Publicado no O
Athleta de 24 de outubro de 1886 e assinado Bitu
(um dos pseudônimos
de Luiz Nascimento Santos)
É moda
Tudo é moda, até dizer-se o que não se sente e sentir-se o
que não se diz.
Não sei quem disse isto; mas quem disse tinha razão.
Uma moça conversando com um rapaz bem desempenado, de fácil
verbiagem, dizia-lhe com o ar todo afetado:
− Senhor F… pelo o que o senhor
acaba de dizer-me, detesta a maneira exagerada de usarem as modas hoje em dia?…
− Na verdade, minha senhora: e
mil vezes bem digo a sorte por ter nascido homem, quando vejo passar-me pela
frente essas moças, todas cheias de barbatanas, polvilhos, tintas, algodões e
de tantas outras composições, que as francesas têm inventado para fazer do feio
belo, do gordo magro, do pardo branco…
− Pois pensa inteiramente como
eu… são coisas estas, que não só aborreço como também detesto.
− Pois então somos dois a pensar da mesma forma?!…
− Oh! naturalmente…
− Pois creia minha senhora…
Nisto entra o moleque da casa com
um embrulho, e depositando-o sobre uma cadeira, diz todo vitorioso: “nhanhãzinha”,
o seu Juca deu a anquinha por um patacão, e mandou dizer pra nhanhãzinha que
recebeu daqueles pós que nhanhãzinha…”
− Minha senhora, sente-se incomodada? Está vermelha… o que
tem…
− Não é nada, costumo… sim… a enxaqueca…
− Queira receber as minhas
despedidas e permita-me vir amanhã, saber de sua apreciável saúde…
− Pois não… quero dizer, queira não incomodar-se…
Saiu o homem… atravessou a rua…
quis fazer um cumprimento ainda à moça da anquinha e teve a decepção de ver a
sua cabeleira descolar-se do seu caco nu e descrever um semicírculo na sua
frente…
Oh! malditas anquinhas*!…
*****
* Anquinhas: pequenas ancas. Almofada
ou armação que as mulheres usavam sob a saia, para entufá-la, fazer aumentar de
volume, fazer inchar ou inchar-se; atufar(-se).
*Nhanhã: apelido afetuoso de
determinadas pessoas. Nhanhãzinha é uma palavra usada com carinho.
Impagabilíssimos chinós!…
Publicado no O
Athleta de 14 de julho de 1886 e assinado Sancho
(um dos pseudônimos
de Luiz Nascimento Santos*)
No baile do recreio vi-a pela
primeira vez, ainda me lembro bem, foi numa quinta-feira. Ela negociava uma
caixinha de pós de arroz, com o Gama, na loja do Felizardo. Pisquei-lhe um
olho, ela compreendeu.
A negrita que acompanhava a
família estava à porta. Dei-lhe um níquel e fiquei logo ciente que Iaiá ia ao
baile do Recreio.
Chegara o sábado. O Cosmopolita estava repleto das mais
esplêndidas flores do nosso jardim.
Magnífica soirée.
Dançava-se com frenesi.
Fazia as honras da sala o simpático diretor, o roliço
Guilherme.
Iaiá lá estava. Cumprimentei-a e tirei-a para uma valsa.
Ressoaram no salão as notas
brilhantes de uma composição de Strauss. Cingindo aquela cinturinha breve, quis
falar-lhe do meu amor. Pela primeira vez achei-me acanhado e senti que a amava
deveras.
Guardar-me-ia para a quinta
quadrilha. Armar-me-ia de coragem e estabeleceríamos as bases do nosso
casamento.
Passeávamos na sala acalentando eu essa ideia, que me viera
tirar de uma crítica posição.
Chega-se a nós, choramingas a
morder um esquecido, uma encantadora criancinha. Agarra-se ao vestido da Iaiá,
e com a mão esquerda a coçar-lhe o canto da vista repete-lhe três vezes:
– Eu quero ir pra casa, eu tô cum sono.
– Que belo irmãozinho.
– Não tenho irmãos. Este é o meu filhinho mais velho.
Fiquei enfiado e viria para casa sem chapéu se o marido de
Iaiá não me dissesse a chacotear.
– O Senhor, vai sem cabeça?!…
*****
(Crônicas transcritas
do livro “Lunara Amador 1900” ,
de Eneida Serrano)
* Luiz do Nascimento Ramos (Porto
Alegre RS 1864 − idem 1937). Fotógrafo e comerciante. Sabe-se que atua em Porto Alegre nas
primeiras décadas do século XX, mas não há dados a respeito de sua formação.
Começa a trabalhar como guarda-livros, tornando-se mais tarde sócio da firma de
importações Franco, Ramos & Cia. Fotógrafo amador, integra a associação
Sploro Photo-Club, em
Porto Alegre , e registra a periferia da cidade aos domingos.
Utiliza o pseudônimo Lunara para expor suas imagens.
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