Juremir Machado da
Silva
Foi então que parou de escrever
longos e elaborados textos. Já havia dito tudo. Era tão pouco. Resolveu dizer
mais com menos. Saiu pelos campos, olhou o céu de um azul infinito e exclamou:
“Eis tudo”.
A avó, aos 101 anos de idade,
achava-se jovem para morrer e velha para lembrar de todas as suas jornadas.
Passava a mão direita no rosto sulcado pelo tempo e explicava com voz rouca e
cadenciada: “Plantei muito na vida. Nem sempre colhi. Plantaria tudo de novo”.
Contava-se, por necessidade de
contar para quebrar o silêncio e recompor a vida, que ele chegara ao povoado em
1969. Trazia um violão, um livro volumoso e um sorriso que parecia nunca se
desfazer. Devia andar pelos 30 anos. Era bonito. Assustou as famílias, deslumbrou
as moças, provocou inveja nos rapazes, inquietou as autoridades. Até hoje,
quando se contam coisas para reconstruir o tempo, todos se perguntam: quem
seria aquele homem que apareceu e sumiu como veio?
Rodolfo Costa foi jornalista,
editor de O Maragato. Quando o acossavam no Brasil, fugiu para o Uruguai com
seu jornal nas costas. Quando o perseguiam na Banda Oriental, cruzava de volta
a linha divisória. De um lado ou de outro, soltava o verbo. A sua arte era a
polêmica. Em torno dele, mitologias, lendas e frases que se perderam. Dizia-se
nos bolichos por onde passava que ele não se gabava da força da sua pena nem da
violência dos seus artigos. Quando o minuano soprava forte, sem que jamais se
tenha sabido a razão da influência do vento sobre o seu humor, sussurrava em
portunhol: “Se hay poder e poderosos, tengo sempre umas palavrinhas para lhes
atirar no lombo”.
Chegou do campo e inclinou-se
para beijar a esposa. Ela estava cansada de um longo dia costurando. Rejeitou o
abraço e o beijo com um gesto seco de aborrecimento. Ele saiu, olhou o sol que
caía e jurou nunca mais lhe dirigir a palavra. Amou-a em silêncio por 51 anos.
Era um menino que fazia
perguntas. O pai queria ensinar-lhe sobre o passado para que tivesse futuro.
Estavam os dois contemplando o crepúsculo, o sol caindo por trás das coxilhas.
O pai, enlevado, disse: “Tudo isso é nosso”. O filho sorriu. Tinha dez anos de
idade. Perguntou candidamente: “De quem seria tudo isso lá por 1500?”.
Diziam que estava muito velho e
cansado. Faria 80 anos em
abril. Ainda dirigia o seu táxi todas as manhãs. Sofria,
porém, a dura concorrência dos aplicativos, que se recusava a compreender. Por
fim, resolveu parar. Aos que lhe perguntaram, explicou: “Chegou a hora de
descansar um pouco”. Um amigo, contudo, insistiu: “Que vais fazer?”. Ele
respondeu contente: “Trabalhar naquilo que nunca pude”.
Não se casou. Um dia, sem razão
alguma, confessou: “Nunca consegui me divorciar do meu primeiro amor, que nem
soube de mim”.
(Do Correio do Povo,
março de 2020)
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