segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Falando melhor

 

A fim de melhorar o corrompido vocabulário de todos, segue abaixo uma lista de formas mais refinadas de falarmos as coisas de sempre. 

* Romper a face → Quebrar a cara 

* Creditar o primata → Pagar o mico 

* Inflar o volume da bolsa escrotal → Encher o saco 

* Impulsionar a extremidade do membro inferior contra a região glútea de alguém → Dar um pé na bunda 

* Deglutir o batráquio → Engolir o sapo 

* Colocar o prolongamento caudal em meio aos membros inferiores. → Meter o rabo entre as pernas 

* Derrubar com intenções mortais → Cair matando 

* Sequer considerar a utilização de um longo pedaço de madeira. → Nem a pau 

* Sequer considerar a possibilidade da fêmea bovina expirar fortes contrações laringo-bucais. → Nem que a vaca tussa 

* Sequer considerar a utilização de instrumentos metálicos derivados do ferro. → Nem ferrando 

* Derramar água pelo chão através do tombamento violento e premeditado de seu recipiente. → Chutar o balde

Tudo está no seu lugar

 Canção de Benito di Paula

Tudo está no seu lugar,
Graças a Deus, graças a Deus.
Não devemos esquecer de dizer:
Graças a Deus, graças a Deus.
 

Tudo está no seu lugar,
Graças a Deus, graças a Deus.
Não devemos esquecer de dizer:
Graças a Deus, graças a Deus.

Quero ver o sorriso estampado
Bem na cara dessa gente,
Quero ver quem vai, quem fica,
Ou quem chega de repente.

Quando chego do trabalho
Digo a Deus, muito obrigado,
Canto samba a noite inteira
No domingo e feriado.
 

Tudo está no seu lugar, diz:
Graças a Deus, graças a Deus
Não devemos esquecer de dizer:
Graças a Deus, graças a Deus.
 

Tudo está no seu lugar
Graças a Deus, graças a Deus
Não devemos esquecer de dizer
Graças a Deus, graças a Deus.
 

Quero ver o sorriso estampado
Bem na cara dessa gente,
Quero ver quem vai, quem fica,
Ou quem chega de repente.

Quando chego do trabalho
Digo a Deus, muito obrigado
Canto samba a noite inteira
No domingo e feriado.

domingo, 30 de outubro de 2022

A receita infalível para criar um imbecil é mimá-lo

 

O historiador Leandro Karnal foi a atração da palestra show anual promovida pela Associação de Pequenas e Médias Empresas (Apeme), em Garibaldi, na serra gaúcha. A plateia de cerca de 1,4 mil pessoas acompanhou a apresentação repleta de críticas, análises e humor ácido. 

— Senhores pais, saibam que a receita infalível para formar um imbecil é mimá-lo. Façam tudo por seu filho. Não permitam que ele sofra e ele será um completo idiota ao ponto de que sua única alternativa será se tornar um político — disse, sendo ovacionado. 

Em outro momento, elucidou o sentido do esforço com metáfora.  

— Esforço é banho. Se você parar, fede. Assim é a reputação. Levamos anos para construí-la e com uma frase preconceituosa ou post infeliz podemos destruí-la em segundos. 

Ao longo da última semana, a Apeme solicitou que o público enviasse perguntas ao Karnal. Elas foram respondidas e o resultado está abaixo: 

José Antonio Camargo – Karnal, qual o Brasil dos seus sonhos? 

Um Brasil que priorize a educação. Se houver ênfase em educação de qualidade na massa pública, talvez a gente consiga pensar claramente quando vamos conseguir uma elite dirigente digna, proporcional ao esforço da população. Nós estamos em um encontro de pequenos e médios empresários que buscam o melhor preço para o cliente. Essa lógica deve entrar na política: buscar uma justiça básica administrativa. Não basta ser honesto, mas também competente. Feito isso não se atinge o paraíso, mas se evita o inferno. 

(...) 

(Cultura e Lazer – GZH, 17.03.2018)

Uma entrevista póstuma do poeta

Jornalista organizou perguntas e respostas a partir de depoimentos e escritos de Quintana colhidos em livros, poemas e publicações na imprensa. 

Por Antônio Goulart*

 Quintana na praça dos livros, em foto de 1983

O poeta faleceu em 5 de maio de 1994. Sua memória, porém, permanece intocada naquele recinto, materializada no bronze em que aparece ao lado do amigo Carlos Drummond de Andrade. 

Passados 28 anos, numa iniciativa da Associação Riograndense de Imprensa, Quintana retorna ao palco da Feira do Livro através desta entrevista póstuma, com respostas extraídas de sua vasta obra poética e de uma entrevista (confira, ao final, as fontes de todas as frases do poeta). 

O senhor nasceu no Alegrete, no dia 30 de julho de 1906. Confere? 

No calendário chinês, sou cavalo; no ocidental, leão e, no asteca, chuva. Nasci prematuramente e fazia um grau abaixo de zero. Eram oito horas da noite quando meu pai chamou minha irmã e meu irmão para dizer que eu havia nascido. Eles pediram quatro vinténs para comprar rapadura. Foram ao mercado da esquina, que estava quase fechando. Por isso souberam da hora. Quer dizer, eu fui saudado com duas rapaduras de quatro vinténs. 

Que lembranças guarda da infância? 

Quando guri, eu tinha de me calar à mesa: só as pessoas grandes falavam. Agora, depois de adulto, tenho de ficar calado para as crianças falarem. 

Como foram seus primeiros anos escolares? 

No Colégio Militar, só estudava Português, Francês e História. O resto absolutamente não me interessava. Era sempre reprovado em Matemática porque só assinava as provas. Afinal de contas, o que eu tinha de ver com a raiz quadrada e outras bobagens? E a raiz cúbica, então? O estudo da álgebra, sim, é interessante. A gente lida com letrinhas. 

O senhor chegou a trabalhar como jornalista? 

O jornalismo me permitiu entrar em contato com este mundo, e a poesia, com outros. Trabalhei no Estado do Rio Grande, de Raul Pilla. Foi o maior patrão que eu tive. Traduzia telegramas e fazia uma seção intitulada Jornal dos Jornais. Lia todos os jornais do Rio, de São Paulo e outros de Porto Alegre e fazia um resumo. Era bem interessante, mas tinha que contar as letras para fazer o título e subtítulo. Eu achava isso muito chato. Então, resolvi fazer as coisas ritmadas. Cheguei a fazer um título de três colunas: no alto, um alexandrino; abaixo, um decassílabo e, depois, um setissílabo. Ficou bonito, muito bonito. Mas, no outro dia, o Raul Pilla veio perguntar quem tinha feito aquilo. “Fui eu, doutor.” “Pois olha, seu moço, esse título está em total desacordo com os meus editoriais. Por que o senhor não lê o Estado do Rio Grande?” Eu não lia mesmo. Afinal, trabalhava nele. 

Quais são suas preferências, em geral? 

Sempre gostei de cidades pequenas, paisagens, ruas, coisas comuns da vida de toda gente: namorados, amantes, poemas de amor. Não quer dizer que eles sejam para alguém em especial. As pessoas insistem em saber para quem são os poemas de amor. Não são para ninguém. A gente ama no ar. Eu gosto é das coisas. As coisas, sim!... As pessoas atrapalham. Estão em toda parte. 

E de Porto Alegre, onde o senhor viveu por tantos anos, que lembranças guarda? 

Sinto uma dor infinita das ruas de Porto Alegre por onde jamais passarei.

Como o senhor encara a vida? 

Uma vida não basta apenas ser vivida: também precisa ser sonhada. 

E a fama atrapalha? 

A fama é uma ambígua mescla de gostosura e chatice. 

O senhor pratica algum tipo de esporte? 

O único esporte que pratico é a luta livre com o meu anjo da guarda. 

Como é ser poeta? 

Poeta é o que encontra uma moedinha perdida, aquele que empresta palavras loucas à voz dispersa do vento. Ao poeta é dado por vezes fechar os olhos para ver as imagens que guarda dentro de si e reconstruí-las no poema. Sonhar é acordar-se para dentro. 

Em 1967, o senhor foi agraciado pela Câmara de Vereadores com o título de Cidadão Honorário de Porto Alegre. Lembra a frase que marcou seu discurso de agradecimento? 

Antes, ser poeta era um agravante. Depois, passou a ser uma atenuante. Vejo agora que ser poeta é uma credencial. 

O senhor costuma participar de reuniões sociais? 

O mais trágico dessas reuniões sociais é que elas são compostas unicamente de terceiros. 

Como classifica os livros? 

Há duas espécies de livros: uns que os leitores esgotam, outros que esgotam os leitores. 

Tem muitos amigos? 

Amigo é a criatura que escuta todas as nossas coisas sem aquela cara que parece estar dizendo: “E eu com isso?”. 

Por que preferiu não deixar filhos?

Os filhos são um subproduto do amor. 

Que resposta dá àqueles que atrapalham a sua vida?

Todos esses que aí estão atravancando o meu caminho, eles passarão... Eu passarinho. 

Detesta alguma coisa, assim reservadamente? 

Não gosto de estar dormindo nem de estar morto perto de ninguém. 

Alguma coisa lhe chamou a atenção na sua juventude? 

Quando completei quinze anos, meu compenetrado padrinho me escreveu uma carta, muito, muito séria: tinha até ponto-e-vírgula! Nunca fiquei tão impressionado na minha vida. 

Aprecia o Carnaval?

Não gosto do Carnaval porque parece filme histórico italiano. 

Costuma ser bem compreendido pelos seus leitores? 

Quando alguém pergunta a um autor o que ele quis dizer é porque um dos dois é burro. 

O senhor vê qualidade no que se escreve hoje?

Uma página em branco é a virgindade mais desamparada que existe. Só por isso é que abusam tanto dela, que fazem tudo dela... 

O senhor costuma reler o que escreve? 

Nunca me releio. Tenho um medo enorme de me influenciar. É verdadeiramente catastrófico quando um autor se transforma no seu discípulo. 

Tem leitores fiéis, que sempre vão atrás de seus livros?

Às vezes eu pesco um leitor. Outras vezes o leitor me pesca. Entre uma coisa e outra, as águas vão passando. 

O senhor trata da mesma forma todas as pessoas que o procuram?

A indiferença é a mais refinada forma de polidez. 

Que conselho dá a um poeta iniciante?

É preciso escrever um poema várias vezes para que dê a impressão de que foi escrito pela primeira vez. 

Sua opinião sobre os críticos literários? 

Nunca me acertei bem com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco. O crítico é um camarada que contorna uma tapeçaria e vai olhá-la pelo lado avesso. 

O livro é uma boa companhia? 

O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado. 

O senhor acredita em tudo o que escreve? 

Se eu fosse acreditar mesmo em tudo o que penso, ficaria louco. 

O que recomenda a quem aprecia a bebida? 

Quem bebe por desgosto é um cretino: só se deve beber por gosto. 

O que recomenda aos chamados formadores de opinião? 

Quando dês opinião, nunca deixes de escrever a data. 

O senhor é do tempo dos antigos relógios de parede. Guarda alguma lembrança deles? 

O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede: conheço um que já devorou três gerações da minha família. 

Como o poeta está encarando a velhice? 

Estou nessa idade em que o juiz consulta o relógio e as arquibancadas já vão se esvaziando. 

O senhor já foi homenageado como estátua. Como se sente?

O que há de mais triste em virar estátua é que a gente não pode coçar-se. 

Como encara os chatos? 

Há duas espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e os amigos, que são os nossos chatos prediletos. 

O que pensa da preguiça? 

A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda. 

Como guardar segredo? 

Não te abras com teu amigo. Que ele um outro amigo tem. E o amigo do teu amigo possui amigos também. 

O senhor acredita em Deus? 

Se eu acredito em Deus? Mas que valor poderia ter minha resposta, afirmativa ou não? O que importa é saber se Deus acredita em mim. 

Como define os analfabetos? 

Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem. 

O que pensa do autodidata? 

O autodidata é um ignorante por conta própria. 

Acha que vale a pena viver?

Vale a pena viver – nem que seja para dizer que não vale a pena. 

A esta altura da vida, como é o seu começo de cada dia? 

Quando abro cada manhã a janela do meu quarto, é como se abrisse o mesmo livro, numa página nova. 

O que sente quando olha para algum velho retrato? 

Eis que descubro um retrato meu, aos 10 anos. Escondo, súbito, o retrato. Sei lá o que estará pensando de mim aquele guri! A recordação é uma cadeira de balanço embalando sozinha. 

Para finalizar, poeta. Já tinha passado pela sua cabeça que um dia iria dar uma entrevista póstuma? 

Por vezes, quando estou escrevendo estes cadernos (Caderno H), tenho um medo idiota de que saiam póstumos. Mas haverá coisa escrita que não seja póstuma? Tudo que sai impresso é epitáfio. 

*******

Fontes das respostas: 

“Caderno H”, “Sapato Florido”, “Apontamentos de História Sobrenatural”, “A Vaca e o Hipogrifo”, “Da Preguiça como Método de Trabalho”, “Porta Giratória”, “A Cor do Invisível”, Caderno de Sábado do jornal Correio do Povo e “Quintana, Poeta” (perfil da série “Autores Gaúchos”, IEL, l988).

* Jornalista, escritor, diretor da Associação Riograndense de Imprensa (ARI).

(Do caderno DOC de Zero Hora, 30 de outubro de 2022)

sábado, 29 de outubro de 2022

Os bolos que lá ficaram...

 

Uns estudantes de Coimbra decidiram pregar uma peça a certo caixeiro de pastelaria que se tinha na conta de muito esperto. 

- Não ateimes porque o Costa não se deixa intrujar! – insistiu um dos do grupo. 

- Veremos – teimou o mais ladino. 

- Vocês esperem aqui para não levantar suspeitas. 

E dirigiu-se para o estabelecimento. Mal entrou, o Costa atenciosamente perguntou-lhe o que desejava. 

- Uma dúzia daqueles bolinhos – e apontou uns que estavam no mostruário. 

O caixeiro tirou o prato do mostruário e, cuidadosamente, um a um, com a pinça foi passando os bolos para a caixa de cartão. Quando já se preparava para os embrulhar, interveio o estudante. 

- Olhe, senhor Costa, se me dá licença – e olhando para uma prateleira atrás do balcão, apontou – preferia aqueles. Se não lhe faz diferença? 

- Olha essa! – e o Costa retirou os bolos da caixa, colocou-os no prato e foi pôr este no mostruário. 

Voltando ao balcão empacotou os segundos bolos pedidos e entregou o embrulho ao freguês. Este agradeceu e saiu. 

O Costa ficou indeciso, mas, vendo que o freguês não lhe pagava os bolos, dirigiu-se à porta e chamou o estudante, que se aproximava sorridente do grupo que o aguardava no passeio. 

- Ó meu caro senhor! Faz-me a fineza? 

- Que há?! – perguntou o outro. 

- O senhor não pagou os bolos! 

- Não paguei os bolos? 

- Não, senhor esqueceu-se de pagar – continuou o caixeiro, ainda crente no equívoco. 

- Mas eu não tenho de os pagar! – declarou o estudante. 

- Não tem de os pagar, por quê?! – objetou o Costa. 

- Porque os troquei por aqueles que estão no mostruário! 

- Mas o senhor também não pagou aqueles! – afirmou o Costa, já a abespinhar-se. 

- Pois claro! Como queria que os pagasse se o senhor os tem ali no mostruário! 

- Ah! – exclamou o Costa, olhando indeciso para o mostruário e para o estudante. 

- Tem razão, desculpe. 

(Do Almanaque do Diário de Noticias de 1958)

Pequenas lições de vida

 Por Nilo da Silva Moraes 

A lição barbeiro

Eu tinha 15 ou 16 anos. Morava na Rua Luís de Camões, a rua da Igreja Santo Antônio, e cortava os cabelos numa barbearia que ficava na Avenida Bento Gonçalves, quase esquina da Barão do Amazonas, em Porto Alegre. 

O barbeiro era um sujeito bem falante, cabelos ondulados de vate português. Ele sempre puxava conversa e falava aquilo que o cliente gostaria de ouvir. Entendia de tudo um pouco. Às vezes, eu não estava a fim de papo, ele respeitava o meu silêncio, cortava com capricho, dava um sorriso e se despedia. 

Uma manhã, não sei se cortava os cabelos ou esperava a minha vez... Não me lembro... Um garoto de uns dez anos assomou à porta vendendo pastéis. Não disse nada e já ia continuar sua caminhada, quando o barbeiro o chamou: 

- Menino, deixa eu ver os teus pastéis. 

O garoto abriu o seu cesto coberto por uma toalha de mesa, mostrando a sua mercadoria. O barbeiro pegou um pastel, provou, pagou, tecendo um comentário: 

- Menino, que pastel gostoso! Tu vais vender muito hoje, está bom demais! 

Então, o pequeno vendedor apanhou um cruzeiro, o preço do pastel, e saiu todo sorridente pela rua, mais confiante no seu produto. 

O barbeiro comentou com os que estavam no recinto: 

- Senti que ele estava muito acanhado, agora ele vai levantar a cabeça e anunciar melhor a sua mercadoria. 

Aprendi, de uma forma simples, uma pequena lição. Nós temos que ter sensibilidade de entender as pessoas naquilo que elas não dizem, mas demonstram estar sentindo, e tentar fazer, com pequeno gesto, que elas olhem a vida de outra forma, mais otimista, como vender melhor seus pastéis. Aí eu entendi o que era empatia. 

A lição do gerente 

O Túlio era um jovem gerente de cinema. Morava na Avenida Bento Gonçalves e administrava o Cinema Pirajá, onde hoje é uma loja de tintas, que também ficava na mesma avenida, quase esquina da Rua Teixeira de Freitas, no Partenon. Ele se relacionava com todo mundo, tinha uma simpatia contagiante. Era um boa praça, como se dizia na época. 

Nas matinês de domingo, ele deixava eu pegar uma lanterna e cuidar da “moral e dos bons costumes” dentro do cinema. 

Foi no Pirajá que assisti a um dos musicais mais impactantes da minha vida: “Amor, Sublime Amor (West Side Story). Ninguém do bairro gostou do filme, o pessoal comentava: “Que porra de filme! Quando os caras vão falar, começam a cantar!”. 

Mas, vamos à lição que o Túlio nos deu. 

Uma noite, num sábado, na esquina do pecado, no Bar da Dona Dija, quando a patota estava toda reunida sem nada para fazer, apareceu o Túlio. O César, um garoto da turma, filho de uma cabeleireira que tinha sua sala na Bento, quase defronte ao Pirajá, de supetão disse ao Túlio: 

- Túlio, me consegues um convite? 

O Túlio respondeu: 

- Cara, quando te encontrares comigo, pergunta: “Túlio como vais? E a família está bem? Só depois pede um convite. É claro que vou te dar um, mas aprende a lição.” 

Eu, que estava ao lado vendo tudo, tomei a lição como se fosse para mim. Devemos interagir com as pessoas antes de fazer qualquer solicitação. 

Depois de muitos anos, morando na Zona Sul, tinha em casa uma piscina. Toda a garotada do bairro, uns 20 meninos e meninas, usavam-na para brincar e tomar banho, aos sábados e domingos. 

Numa sexta-feira, duas adolescentes gêmeas me perguntam: 

- Tio, tem piscina amanhã? 

Digo a elas, lembrando da lição do Túlio: 

- Meninas, vocês passam por mim toda a semana e nem me olham! Cumprimentem-me, eu existo, eu não sou só o tiozinho da piscina, sou um ser humano. Tudo bem, podem tomar banho amanhã. 

No dia seguinte, tomaram banho e continuaram a não olhar para minha cara... 

Umas pessoas aprendem; outras, não. 

A lição do moderado  

No início dos anos 70, tive um colega, homem calmo e ponderado, com o qual gostava de discutir temas políticos. Homem cerebral nas suas colocações, tinha um temperamento conciliador e suas palavras, por mais simples que fossem, sempre transmitiam pequenos ensinamentos filosóficos e realistas. 

Em nossos debates, coisa que fazíamos sempre que conversávamos sobre qualquer assunto, eu sempre colocava minhas ideias socialistas como a salvação do homem e do mundo. Mas, um dia, depois de ouvir as minhas argumentações inovadoras, ele me disse uma frase que a tomei como um choque para voltar à realidade do mundo: “Meu amigo, tu tens soluções para fazer o mundo melhor, mas eu e a entidade para qual faço trabalho voluntário, todas as semanas arrecadamos alimentos para saciar a fome dos mais humildes. E tu o que fazes por eles? 

Não tive resposta. Calei-me. Percebi que as utopias são sonhos. A fome e o desamparo dos humildes são diários e verdadeiros. 

Hoje, faço mensalmente tudo o que ele já fazia e defendia naquela época, pois eu aprendi a lição de um homem sem posição política, mas com uma visão real dos problemas sociais. Temos, sim, que ter utopias e sonhos na cabeça, e o realismo para fazer as coisas que o coração manda: como ajudar pessoas e entidades que precisem do nosso auxílio.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Modesta proposta

 Eduardo Bueno

Não é preciso ser cientista político – nem historiador com y, como eu – para perceber que o Brasil está fendido, rachado ao meio, partido em dois. E nem é preciso ser profeta para saber que as coisas não vão mudar muito depois de domingo. Assim, sempre disposto a promover a paz e a concórdia, o comedimento e a compostura, venho por meio dessas mal traçadas linhas lançar uma modesta proposta, a ser posta em prática já a partir de segunda-feira: separar fisicamente os brasileiros conforme suas mais profundas convicções. 

Isso implicaria, claro, uma operação de complexa logística. Mas finda essa espécie de metempsicose coletiva, as pessoas já despertariam numa nação apaziguada. De um lado – que iria, digamos, da serra gaúcha a São Paulo, dando uma guinada para oeste em Mato Grosso do Sul e subindo aos grotões da Amazônia –, viveriam pessoas felizes na sua imunidade de rebanho, tomando cloroquina, apoiando o garimpo onde quer que haja pirita e prontas para ver a Amazônia virar campo de futebol; gente que não crê em mudanças climáticas, acredita em “Intervenção militar já”, julga que “Supremo é o povo”, despreza a imprensa, só se informa pelo zap e acha a Lei Rouanet dispensável, a não ser para sertanejos e clubes de tiro. Clubes de tiro, aliás, lá estarão abertos a crianças a partir dos cinco anos. De quatro, não – não insista. 

Na outra parte do pais bipartido – a porção que inclui basicamente o Nordeste e, talvez, Minas Gerais –, viveriam, felizes, pessoas que acreditam, veja só, na vacina (até contra aftosa), acham que leis ambientais devem ser cumpridas, veem com preocupação eventos climáticos extremos; desconfiam, mas julgam que dos males o STF é o menor; acreditam que os militares são mais úteis ao país nos quartéis, creem que redes sociais não devem espalhar fake news, são favoráveis ao desarmamento e adoram a música de Caetano, Gil e Chico – e da Pablo Vittar e do João Gordo também. Sertanejo? Só se for Luciano sem Zezé e Xororó sem Chitãozinho. Ah, e Sócrates substitui o menino Cai-Cai. 

Ainda assim, resta um problema. Com quem ficará a bandeira do Brasil? Pessoalmente, sempre a achei brega. Então, não me importo se mudar de cor. Para azul-celeste, por exemplo, como a do Uruguai. Afinal, minha bandeira jamais será vermelha*. A não ser, claro, nesse domingo – pois para Mato Grosso eu não vou nem encilhado. Até porque sempre gostei mais do Nordeste. 

(Do jornal Zero Hora, 28 de outubro de 2022)

* Eduardo Bueno, o “Peninha” é gremista roxo, e a cor vermelha da bandeira do Internacional, incomoda-o muito... Logo não tem nada a ver com a cor partidária da bandeira.

P.S. Eduardo Romulo Bueno (Porto Alegre, 30 de maio, de 1958) é um jornalista, historiador, escritor, tradutor e youtuber brasileiro.

Meus poemas dos anos 70

 

O homem só e o rio 

O rio... um navio que desliza... mansamente...

A água turva e lisa como um espelho,

na manhã sem ventos, mas fria de inverno.

O homem só contempla, silencioso, sua vida. 

Um barquinho a motor corta as água.

Talvez, um pescador apressado na busca do seu rumo.

(O homem murmura... quem ama este rio?

Quem me ama?) 

O sol reflete pequenos pontos luminosos n'água.

Nuvens baixas, como flocos de algodão,

pairam no céu cinzento.

O homem caminha pelas margens do cais. 

Velhos marinheiros sonham com viagens

que nunca farão.

O rio segue seu rumo, já não é o mesmo,

como homem,

Que olha, triste, uma água-pé que desce a correnteza.  

Preciso 

Preciso de uma saudade, uma saudade imensa,

que eu chore, que eu sofra, me desespere.

Preciso de uma dor, mas uma dor tão intensa,

que me sangre, que me mate, me dilacere. 

Preciso de um amor, mas um amor tão forte,

Que seja puro, inquietante e o derradeiro,

do qual eu sempre bendiga tamanha sorte,

pois é infinito, o mais bonito e o verdadeiro. 

Preciso de música, de novos sons,

de novo sol e de novos mares;

de outros céus, com novos tons,

em outra galáxia como novos ares. 

Preciso de vida, de outras vidas,

Em novos mundos, com outras cores;

E novos versos e outras lidas,

e novas mulheres com outros amores.  

Momentos 

A felicidade só existe

no exato momento em que ela acontece. 

O amor só vale

no momento em que ele existe. 

O riso, o riso franco,

é a fração de um minuto de alegria. 

A beleza de alguma coisa

percebemos quando ela nos enternece. 

O som, uma música,

tem seu momento de infinita beleza

quando agrada nossos ouvidos. 

A poesia é bela

quando nos identificamos com ela. 

O sol é radioso

quando surge nas manhãs de inverno. 

A saudade, qualquer saudade,

não nos entristece

quando aquilo que nos deixou saudosos

temos certeza que vai voltar. 

A mulher, a melhor mulher,

é sempre aquela que nós não temos

E, talvez, nunca teremos. 

O amor, o amor mais intenso

é aquele que já tivemos

que nós já temos e que, ainda, teremos. 

(Poemas de Nilo da Silva Moraes)


A pequena história de um hino

 

O Grêmio foi fundado em 15 setembro de 1903. No ano de seu cinquentenário, foi feita uma grande festa no clube chamado “Mil e uma Noites”, que mudou de nome para “Bier Haus”, no Bairro Assunção, na zona Sul de Porto Alegre. Hoje, ele já foi demolido dando lugar a um condomínio. 

Em 1953, o Grêmio iria jogar contra o Força e Luz, time da CEEE (Companhia de Estadual de Energia Elétrica), no Estádio da Timbaúva, no Bairro Bonfim. Esse estádio receberia, uns anos depois, um pavilhão de madeira que fora trocado pelo seu melhor zagueiro: Airton Ferreira da Silva, mais tarde apelidado de “Pavilhão”, em virtude da troca realizada. 

No domingo do duelo futebolístico, muitos torcedores se dirigiram ao centro da cidade para apanhar a condução que os levariam até o local do jogo. Qual não foi a surpresa geral, ao saberem que estava ocorrendo uma greve dos funcionários da Carris, empresa dos bondes da cidade. Portando não haveria condução para levar os torcedores para assistirem a um clássico da cidade. 

Alguém, na multidão, deu um grito: “Pessoal, se não tem bondes, vamos todos a pé!”. Entre os torcedores estava o compositor Lupicínio Rodrigues, fanático torcedor do Grêmio. Ora, naquele tempo, o lendário aficionado do time, Salim Nigri, havia feito uma frase que era colocada em todos os estádios onde o Grêmio jogava: “Com o Grêmio, onde o Grêmio estiver”. Então, Lupicínio uniu o mote do torcedor com a frase famosa e estava quase feito o refrão do hino, como veremos abaixo. 

Hino Oficial do Grêmio FBPA

Letra e Música de Lupicínio Rodrigues 

Até a pé nos iremos
Para o que der e vier,
Mas o certo é que nós estaremos
Com o Grêmio, onde o Grêmio estiver.

Cinquenta anos de glória
Tens, imortal tricolor.
Os feitos da tua história
Canta o Rio Grande com amor.

Nós, como bons torcedores,
Sem hesitarmos sequer,
Aplaudiremos o Grêmio
Aonde o Grêmio estiver.

Lara, o craque imortal,
Sobe seu nome elevar.
Hoje, com o mesmo ideal,
Nós saberemos te honrar,
 

Como curiosidade, salientamos que um único jogador que possui o seu nome no hino, foi o goleira Lara, que jogou o seu último Gre-Nal, saindo do estádio para um hospital, morrendo de tuberculose logo a seguir. 

Ainda o amor

 

Nos dias que vivemos, muito se ouve falar a respeito do amor. Suspiram os jovens por sua chegada, idealizando cores suaves e delicados tons. Alguns o confundem com as paixões violentas e degradantes e, por isso mesmo, afirmam que o amor acaba. Entretanto, o amor já foi definido pelos Espíritos do Bem como o mais sublime dos sentimentos. Reveste-se de tranquilidade e confere paz a quem o vivencia. Não é produto de momentos, mas construção laboriosa e paciente de dias que se multiplicam na escalada do tempo. 

Narra o famoso escritor inglês Charles Dickens que dois recém-casados viviam modestamente. Dividiam as dificuldades e sustentavam-se na afeição pura e profunda que devotavam um ao outro. Não possuíam senão o indispensável, mas cada um era portador de uma herança particular. O jovem recebera como legado de família um relógio de bolso, que guardava com zelo. Na verdade não podia utilizá-lo por não ter uma corrente apropriada. A esposa recebera da própria natureza uma herança maravilhosa: uma linda cabeleira. Cabelos longos, sedosos, fartos, que encantavam. Mantinha-os sempre soltos, embora seu desejo fosse adquirir um grande e lindo pente que vira em uma vitrina, em certa oportunidade, para prendê-los no alto da cabeça, deixando que as mechas, caprichosas, bailassem até os ombros. Transcorria o tempo e ambos acalentavam o seu desejo, sem ousar expor ao outro, desde que o dinheiro que entrava era todo direcionado para as necessidades básicas. 

Em certa noite de Natal, estando ambos face a face, cada um estendeu ao outro, quase que ao mesmo tempo, um delicado embrulho. Ela insistiu e ele abriu o seu primeiro. Um estranho sorriso bailou nos lábios do jovem. A esposa acabara de lhe dar a corrente para o relógio. Segurando a preciosidade entre os dedos, foi a vez dele pedir-lhe que abrisse o pacote que ele lhe dera. Trêmula e emocionada, a esposa logo deteve em suas mãos o enorme pente para prender os seus cabelos, enquanto lágrimas significativas lhe rolavam pelas faces. Olharam-se ambos e, profundamente emocionados descobriram que ele vendera o relógio para comprar o pente e ela vendera os cabelos para comprar a corrente do relógio. Ante a surpresa, deram-se conta do quanto se amavam.

O amor não é somente um meio, é o fim essencial da vida. Toda expressão de afeto propicia a renovação do entusiasmo, da qualidade de vida, de metas felizes em relação ao futuro. 

O amor tem a capacidade de estimular o organismo e de lhe oferecer reações imunológicas, que proporcionam resistência para as células, que assim combatem as enfermidades invasoras. 

O amor levanta as energias alquebradas e é essencial para a preservação da vida. Eis porque ninguém consegue viver sem amor, em maior ou menor expressão. 

Redação do Momento Espírita com base em conto de Charles Dickens, imagem acima.

O escritor 

A vida do século dezenove não era fácil para o rapaz londrino. Enquanto seu pai definhava na cadeia por causa de dívidas, dores excruciantes de fome corroíam seu estômago. Para alimentar-se, o garoto aceitou um emprego colando rótulos em garrafas de graxa em lúgubre armazém infestado de ratos. Dormia em um quarto desolador no sótão com dois outros rapazolas, enquanto sonhava secretamente tornar-se escritor. Tendo estudado apenas quatro anos, possuía pouca segurança em suas habilidades. A fim de evitar os risos zombeteiros que esperava, escapou furtivamente no meio da noite para enviar seu primeiro manuscrito. 

Uma história depois da outra era recusada até que, finalmente, uma foi aceita. Não o pagaram por ela, mas, ainda assim, um editor elogiou seu trabalho. 

O reconhecimento que recebeu através da impressão daquela história mudou sua vida. Se não fosse pelo encorajamento daquele editor, ele poderia ter passado toda a sua vida trabalhando em uma fábrica infestada de ratos. 

Você pode ter ouvido falar nesse garoto, cujos livros causaram tanta mudança no tratamento dado às crianças e aos pobres: seu nome era Charles Dickens. 

Willy McNamara 

(Do livro: “Histórias para aquecer o coração”)

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Histórias de escorpiões

 

Não mude a sua natureza

Um mestre oriental viu que um escorpião estava se afogando e decidiu tirá-lo da água, mas quando o fez, o escorpião o picou. Pela reação de dor, o mestre o soltou e o animal caiu de novo na água e estava se afogando. O mestre tentou tirá-lo, e novamente o animal o picou. Alguém que estava observando aproximou-se do mestre e disse: 

- Desculpe-me, mestre, mas você é teimoso! Não entende que todas as vezes que tentar tirá-lo da água ele irá picá-lo? 

O mestre respondeu: 

- Ele age de acordo com a sua natureza, a natureza do escorpião é picar, e isto não vai mudar a minha natureza, que é ajudar. 

Então, com a ajuda de uma folha o mestre tirou o escorpião da água e salvou sua vida. 

Não mude sua natureza se alguém lhe faz algum mal; apenas tome precauções. Alguns perseguem a felicidade, outros a criam... Quando a vida lhe apresentar mil razões para chorar, mostre-lhe que tem mil e uma razões pelas quais sorrir. Pense nisso! Há duas formas de viver a vida: Uma é que você não pode mudar a Natureza de ninguém. E a outra é que nada pode mudar a sua Natureza. 

O Sapo e o Escorpião 

Certa vez, um escorpião aproximou-se de um sapo que estava na beira de um rio. O escorpião vinha fazer um pedido: 

− Sapinho, você poderia me carregar até a outra margem deste rio tão largo? 

O sapo respondeu: 

− Só se eu fosse tolo! Você vai me picar, eu vou ficar paralisado e vou afundar.

Disse o escorpião: 

− Isso é ridículo! Se eu o picasse, ambos afundaríamos. 

Confiando na lógica do escorpião, o sapo concordou e levou o escorpião nas costas, enquanto nadava para atravessar o rio. No meio do rio, o escorpião cravou seu ferrão no sapo. Atingido pelo veneno, e já começando a afundar, o sapo voltou-se para o escorpião e perguntou: 

− Por quê? Por quê?

E o escorpião respondeu: 

− Por que sou um escorpião e essa é a minha natureza.


A roupa não faz o homem

 

Mahatma Gandhi provou que “a roupa não faz o homem”. 

Ele só usava uma tanga, a fim de se identificar com as massas simples da Índia. 

Certa vez, ele chegou assim vestido, numa festa dada pelo governador inglês. 

Os criados não o deixaram entrar. 

Ele voltou para casa e enviou um pacote ao governador, por um mensageiro. 

Dentro continha um terno. 

O governador ligou para a casa dele e perguntou-lhe o significado do embrulho. 

O grande homem respondeu:

“Fui convidado para a sua festa, mas não me permitiram entrar por causa da minha roupa. Se é a roupa que vale, eu lhe enviei o meu terno.”

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Mohandas Karamchand Gandhi nasceu no dia 2 de outubro de 1869 na Índia Ocidental, faleceu em 30 de janeiro de 1948, ainda jovem foi morar na Inglaterra para estudar Direito. Se tornará de uma nação sem ser político sem carga oficial, ele o povo com sua sabedoria espiritual. 

Gandhi demonstra claramente, através de suas vestes, e com o ato de fabricar, suas opiniões políticas e filosofias de vida. Ele escolheu a tradicional como forma de destruição à cultura ocidental que era pregada com os pobres ditatorialmente e como identificada com os pobres ditatorialmente. Sua escolha pessoal tornou-se um poderoso gesto político, clamando seus seguidores mais privilegiados para copiar ou exemplo de descartar, ou seu mesmo, queimar suas roupas de estilo europeu, e retornar, com orgulho, à cultura antiga e pré-colonial indiana. 

Gandhi que o ato de tecer da forma tradicional afirmou também vantagens materiais, uma vez que criaria uma base para independência econômica e possibilidade de sobrevivência também para comunidades rurais e desfavorecidas da Índia. 

Em vez de trabalhar com o trabalhador das tecelagens e trabalhar com ele, mas trabalhando para a intenção era não trabalhar com o trabalhador, mas aumentando o funcionamento os oprimidos. O protesto pacífico produziu em mais altos. 

Parábola do Meeiro

 

Certo meeiro* há muitos anos trabalhava as terras de um latifundiário, num convívio de perfeito equilíbrio e harmonia. 

Das rendas auferidas o meeiro destinava:

·   25% ao dono da terra,

·   20% insumos agrícolas,

·   30% mão de obra,

·   15% investimentos,

·   10% sustento da família.

O meeiro vivia feliz, até que certo dia ao fim de uma safra, o dono da terra lhe disse: 

− Olha..., eu estou endividado. Os empréstimos bancários estão consumindo tudo quanto eu arrecado. As coisas não vão bem. Não consigo administrar as minhas receitas. Contratei empregados demais, sabe como é, dei estabilidade no emprego para todos e agora a maior parte deles não quer fazer mais nada. Marcam o ponto, deixam os paletós nas cadeiras e cada um vai cuidar da sua própria vida. Alguns até tem até vários empregos. Só me resta contar com você. Na próxima safra você vai me pagar 35%. 

O meeiro reclamou, mas acabou concordando. Dispensou 5% da mão de obra, cortou 5% dos investimentos e pagou os 35% ao dono da terra. Mal terminou de pagar os 35% e o dono da terra lhe disse que na próxima safra necessitava receber 45%. 

− Sabe como é − disse o dono da terra − a minha dívida aumentou, as empresas produzem menos e as despesas são cada vez maiores. Não há outra solução, você vai me pagar os 45%. 

O meeiro rangeu os dentes e virou-lhe as costas, mas, mal deu os primeiros passos, voltou e concordou. O que fazer? Onde vou cortar? − questionava-se o meeiro. 

Os investimentos já estavam contratados. Os custos da mão de obra e o sustento da família estavam no limite, resolveu então cortar 10% nos insumos agrícolas. 

Ao final da safra apareceu o dono da terra para receber os seus 45% e constatou que estava recebendo muito menos do que recebera na safra anterior. 

− Esta conta está errada − disse o dono da terra imaginando estar sendo lesado pelo meeiro. 

Prontamente o meeiro esclareceu: 

Na safra anterior para pagar 35%, cortei 5% na mão de obra e 5% no investimento. Com muita dificuldade, fiz os operários trabalharem mais para suprir a diminuição da mão de obra e do investimento. Nesta safra só me restava cortar 10% nos insumos agrícolas e como resultado, colhi menos que na safra anterior. Para a próxima safra já não tenho mais sementes. Estou pensando em pedir empréstimo no seu banco, mas não posso lhe dar garantias. 

− Empréstimo sem garantias? − Gritou o dono da terra. Em ato contínuo grunhiu, esbravejou, rangeu os dentes, disse muitos palavrões, esmurrou as paredes, chutou o vento, citou leis, dissecou a constituição e terminou dizendo: 

− Aguarde... Meus auditores e meus advogados virão procurá-lo! 

O final da história foi lamentável. Como a justiça é demorada, o meeiro trabalhou doze safras na informalidade. Desobrigado de prestar contas ao dono da terra, quando o processo transitou em julgado, este se declarou insolvente. Na calada da noite, desocupou as terras, levando tudo consigo para local incerto e não sabido. 

O dono da terra sem contato com o meeiro, viu-se incapaz de se ressarcir dos prejuízos. 

Anos mais tarde, soube-se que o meeiro vivia próspero e estava mais feliz do que nunca. Na Informalidade, sem pagar ao dono da terra, transformou-se em grande latifundiário. 

Moral da história: 

IR, IPI, IPTU, IPVA, ICMS, PIS, COFINS, COFINS,... Já são 61 impostos. É impossível saber quantas taxas. E agora tentam impor a MP 232 elevando a base de cálculo da CSSLL de 32% para 40%! 

Quantos meeiros irão ser prósperos e felizes na informalidade? 

(Autor desconhecido)

*O meeiro ocupa-se de todo o trabalho, e reparte com o dono da terra o resultado da produção. O dono da terra fornece o terreno, a casa e, às vezes, um pequeno lote para o cultivo particular do agricultor e de sua família. Fornece, ainda, equipamento agrícola e animais para ajudar no trabalho.