domingo, 15 de março de 2020

Instruções dum barão novo, a um criado velho.

Faustino Xavier de Novais*


Ó João!... anda cá, quero falar-te,
Pra ensinar-te a viver d’hoje em diante;
E nada tens depois pra desculpar-te,
Se um dia eu te chamar tolo ou tratante!
Ora olha se escutas bem!
Hein?...

No modo de tratar é mister que andes
Com mais delicadeza, e com cuidado:
Olha que já não sou Sêo Zé Fernandes,
Como sempre até aqui me tens chamado!
Se não és homem capaz...
Zás!...

E não te queixes! – graças aos soberanos,
Sou hoje Sêo Barão de cascas d’alhos:
Já servi, como tu – e há poucos anos
Que pra sempre deixei esses trabalhos! –
Inda tu serás barão,
João!

E não te rias! – olha que o dinheiro
É capaz de fazer virar-se o mundo!
Não hás de ser barão ou conselheiro,
Só porque outrora foi carreiro imundo
Teu pai ou teu avô?...
Bô!...

Não chames a tua ama – Sêra Aninhas,
Que ela agora é também – Sê Baronesa;
Se vier a Maria das Soquinhas,
Ou outra minha irmã, Ana Teresa,
“Está cá o meu irmão?”
– Não! –

Que não saiba ninguém que essas mulheres
São irmãs dum fidalgo tão distinto;
E previne-as tu lá, como puderes,
Que ouvir delas um – tu – já não consinto!
Que elas o não saibam já,
Vá!

Carreiros todos são os meus parentes,
E não sabem tratar com gente nobre;
Mas quando traga algum roupas decentes,
E tu vejas que à porta se descobre,
E – “O sêo Barão está cá?”
– Está! –

Sempre à porta estarás – e tem paciência,
Que para outros serviços te não chamo:
Darás a toda a gente uma excelência,
Pra que saibam, assim, que a tem teu amo;
E se algum se rir de mau,
Pau!...

E quando no portal juntos estejam
À espera de teu amo, alguns sujeitos;
Embora malcriados eles sejam,
E conversem, notando-me defeitos,
Tu, como quem não ouviu,
Psiu!...

Inda mesmo que algum mais atrevido
Diga que rico sou por ser tratante,
Que sou por grande parvo conhecido,
E, por minha conduta degradante,
Na nobreza um labéu,
Chéu!...

Não te esqueças, João, do que te digo,
Nem faltes ao programa um só momento;
Bem vês que hoje um Barão é grande amigo!
E atende a que o teu regulamento,
Sem falta começará
Já!

Se um vosmecê me dás, ou à tua ama,
Tomando contra ti, por mariola,
Vingança que esse crime atroz reclama,
Fecho-te... lanço mão duma pistola,
E sem ter pesar algum,
Pum!...


*Faustino Xavier de Novaes (Porto, 17 de fevereiro de 1820 - Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1869) foi um jornalista, poeta e escritor português radicado no Rio de Janeiro, melhor conhecido como irmão de Carolina Augusta Xavier de Novais, esposa de Machado de Assis, e amigo do escritor. Foto abaixo.


Morre Faustino Xavier de Novais a 16 de agosto de 1869, pouco antes do casamento entre Machado e Carolina. Praticamente quase toda a edição de 29 de agosto da Semana Ilustrada, onde Joaquim Maria vinha colaborando desde 1860, foi dedicada ao desaparecimento do poeta, publicando-lhe nota biográfica, algumas de suas poesias e um poema que Machado de Assis escreveu em sua homenagem. Os dois haviam se conhecido no Grêmio Literário Português, através de Augusto Emílio Zaluar, e ficaram mais íntimos durante o convívio na redação da revista O Futuro.

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