Eduardo Bueno
Há sinais claros de que o
presidente não se cuidou − ou cuidou-se tarde demais. Mas não foi por falta de
aviso.
A epidemia já era fato consumado
e ele seguia disposto a negá-la, ou minimizá-la, mantendo os contatos típicos
da política. Sendo idoso, e ainda em recuperação das afiadas agruras da campanha,
estava duplamente no grupo de risco. Mas os homens do presidente sabiam que ele
era um cabeça-dura. Então, o óbvio aconteceu: o presidente contraiu o vírus.
Todos os cuidados lhe foram dispensados, claro. Seus filhos, sempre próximos,
padeceram em vigília ao lado do leito do enfermo. Como não havia cura, nem
vacina, a agonia foi lenta e pesarosa.
E o presidente veio a falecer.
Como ditava a Constituição, o
vice tomou posse. Na prática, já vinha exercendo o cargo: o presidente eleito
dava sinais de doença desde antes da posse e nem chegara a assumir. Sua morte
só oficializou a situação. Mas havia dois problemas: por não se terem
completado dois anos de mandato, era preciso convocar novas eleições. E o vice
em exercício também estava doente: não (ainda) acometido pelos vírus, mas por
uma bactéria. Ele tinha sífilis. Por conta da moléstia, manifestava frequente
“lacunas em seu pensamento; era reticente”. Tão reticente quanto seu breve
governo, que passaria à História com o apelido de “regência republicana”.
Com o mundo recém saído da
guerra, novas eleições foram convocadas. A campanha foi curta, mas turbulenta.
Venceu um ministro aposentado do STF. Ocorre que o eleito obtivera a
aposentadoria precoce do cargo alegando “incapacidade física permanente”. E,
quando o resultado foi anunciado, nem estava no Brasil − estava em Paris. Mas pegou navio
de volta e assumiu o trono, ops, a Presidência em nova afronta à lei. O vice
voltou a ser vice, mas morreu logo depois.
Faz exatos cem anos, mas parece
que foi hoje.
Dando nome aos bois: o
“conselheiro” Rodrigues Alves foi eleito presidente do Brasil (pela segunda
vez) em novembro de 1918. Morreu de gripe espanhola em 17 de janeiro de 1919,
sem tomar posse. O vice Delfim Moreira virou presidente, mesmo sem poder. O
ministro do STF aposentado Epitácio Pessoa foi eleito em abril de 1919 e
assumiu o governo em 28 de julho, Delfim voltou a ser vice, mas bateu as botas
em 1º de julho de 1920. Os exames mostravam que, além da sífilis, contraíra o
vírus da gripe. Parece que ao visitar o falecido presidente.
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Rodrigues Alves
↑
Delfim Moreira
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Epitácio Pessoa
Em tempo, a 30 de maio de 1918,
morreu em Nova York
um certo Frederick Trump. Causa mortis? Gripe espanhola. Não há registros de
que Rodrigues Alves e vovô Trump tenham se encontrado.
↑
Frederick Trump
Dizem que a História sempre se
repete, como farsa ou como tragédia. Não sei se é verdade. Mas sei que vivemos
no tempo dos farsantes.
(Em Zero Hora , 20 de março
de 2020)
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