viera tirar de uma crítica posição.

Chega-se a nós, choramingas a morder um esquecido, uma encantadora criancinha. Agarra-se ao vestido da Iaiá, e com a mão esquerda a coçar-lhe o canto da vista repete-lhe três vezes:

– Eu quero ir pra casa, eu tô cum sono.

– Que belo irmãozinho.

– Não tenho irmãos. Este é o meu filhinho mais velho.

Fiquei enfiado e viria para casa sem chapéu se o marido de Iaiá não me dissesse a chacotear.

– O Senhor, vai sem cabeça?!…

*****

(Crônicas transcritas do livro “Lunara Amador 1900”,
de Eneida Serrano)

* Luiz do Nascimento Ramos (Porto Alegre RS 1864 − idem 1937). Fotógrafo e comerciante. Sabe-se que atua em Porto Alegre nas primeiras décadas do século XX, mas não há dados a respeito de sua formação. Começa a trabalhar como guarda-livros, tornando-se mais tarde sócio da firma de importações Franco, Ramos & Cia. Fotógrafo amador, integra a associação Sploro Photo-Club, em Porto Alegre, e registra a periferia da cidade aos domingos. Utiliza o pseudônimo Lunara para expor suas imagens.




segunda-feira, 30 de março de 2020

Sê corajoso e forte


(Para enfrentar com fé e coragem os dias sombrios atuais)


Quando estiveres fatigado e triste
e meditares na terrível sorte,
não temas, pois Jesus é teu amigo:
Sê corajoso e forte!

Se te apanharem pelo mar da vida,
da dor cruenta o vendaval e a morte,
não desanimes, Cristo está contigo:
Sê corajoso e forte!

Se, no trajeto pelo mundo incauto,
vires perdida a orientação, o norte,
segue a Jesus e Ele será teu guia:
Sê corajoso e forte!

Se o dissabor, que fere a humanidade,
no coração abrir-te fundo corte,
pede a Jesus, pois Ele dá o alívio:
Sê corajoso e forte!

Se forem tantas as dificuldades,
que a tua força já não mais suporte,
roga ao Senhor que te mantenha firme:
Sê corajoso e forte!

Se vacilares, pela vida escura,
e com teu mal o mundo nem se importe,
ora com fê − e te erguerás contente:
Sê corajoso e forte!

(Gioia Júnior)


domingo, 29 de março de 2020

Por que você ama quem você ama?



Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não-fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta.

O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo.

Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

Então que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não tem a maior vocação para príncipe encantado, e ainda assim você não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita de boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara? Não pergunte para mim.

Você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem o seu valor. É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar (ou quase). Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível. Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém. Com um currículo desse, criatura, por que diabo está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados. Não funciona assim. Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos tem às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!

Mas ninguém consegue ser do jeito do amor da sua vida!

Martha Medeiros

Como são feitos os testes para coronavírus



Entenda a ciência por trás do exame que identifica a covid-19

Por que o teste é importante?

→ Com ele, é possível identificar onde o vírus está circulando, a chamada vigilância virológica. Baseado nesses dados, o Ministério da Saúde pode adotar uma série de estratégias de contenção para evitar a proliferação do microorganismo.

Para que serve o teste?

→ O teste é o principal mecanismo para confirmar o diagnóstico da covid-19. Atualmente, o Ministério da Saúde orienta o procedimento apenas para casos graves − pacientes que apresentem sintomas como falta de ar ou dificuldade de respiração.

Como funciona?
  
1) Coleta:

Grandes cotonetes, os swabs, coletam amostras do trato respiratório (nariz e garganta).

O material é colocado dentro de um tubo.

Nele, está contido um líquido que conserva todos os microorganismos.

2) No laboratório:

O material é dividido em volumes. Um é armazenado e outro vai para processamento.

3) Extração:

A amostra passa pela chamada “extração de ácidos nucléicos”: todo o material genético é separado e limpo.

4) Constatação:

Nesse processo, conhecido como RTPCR, pequenas “iscas” − os primers − buscam o material genético do coronavírus dentro da mistura. A amostra é ampliada como se fosse uma cópia. Assim, caso seja constatada a presença do vírus, é possível analisá-lo.

Quando fica pronto?

→ O resultado leva de 48 a 72 horas para sair.

A família do vírus:

→ De origem ainda incerta, o coronavírus recebeu esse nome porque parece, no microscópio, com uma coroa. Em inglês, a palavra é “crown”, que remete a “corona” (coroa em espanhol). Oficialmente, o nome do microorganismo é Sars-CoV-2.

Coronavírus é o nome de uma família de vírus que causam infecções respiratórias. O Sars-CoV-2 é o responsável por causar a doença enfrentada atualmente, a covid-19.

Por que existe a contraprova?

Para controle. No Brasil, existem três laboratórios de referência segundo o Ministério da Saúde: Instituto Adolfo Lutz (SP), Fundação Oswaldo Cruz (RJ) e Instituto Evandro Chagas (PA). Sempre que um teste positivo é constatado por uma rede particular, por exemplo, a amostra é enviada para as instituições, que realizam a contraprova. Confirmado o caso, o laboratório está apto a fazer os demais testes na população. O processo ocorre apenas no primeiro teste positivo.

Por que não é possível testar uma população inteira?

Atualmente, o maior gargalo dos testes está no RTPCR. O processo é complexo e necessita de insumos e reativos − como enzimas, sais e tampões −, que são produzidos por diferentes empresas. Com a crescente demanda, a oferta do produto torna-se inviável, afinal, países costumam ter milhões de habitantes.

Aumento da produção:

Recentemente, a Fiocruz anunciou que aumentará a própria produção para entregar 1 milhão de testes de coronavírus até o fim do ano. Cerca de 13 mil pessoas no Brasil já foram testadas pelo sistema Único de Saúde (SUS). A medida segue a recomendação Organização Mundial da Saúde (OMS).

(Do Caderno Vida de Zero Hora, março de 2020)





sábado, 28 de março de 2020

A parábola do burro de carga



No tempo em que não havia automóveis, na cocheira de um famoso palácio real, um burro de carga curtia imensa amargura, em vista das pilhérias dos companheiros de cocheira.

Reparando-lhe o pelo maltratado, as fundas cicatrizes do lombo e a cabeça tristonha e humilde, aproximou-se formoso cavalo árabe que se fizera detentor de muitos prêmios, e disse orgulhoso:

– Triste sina a que recebeste! Não invejas minha posição em corridas? Sou acariciado por mãos de princesas e elogiado pela palavra dos reis!

– Pudera! – exclamou um potro de fina origem inglesa:

– Como conseguirá um burro entender o brilho das apostas e o gosto da caça? O infortunado animal recebia os sarcasmos, resignadamente.

Outro soberbo cavalo, de procedência húngara, entrou no assunto e comentou:

– Há dez anos, quando me ausentei de pastagem vizinha, vi este miserável sofrendo rudemente nas mãos do bruto amansador. É tão covarde que não chegava a reagir, nem mesmo com um coice. Não nasceu senão para carga e pancadas. É vergonhoso suportar-lhe a companhia.

Nisto, um admirável jumento espanhol acercou-se do grupo, e acentuou sem piedade:

– Lastimo reconhecer neste burro um parente próximo. É animal desonrado, fraco, inútil, não sabe viver senão sob pesadas disciplinas. Ignora o aprumo da dignidade pessoal e desconhece o amor-próprio. Aceito os deveres que me competem até o justo limite; mas se me constrangem a ultrapassar as obrigações, recuso-me à obediência, pinoteio e sou capaz de matar.

As observações insultuosas não haviam terminado, quando o rei penetrou o recinto, em companhia do chefe das cavalariças.

– Preciso de um animal para serviço de grande responsabilidade, informou o monarca, um animal dócil e educado, que mereça absoluta confiança. O empregado perguntou:

– Não prefere o árabe, Majestade?

– Não, não – falou o soberano, é muito altivo e só serve para corridas em festejos oficiais sem maior importância.

– Não quer o potro inglês?

– De modo algum. É muito irrequieto e não vai além das extravagâncias da caça.

– Não deseja o húngaro?

– Não, não. É bravio, sem qualquer educação. É apenas um pastor de rebanho.

– O jumento espanhol serviria? – insistiu o servidor atencioso.

– De maneira nenhuma. É manhoso e não merece confiança.

Decorridos alguns instantes de silêncio, o soberano indagou:

– Onde está meu burro de carga?

O chefe das cocheiras indicou-o, entre os demais.

O próprio rei puxou-o carinhosamente para fora, mandou ajaezá-lo com as armas resplandecentes de sua Casa e confiou-lhe o filho, ainda criança, para a longa viagem.

E ficou tranquilo, sabendo que poderia colocar toda a sua confiança naquele animal… Assim também acontece na vida.

Em todas as ocasiões, temos sempre grande número de amigos, de conhecidos e companheiros, mas somente nos prestam serviços de utilidade real aqueles que já aprenderam a servir, sem pensar em si mesmos.

Autor: Desconhecido




sexta-feira, 27 de março de 2020

Amigo é pra essas coisas

Aldir Blanc e Silvio da Silva Jr.


− Salve!
− Como é que vai?
− Amigo, há quanto tempo!
− Um ano ou mais...
− Posso sentar um pouco?
− Faça o favor.
− A vida é um dilema.
− Nem sempre vale a pena...
− Ah!...
− O que é que há?
− Rosa acabou comigo
− Meu Deus, por quê?
− Nem Deus sabe o motivo.
− Deus é bom.
− Mas não foi bom pra mim.
− Todo amor um dia chega ao fim.
− Triste.
− É sempre assim.
− Eu desejava um trago.
− Garçom, mais dois!
− Não sei quando eu lhe pago.
− Se vê depois.
− Estou desempregado.
− Você está mais velho.
− É...
− Vida ruim.
− Você está bem disposto.
− Também sofri.
− Mas não se vê no rosto.
− Pode ser...
− Você foi mais feliz.
− Dei mais sorte com a Beatriz.
− Pois é?
− Vivo bem.
− Pra frente é que se anda.
− Você se lembra dela?
− Não!
− Lhe apresentei.
− Minha memória é fogo!
− E o l'argent*?
− Defendo algum no jogo.
− E amanhã?
− Que bom se eu morresse!
− Pra quê, rapaz?
− Talvez Rosa sofresse.
− Vá atrás!
− Na morte a gente esquece.
− Mas no amor a gente fica em paz.
− Adeus!
− Toma mais um.
− Já amolei bastante.
− De jeito algum!
− Muito obrigado, amigo.
− Não tem de quê.
− Por você ter me ouvido.
− Amigo é pra essas coisas.
− Tá...
− Tome um cabral*.
− Sua amizade basta.
− Pode faltar.
− O apreço não tem preço, eu vivo ao Deus dará.

* l'argent: dinheiro.

* cabral: 1000 cruzeiros antigos.

P.S. Essa música está na internet, na interpretação de Chico Buarque e Ruy Faria (do MPB-4). 


Não pergunte por quem o Papa reza sozinho:

Ele reza por você.

Por Kiko Nogueira


O Papa sozinho na Praça São Pedro

A imagem da Praça São Pedro vazia durante uma bênção do Papa Francisco ganhou o mundo.

Na tarde desta sexta-feira (27.03.2020), ele concedeu a “Urbi et Orbi”, uma bênção dada apenas na Páscoa, no Natal e na ocasião da escolha de um novo líder da Igreja Católica.

Em função do coronavírus, não havia público presente e a bênção foi transmitida pela internet e pela TV.

Francisco destacou o exemplo de pessoas que doaram a própria vida contra a doença.

“Médicos, enfermeiros, funcionários de supermercados, pessoal da limpeza, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho”, disse.

“Deste lugar que atesta a fé rochosa de Pedro, gostaria nesta tarde de confiar a todos ao Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora, saúde do seu povo, estrela do mar em tempestade. Desta colunata que abraça Roma e o mundo, desça sobre vocês, como um abraço consolador, a bênção de Deus”.

“Ninguém se salva sozinho”. É isso.

Segundo Bolsonaro e sua corja, o Brasil não pode parar. O Papa está errado, portanto.

Estamos todos na mesma canoa.

John Donne escreveu no século 16 os versos sobre a humanidade que Hemingway popularizou:

Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.

Um homem virulento

O discurso que liquidou uma carreira política

Eduardo Bueno


Foi um pronunciamento desastroso. Veio na contramão da ciência, afrontou o bom senso, atacou a imprensa, menosprezou a pandemia − e, é claro, ofendeu a inteligência dos ouvintes. Só poderia marcar o início do fim e a morte política do sujeito que, mesmo em meio à gravíssima crise de saúde pública, fora capaz de pronunciar palavras tão despropositadas. Até quem não desconhecia o despreparo e o destempero do chefe surpreendeu-se com mais aquela demonstração pública de estupidez.

Tão logo terminou o pronunciamento, as notícias se espalharam com a rapidez do vírus e o povo foi às janelas bater panelas, exigindo o afastamento daquela criatura. Uma semana ainda se passaria, mas ao raiar do sétimo dia, ele enfim caiu.

Aconteceu de verdade, e foi assim. Na esteira da Primeira Guerra Mundial, a gripe espanhola disseminou-se com ferocidade letal pelo planeta. O vírus chegou ao Brasil a bordo do navio inglês S.S. Demerara, que, após escala no Recife, aportou no Rio de Janeiro em 21 de setembro de 1918. Em uma semana, já eram mais de mil os infectados. Então, no dia 10 de outubro, com o caos e o pânico se alastrando pela capital federal, o diretor-geral de Saúde Pública − o ministro da saúde nos dias de hoje − convocou a comunidade médica e a imprensa para um pronunciamento na Academia Nacional de Medicina.

Para surpresa geral, pôs-se a defender a “benignidade da gripe”. Disse, com todas as letras: “Trata-se de influenza pura e simples, e não influenza espanhola”. Ou seja: uma gripezinha. Os cientistas se arrepiaram. Mas ele prosseguiu: “Os sensacionalistas da imprensa, em seu vil afã de vender jornais, amplifica o pânico irresponsavelmente”. Mas e as 20 mil pessoas já contaminadas só no Rio? “Números infundados, sem comprovação”, disse Seidl. Mas, insistiu um repórter, quanto ao fato de ele, Seidl, ter requisitado a única lancha da capitania para que “um seu amigo retirasse pessoas de suas amizade do vapor Itassucê”, que aportara na Guanabara “antes que os inspetores da Profilaxia dos Portos pudessem expurgar o navio e isolar os doentes?” Foi a gota d′água. Seidl encerrou o encontro e deixou a Academia.

Em 17 de outubro de 1918, atendendo ao “clamor popular, à indignação da classe médica e aos alertas da imprensa”, o presidente Venceslau Brás chamou Carlos Seidl ao Palácio do Catete e o demitiu. Antes de retirar-se para submergir na história nacional da infâmia, Carlos Pinto Seidl fez um último alerta ao presidente: “A melhor forma de combater essa epidemia no Brasil é fazer calar a imprensa sensacionalista”.

Um homem virulento, resgatado agora da lata de lixo da História, para onde em breve voltará. Quem sabe se não em má companhia.

(Do jornal Zero Hora, março de 2020)


Carlos Pinto Seidl nasceu no dia 24 de novembro de 1867, em Belém, no Estado do Pará. Faleceu na cidade do Rio de Janeiro, no dia 19 de outubro de 1929.

P.S. A demissão do Dr. Carlos Pinto Seidl, diretor-geral da Saúde Pública, em razão da forte rejeição ao seu entendimento de ser a pandemia, uma “doença benigna” sendo equivalente a uma gripe, que todo mundo conhece e para a qual não havia qualquer medida profilática para ser tomada.

Essa tese, defendida e aplicada por ele, foi rejeitada, amplamente, na sessão de outubro de 1918 da Academia de Medicina. Sendo que a essa tese somou-se o fato que o Governo Federal tomava, lentamente, as medidas necessárias e aplicava recursos tardiamente, muito, provavelmente, ainda encapsulado pela campanha de Oswaldo Cruz e a revolta da vacina. Mas, frente a uma situação dramática e sem controle, em 22 de outubro de 1918 Carlos Pinto Seidl é exonerado e assume o cargo de Diretor Geral de Saúde Pública o Dr. Carlos Ribeiro Justiniano Chagas, essa é outra história.


Panelaços

Luís Fernando Veríssimo


A inacreditável fala do presidente na terça-feira acabou com a profissão de intérprete de panelaços, criada na era Bolsonaro & Filhos. Um intérprete de panelaços era quem distinguia um panelaço de outro, já que os panelaços tanto podiam ser a favor ou contra o governo, e um panelaço no Leblon não era igual a um panelaço em outro lugar.

Até pouco tempo, era fácil interpretar panelaços, ouvidos sempre em zonas de alto poder aquisitivo ou alta classe média. Não havia dúvida sobre quem estava nas janelas e nas sacadas dos edifícios, batendo em frigideiras, travessas e surdos improvisados, em apoio ao governo que tinha ajudado a eleger com seu barulho.

Hoje, há panelaços feitos nos mesmos edifícios, supõe-se que pelas mesmas pessoas, mas acompanhados de gritos de “Fora, Bolsonaro!”, o que só prova como são volúveis nossas elites, como é difícil fazer sociologia a curto prazo no Brasil e, principalmente, a falta que faz um bom intérprete de panelas para nos orientar.

Nenhuma novidade no fato de um governo perder apoio na prática de governar. Promessas de campanha são como juras de amor, servem para seduzir, não necessariamente para durar. Mas, no caso da desilusão com Bolsonaro & Filhos, a decepção foi maior porque a expectativa dos seus 57 milhões de eleitores – espantosa, conhecendo-se a biografia e a personalidade do candidato – era maior. Digam o que disserem do Bolsonaro & Filhos, eles nunca esconderam o que eram, ou chegaram ao poder disfarçados de outra coisa. O que os 57 milhões elegeram foi isso aí mesmo.

Quanto à mudança dos panelaços de a favor do governo para contra o governo, a causa, entre outras, é o desempenho de Bolsonaro & Filhos na guerra contra a peste que nos assola, como ficou evidente na fala inacreditável da terça-feira. Não sei como estão sendo interpretados os panelaços do Leblon, mas, se são sinais de insatisfação, também são sinais de conscientização, e nos servem. Portanto, não pergunte por quem soam as panelas do Leblon, elas soam por você.


(Do jornal Zero Hora, 26 de março de 2020)

O que são gatilhos mentais?

Por Laís Bolina*


Gatilhos mentais são estímulos recebidos pelo nosso cérebro que influenciam diretamente a nossa tomada de decisão. Saber estimular esses gatilhos é uma poderosa arma de persuasão e geração de resultados para marketing e vendas.

Todos os dias nós tomamos até 35.000 decisões, que vão desde escolher a roupa que vamos vestir, a comida que vamos comer, atitudes cotidianas como caminhar ou até de ler este texto! Inclusive, todas as coisas que escolhemos não fazer também são decisões.

Todas elas são baseadas em uma série de aspectos, internos e externos, relacionados a humor, expectativa, bagagem, cultura e etc, que despertam em nós uma espécie de click entre fazer A ou B.

E é claro que essas decisões também estão diretamente relacionadas ao consumo.

Por isso, entender os critérios que levam as pessoas a optar por uma coisa no lugar de outra pode fazer toda a diferença na hora de elaborar a sua estratégia de Marketing.

É aí que entram os gatilhos mentais e por isso eles merecem nossa atenção.

Afinal, o que são gatilhos mentais?

Gatilhos mentais são as decisões que o nosso cérebro toma “no piloto automático” para evitar o nosso esgotamento diante de tantas escolhas.

É como se ele filtrasse quais decisões realmente precisam de uma atenção especial e, com as demais, ele simplesmente realizasse aquilo que já foi “educado” a fazer.

Observe, por exemplo, quando você está muito cansado mentalmente.

Algumas ações passam a acontecer de maneira automática e você sequer estava dando atenção a elas, ou mesmo percebeu do que se tratava.

Ou ainda quando decide caminhar. É como se o primeiro passo fosse dado de maneira consciente e os demais apenas estivessem acontecendo sem que você precise sequer pensar a respeito.

Ou seja: os gatilhos mentais são os facilitadores do nosso cérebro na hora da tomada de decisões ou atitudes.

Exemplos

Existem alguns gatilhos mentais que são mais facilmente observados em situações cotidianas.

Não se assuste caso se identifique com algum. Isso significa que você é uma pessoa normal.

Vamos listar alguns deles:

● Escassez: Você estava em um relacionamento e no início ele era incrível. De repente, ele(a) já não era grande coisa. Daí, vocês terminam. E de uma hora pra outra você começa a perceber a falta que essa pessoa passou a fazer em sua vida. Mas, você só notou isso depois que o(a) perdeu, certo? Por favor, não chore (até por que eu nem posso te oferecer um lencinho)! Esse é o gatilho da escassez. Você só notou o valor de uma coisa que tinha quando deixou de tê-la.

● Urgência: você não precisa de uma garrafa de refrigerante de cola de cor diferente. Você nem notava a embalagem até então. Até que você descobre que essa é uma edição limitada, ou seja, que em pouco tempo deixará de existir. Mesmo sem ser uma necessidade, você acredita que é, afinal, é uma coisa que tem prazo para acabar. Isso lembra um pouco o gatilho da escassez, mas dessa vez, você tem urgência na sua necessidade e por isso toma ações mais imediatas.

● Novidade: Você tem um celular. O modelo R5. E ele está ótimo! Só tem um problema: acabaram de lançar o R5². E você precisa dele! Por que ele é uma novidade! E além disso, a câmera dele tem 0,000000000002 megapixels a mais de resolução! É claro que você precisa (só que não).

● Prova social: Uma banda húngara instrumental vai fazer um show em sua cidade. Você nunca ouviu uma música sequer ou ao menos conhecia a banda antes de saber do show. Mas… todo mundo vai! Logo, você precisa ir, por que você faz parte de “todo mundo”, você conhece “todo mundo”, logo você quer estar com “todo mundo” e fazer o que “todo mundo” está fazendo.

P.S. Todo mundo está passando o Ano-Novo no litoral, logo você tem que passar também...

Como os gatilhos mentais atuam no marketing (e consequentemente nas vendas)

Você já notou como o nosso cérebro influencia na nossa tomada de decisões?

E isso acontece mesmo que, em muitos casos, elas não sejam relacionadas a uma necessidade real, mas, na verdade, uma necessidade gerada diante de uma determinada circunstância.

É a partir desse comportamento ativado pelos gatilhos mentais que muitas marcas elaboram campanhas ou promoções para que, de alguma maneira, uma pessoa se sinta incentivada a realizar uma compra que, sem essas motivações, talvez não faria ou adiaria.

* Analista de Marketing.


A voz misteriosa



Uma voz do além fala a um homem, aleatoriamente, na rua:

− Vou te dar duas alternativas: um plano A e um plano B para passares teus dias de coronavírus em casa sem contrair a doença. No plano A ficarás com tua mulher, teus filhos, tuas cunhadas e tua sogra dentro de casa por 100 dias. No plano...

− Eu quero o plano B!!!


quarta-feira, 25 de março de 2020

Encontrando um velho amigo



O ano era 2018, primeiro semestre. Encontro um velho amigo, professor das antigas, amigo do peito, apesar de divergimos politicamente. Noto que está feliz e pergunto a ele qual a razão de tanto entusiasmo:

− Amigo Nilo, encontrei a minha luz do fim do túnel, o meu farol, o meu salvador da pátria, o homem que vai garantir aos velhos um final de vida feliz, cuidando da nossa saúde e da nossa tranquilidade. O Messias chegou, já tenho em quem votar!

Sim, o candidato dele venceu.

Até uns dias atrás, ele até tinha um foto dele no seu facebook. Hoje, não sei por quê, ele retirou a foto. Estranho...

A primavera não sabia

Por Irene Vella


Era março de 2020, as ruas estavam vazias, as lojas fechadas, as pessoas não podiam mais sair. Mas a primavera não sabia, e as flores começaram a florescer, o sol brilhava, os pássaros cantavam, as andorinhas iam chegar em breve, o céu estava azul, a manhã chegava mais cedo. Era março de 2020...

Os jovens tinham que estudar on-line e encontrar ocupações em casa, as pessoas não podiam fazer compras nem ir ao cabeleireiro. Em breve, não haveria mais espaço nos hospitais, e as pessoas continuavam ficando doentes.

Mas a primavera não sabia. A hora de ir ao jardim estava chegando, a relva ficava verde. Era março de 2020...

As pessoas foram colocadas em contenção, para proteger avós, famílias e crianças. Chega de reuniões, nem refeições, festas com a família. O medo se tornou real e os dias eram parecidos.

Mas a primavera não sabia, as macieiras, cerejeiras e outras floresceram, as folhas cresceram.

As pessoas começaram a ler, a brincar com a família, cantando na varanda convidando os vizinhos a fazerem o mesmo, aprenderam uma nova língua, a serem solidários e se concentraram em outros valores.

As pessoas perceberam a importância da saúde, o sofrimento, deste mundo que parou, da economia que caiu.

Mas a primavera não sabia. As flores deixaram seu lugar para a fruta, os pássaros fizeram o ninho, as andorinhas chegaram.

Então o dia da libertação chegou, as pessoas souberam pela TV que o vírus tinha perdido a batalha, as pessoas saiam para a rua, cantavam, choravam, beijando seus vizinhos, sem máscaras nem luvas.

E foi aí que o verão chegou, porque a primavera não sabia. Ela continuou lá apesar de tudo, apesar do vírus, do medo e da morte. Porque a primavera não sabia, ela ensinou as pessoas o poder da vida.

*****

P.S. A leitura desse texto está na internet. Vale a pena ouvi-lo

Entrevista com Irene Vella

“Era 11 de março de 2020...” começa seu poema. Como nasceu, onde você estava, com quem estava quando o escreveu?

Eu estava na minha cozinha, sentada num banquinho, tinha acabado de dar uma volta no jardim para verificar o florescimento das árvores. Eu estava empolgada, havia um sol louco e as cores do céu pareciam pintadas, comecei a fotografar os botões de magnólia, as bolas de mimosa e a procurar botões brancos na ameixeira. Em uma fração de segundo, esqueci as quase três semanas de quarentena voluntária, já que meu marido está imunossuprimido e a mente começou a voar. Por isso fui para casa, peguei o telefone e o desliguei diretamente na minha página de perfil do Facebook, junto com fotos do jardim. Era 11 de março de 2020, e as palavras saíram por conta própria, como Vasco diz. Eles se encaixaram perfeitamente e criaram um pequeno milagre. Todos se identificaram e começaram a executá-lo, primeiro nas redes sociais, depois no whatsapp, em poucas horas se tornou viral. Infelizmente, existem aqueles que tentaram levar o crédito por isso, mas, como boa mãe, fiz de tudo para ser reconhecida pela maternidade de minhas palavras.

Seu poema foi compartilhado por milhares de pessoas. Há uma enorme necessidade de esperança...

As pessoas precisam saber que haverá um amanhã, elas precisam acreditar que os maus tempos vão passar, dando lugar a novos. Elas precisam saber que haverá novas memórias, novas jornadas e que esse momento em breve será apenas uma lembrança. Sou treinada como no ano passado, minha vida mudou novamente, mais uma vez, porque depois de ter lutado para me tornar um dos correspondentes de Mattino 5no Veneto, tive que sair do local com grande pesar, devido a uma infecção súbita que causou a deterioração da função renal do meu marido. Ele passou por três internações em menos de três meses e eu o escolhi. Eu escolhi minha família. Mas foi uma escolha difícil. Dura. Às vezes sofria tanto que achava que tinha ficado sem lágrimas. Quando você é jornalista de TV e de repente sente falta do microfone e da câmera de vídeo para contar as histórias de outras pessoas, é como se estivesse perdendo sua voz. É como se eu apenas ouvisse o eco do silêncio. Mais uma vez, foi meu marido quem me ajudou a sair dessa “quase depressão”. Aquele que sempre acreditou em mim e na força de minhas palavras, pediu que eu não me derrubasse, acreditasse em mim mesma, continuando a escrever. Ele sempre pensou que um dia eu seria capaz de alcançar o coração de muitas pessoas. Ele estava certo.

Hoje você escreveu na sua página do Facebook “somos mais fortes do que tudo e não haverá nenhum coronavírus para tirar o nosso sorriso, porque venceremos no final”. De onde você tira toda essa força?

Da minha família, do amor que cada um de nós sente pelo outro. Eu vou te dar um exemplo. Quando Chiara Ferragni postou meu poema ontem, fiquei emocionada e comecei a gritar como louca, estava chorando um pouco, estava rindo um pouco, porque imaginava que naquele momento todos saberiam que o poema era meu. Os amigos da minha filha começaram a escrever para ela no whatsapp sobre o que estava acontecendo e ela respondeu: “Minha mãe merece. Ele realmente merece isso”. Estamos falando de uma garota de vinte anos que nunca saiu para proteger seu pai. Eles me dão força. Eu sempre estarei lá para eles. Eles sempre estarão lá para mim.

Agora uma pergunta que tem um sabor especial hoje em dia: planos para o futuro?

Após este ano de descanso forçado, espero voltar a colaborar com a TV, após esse período muito ruim, talvez sempre como correspondente para contar as histórias das pessoas, ou através das páginas de alguns jornais ou site. Ou por que não, dos três. Sonho com uma coluna que me dê a oportunidade de contar a vida cotidiana de cada um de nós através de minhas palavras. Afinal, se eu posso sonhar... eu faço isso grande.

terça-feira, 24 de março de 2020

Os nomes dados a terra descoberta

Cassiano Ricardo


Por se tratar de uma ilha deram-lhe o nome
de Ilha de Vera-Cruz.
Ilha cheia de graça.
Ilha cheia de pássaros.
Ilha cheia de luz

Ilha verde onde havia
mulheres morenas e nuas
anhangás a sonhar com histórias de luas
e cantos bárbaros de pajés em poracés batendo os pés.

Depois mudaram-lhe o nome
pra Terra de Santa Cruz.
Terra cheia de graça.
Terra cheia de pássaros.
Terra cheia de luz.

A grande terra girassol onde havia guerreiros de tanga e
onças ruivas deitadas à sombra das árvores
mosqueadas de sol.

Mas como houvesse em abundância,
certa madeira cor de sangue, cor de brasa
e como o fogo da manhã selvagem
fosse um brasido no carvão noturno da paisagem,
e como a Terra fosse de árvores vermelhas
e se houvesse mostrado assaz gentil,
deram-lhe o nome de Brasil.

Brasil cheio de graça.
Brasil cheio de pássaros.
Brasil cheio de luz.

O que é empatia?



Empatia significa a capacidade psicológica compreender o sentimento ou reação da outra pessoa imaginando-se nas mesmas circunstâncias que ela, analisando e percebendo a sua visão da realidade, postura e opiniões livres de preconceitos.

Empatia significa, ainda, a capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Consiste em tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente o outro indivíduo.

A empatia é diferente da simpatia, porque a simpatia é majoritariamente uma resposta intelectual, enquanto a empatia é uma fusão emotiva. Enquanto a simpatia indica uma vontade de estar na presença de outra pessoa e de agradá-la, a empatia faz brotar uma vontade de compreender e conhecer outra pessoa.

Definição:

● Origem: De “em + phatos (Gr) + ia (estado de alma)”. Ainda, a palavra vem do grego empatheia, que significa “paixão” (pelo outro).

● Sinônimos: Compreensão, simpatia, identificação, afinidade, entendimento, sintonia.

● Antônimos: Indiferença, antipatia, aversão, estranhamento, repúdio, repulsa, repugnância, desprezo, resistência.

● Classe gramatical: Substantivo feminino.

Saiba mais sobre o conceito de empatia…


A empatia nada mais é que a capacidade psicológica que uma pessoa pode ter de compreender os sentimentos, emoções e reações de outra, de maneira objetiva, racional e livre de preconceitos, como se estivesse em uma mesma situação vivenciada por esta. Na prática, trata-se da capacidade de se colocar no lugar do outro, o que pode ajudar não só o próximo, como também a si, na compreensão da convivência humana.

Segundo o autor Augusto Cury, “A capacidade de se colocar no lugar do outro é uma das funções mais importantes da inteligência. Demonstra o grau de maturidade do ser humano”. Afinal, é entendendo o outro que podemos descobrir mais de nós mesmos, ajudando-nos em conjunto.

A empatia está diretamente relacionada ao altruísmo (interesse e amor pelo próximo) e, ainda, a capacidade de ajudar. E isso acontece quando um indivíduo consegue sentir a dor, tristeza, medo, alegria e angústia do outro, ao colocar-se no seu lugar, que é de onde parte a vontade de ajudá-lo.

Portanto, ser uma pessoa empática significa ter afinidades e identificar-se com outra pessoa, através da habilidade de saber ouvi-la e compreender as suas emoções e problemas. Quando alguém diz que “houve empatia imediata entre nós”, quer dizer que houve uma identificação imediata e compatibilidade, um sentimento de alegria, prazer, satisfação para com a outra, ou seja, o oposto da antipatia.

De um modo geral, entende-se por empatia uma comunicação afetiva com outra pessoa, que, por sua vez, é um dos fundamentos da identificação e compreensão psicológica de outros indivíduos. Neste sentido, essa capacidade psicológica é diferente da simpatia, já que esta diz respeito majoritariamente a uma resposta intelectual, enquanto a empatia é uma fusão emotiva.

Ou seja, uma pessoa simpática sente vontade de estar na presença de outra pessoa e de tentar agradá-la, enquanto uma pessoa empática possui a vontade de conhecer a fundo e entender a outra pessoa. Na psicanálise, por exemplo, a empatia está relacionada à capacidade de um terapeuta de se identificar com o seu paciente, resultando em uma conexão intuitiva e afetiva.

Como é uma pessoa empática?


Uma pessoa empática, ou seja, dotada da capacidade de se colocar no lugar do outro, possui algumas características e atitudes no dia a dia que visam sempre ajudar e tentar entender os demais indivíduos à sua volta, tais como:

● Quando não usa apenas palavras para consolar alguém em uma situação ruim, mas também um abraço, um beijo, um tapinha no ombro e uma carícia.

● Quando aprende a ouvir e compreender os sentimentos dos outros sem estar tão dependente das próprias palavras e dela mesma.

● Quando se expressa com cortesia e delicadeza.

● Quando alguém está com um problema e a ajuda, por exemplo, com senso de humor.

● Quando não mostra atitudes de irritação, aborrecimento e cansaço diante daquilo que aos outros conta.

● Quando consegue fazer, por exemplo, com que uma criança ou idoso compreenda que os entendeu.

● Quando não faz uma piada, comentário ou uma brincadeira que sabe que vai chatear o outro.

● Quando é capaz de trazer calma aos outros e os ajuda a resolver problemas.

E aí? Gostou de saber o significado da palavra empatia? Então, compartilhe este texto nas suas redes sociais para que os seus amigos também entendam mais sobre esse assunto!

(Do blog definição.net)