terça-feira, 10 de março de 2020

Caso Dreyfus: Eu acuso!



Alfred Dreyfus*

(1859-1935)
  
J’accuse!, em português “Eu acuso”, é o título da carta aberta (artigo) publicado em 13 de janeiro de 1898 no jornal L’Aurore, escrita pelo romancista e ativista político francês Émile Zola (1840–1902) e dirigida ao então presidente Félix Faure. Trata-se de uma contundente e implacável “denúncia” contra os oficiais que ocultaram a verdade no caótico caso em que o oficial francês de origem judaica Alfred Dreyfus, foi acusado injustamente de traição e espionagem. O Caso Dreyfus, é sem dúvida um dos maiores e mais polêmicos casos de erro judiciário da história. Em razão da carta aberta, Zola acabou sendo processado e condenado por difamação.

O Caso Dreyfus

A partir da interceptação de uma carta, em setembro de 1894, cujo conteúdo teria segredos estratégicos, o Estado-Maior francês sai à busca de um culpado e depois de breves investigações chega ao capitão Alfred Dreyfus, acusado de espionagem em favor da Alemanha, aparentemente segundo algumas evidências grafológicas, elas mesmas, aliás, de caráter duvidoso. De todo o volumoso dossiê da acusação, somente foi exibido o chamado bordereau, carta supostamente escrita por Dreyfus, endereçada ao adido militar alemão, Schwartzkoppen.

A história começa a mudar quando em junho de 1895 o tenente-coronel Picquard tornou-se chefe da Seção de Estatística do Estado-Maior, na realidade encarregada de informações e contraespionagem. Sendo certo que o caso começou a ter uma reviravolta quando “em maio de 1896, Picquard disse ao chefe do Estado-Maior, Boisdeffre, que estava convencido da inocência de Dreyfus e da culpabilidade de um outro oficial, major Walsin-Esterhazy. Seis meses mais tarde, Picquard foi removido para um perigoso posto na Tunísia”.

É fato que em agosto de 1898 Walsin-Esterhazy foi reformado por crime de peculato. Walsin-Esterhazy logo contou a um jornalista inglês, que ele – e não Dreyfus – era o autor do famigerado bordereau, tendo forjado a letra de Dreyfus por ordem do coronel Sandherr, seu superior e antigo chefe da Seção de Estatística.

Somente quatro anos após a morte de Zola (29/9/1902), é que em 1906 o Exército francês acabou, admitindo o grande e irreparável erro, reintegrando Alfred Dreyfus, que chegou a receber uma medalha da Legião de Honra. Dreyfus morreu em 1935.

(Do blog Justifcando)

Trecho de “Eu Acuso…!”


Emile Zola

(1840-1902)

“Eu acuso o tenente-coronel du Paty de Clam de ter sido o operário diabólico desse erro judiciário, inconscientemente, quero acreditar, e de haver, em seguida, defendido sua obra nefasta, durante três anos, por meio das mais absurdas e culpáveis maquinações.

Eu acuso o general Mércier de ter se tornado cúmplice, ao menos por fraqueza de espírito, de uma das maiores iniquidades do século.

Eu acuso o general Billot de ter nas mãos as provas verdadeiras da inocência de Dreyfus e de havê-las abafado, de ter se tornado culpado desse crime de lesa-humanidade e de lesa-justiça, com objetivos políticos e para salvar o Estado-Maior comprometido.

Eu acuso o general de Boisdeffre e o general Gonse de terem se tornado cúmplices do mesmo crime, um sem sombra de dúvida pelo ardor clerical, o outro talvez por esse espírito de corpo que torna as divisões do Ministério da Guerra a Arca Santa, inatacável.

Eu acuso o general de Pellieux e o comandante Ravary de terem feito uma investigação infame, eu entendo por isso uma investigação da mais monstruosa parcialidade, da qual temos, no relatório do segundo, um monumento imortal de uma audácia ingênua.

Eu acuso os três experts em caligrafia, os senhores Belhomme, Varinard e Couard, de terem feito relatórios mentirosos e fraudulentos, a menos que um exame médico os declare portadores de uma doença da vista e do juízo.

Eu acuso as divisões do Ministério da Guerra de terem desencadeado na imprensa, particularmente no L’Éclair e no L’Écho de Paris, uma campanha abominável, para enganar a opinião pública e acobertar as suas falhas.

Eu acuso, enfim, o primeiro Conselho de Guerra de ter violado o direito, condenando um réu com base em um documento que permaneceu secreto, e eu acuso o segundo Conselho de Guerra de ter acobertado esta ilegalidade, […], cometendo, por seu turno, o crime jurídico de absolver conscientemente um culpado.

Ao fazer essas acusações, eu não ignoro que me inscrevo nos artigos 30 e 31 da lei de imprensa de 29 de julho de 1881, que pune os delitos de difamação. E é voluntariamente que me exponho.

Quanto às pessoas que eu acuso, eu não as conheço, nunca as vi, não tenho contra elas nem rancor nem ódio. Elas são para mim apenas entidades, os espíritos da maldade social. O ato que realizo aqui é um meio revolucionário para acelerar a explosão da verdade e da justiça.

Eu tenho apenas uma paixão, a da verdade, em nome da humanidade que tanto sofreu e que tem direito à felicidade. Meu protesto inflamado é o grito da minha alma. Que ousem, portanto, me levar ao tribunal do júri e que a investigação aconteça em pleno dia!

Eu espero.

Queira receber, senhor Presidente, a certeza do meu mais profundo respeito.”

Fonte: Zola, Émile. L’Affaire Dreyfus. La vérité en marche. Paris: GF-Flammarion, 1969.


Alfred Dreyfus, tendo sua espada de oficial quebrada,
degradação como oficial.


Alfred Dreyfus no julgamento


Alfred Dryfus e filhos

*Alfred Dreyfus; Mulhouse, 9 de outubro de 1859 - Paris, 12 de julho de 1935 foi um capitão da artilharia do exército francês de e origem judaica. Injustamente acusado e condenado por traição - depois anistiado e reabilitado - foi o centro de um famoso episódio de conotações sociais e políticas, durante a Terceira República Francesa, e que ficou conhecido como o Caso Dreyfus.


P.S. Assista ao filme “O oficial e o espião”, de Roman Polanski.

Sinopse e detalhes

 “O oficial e o espião se passa em Paris, final do século 19. O capitão francês Alfred Dreyfus é um dos poucos judeus que faz parte do exército. No dia 22 de dezembro de 1884, seus inimigos alcançam seu objetivo: conseguem fazer com que Dreyfus seja acusado de alta traição. Pelo crime, julgado a portas fechadas, o capitão é sentenciado à prisão perpétua no exílio. Intrigado com a evolução do caso, o investigador Picquart decide seguir as pistas para desvendar o mistério por trás da condenação de Dreyfus.


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