quinta-feira, 6 de outubro de 2022

O ponto de vista de cada um

 Os dois lados 

Nilson Souza

Quando alguém demonstra dificuldade para entender alguma coisa, costumamos dizer: 

− Quer que eu desenhe? 

Pois é a partir de um desenho simples e didático, desses que circulam pelas redes sociais, que faço esta reflexão sobre o Brasil que emerge do pleito eleitoral, dividido pela ilusão do poder e por suas múltiplas versões da verdade. A ilustração referida mostra dois homens confrontando-se, tendo entre eles um número desenhado no chão: (imagem acima) 

− Seis! − exclama um deles. 

− Nove! − assegura o outro. 

Evidentemente, é o mesmo número. E as palavras da legenda valem por mil desenhos: 

“Só porque você está certo, não significa que eu esteja errado. Você apenas não viu a vida pelo meu lado”. 

Corta para a vida real. Tive um colega de trabalho e grande amigo, já em outra dimensão, que se caracterizava por seu espírito conciliador. Um dia, ao perceber que uma reunião entre editores se transformava em discussão feroz, com os participantes discordando radicalmente e já próximo da troca de insultos, ele utilizou sua condição de chefe para interromper o debate: 

− Todos vocês têm razão, mas precisamos de uma solução coletiva. 

Um debatedor mais espirituoso questionou o líder: 

− Se estamos propondo coisas diferentes, como todos podemos ter razão? 

O pacificador simplesmente concluiu: 

− É verdade, tu também tens razão. 

Foi impossível segurar o riso. Logo depois, a reunião prosseguiu num clima mais ameno. Nosso sábio companheiro seguiu um ensinamento de Buda: entre escolher ter razão e ser gentil, a melhor escolha é ser gentil. Creio que este é o sentimento que todos precisamos exercitar neste momento de ressaca eleitoral em que vencedores celebram, perdedores lambem as feridas e os sobreviventes se reorganizam para novas batalhas. 

Millôr Fernandes também só queria arrancar risos quando disse que democracia é quando em você e ditadura é quando você manda em mim. Democracia, na verdade, é a melhor alternativa de convivência pacífica entre pessoas que discordam uma das outras sem cair na tentação de impor as suas verdades no grito ou na força. 

Democracia é simplesmente aceitar que a verdade dos outros também precisa ser considerada. 

Acho que ninguém precisa de desenho para entender isso. 

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(Do jornal Zero Hora, outubro de 2022)

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