Luís Fernando
Veríssimo
A inacreditável fala do
presidente na terça-feira acabou com a profissão de intérprete de panelaços,
criada na era Bolsonaro & Filhos. Um intérprete de panelaços era quem
distinguia um panelaço de outro, já que os panelaços tanto podiam ser a favor
ou contra o governo, e um panelaço no Leblon não era igual a um panelaço em
outro lugar.
Até pouco tempo, era fácil
interpretar panelaços, ouvidos sempre em zonas de alto poder aquisitivo ou alta
classe média. Não havia dúvida sobre quem estava nas janelas e nas sacadas dos
edifícios, batendo em frigideiras, travessas e surdos improvisados, em apoio ao
governo que tinha ajudado a eleger com seu barulho.
Hoje, há panelaços feitos nos
mesmos edifícios, supõe-se que pelas mesmas pessoas, mas acompanhados de gritos
de “Fora, Bolsonaro!”, o que só prova como são volúveis nossas elites, como é
difícil fazer sociologia a curto prazo no Brasil e, principalmente, a falta que
faz um bom intérprete de panelas para nos orientar.
Nenhuma novidade no fato de um
governo perder apoio na prática de governar. Promessas de campanha são como
juras de amor, servem para seduzir, não necessariamente para durar. Mas, no
caso da desilusão com Bolsonaro & Filhos, a decepção foi maior porque a expectativa
dos seus 57 milhões de eleitores – espantosa, conhecendo-se a biografia e a
personalidade do candidato – era maior. Digam o que disserem do Bolsonaro &
Filhos, eles nunca esconderam o que eram, ou chegaram ao poder disfarçados de
outra coisa. O que os 57 milhões elegeram foi isso aí mesmo.
Quanto à mudança dos panelaços de
a favor do governo para contra o governo, a causa, entre outras, é o desempenho
de Bolsonaro & Filhos na guerra contra a peste que nos assola, como ficou
evidente na fala inacreditável da terça-feira. Não sei como estão sendo
interpretados os panelaços do Leblon, mas, se são sinais de insatisfação,
também são sinais de conscientização, e nos servem. Portanto, não pergunte por
quem soam as panelas do Leblon, elas soam por você.
(Do jornal Zero Hora, 26 de março de 2020)
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