sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Que Manuel Bandeira me perdoe,

mas vou-me embora de Pasárgada. 

Millôr Fernandes 

Vou-me embora de Pasárgada
Sou inimigo do Rei
Não tenho nada que eu quero
Não tenho e nunca terei
Vou-me embora de Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
A existência é tão dura
As elites tão senis
Que Joana, a louca da Espanha,
Ainda é mais coerente
Do que os donos do pais.
 

A gente só faz ginástica
Nos velhos trens da Central
Se quer comer todo dia
A polícia baixa o pau
E como já estou cansado
Sem esperança num país
Em que tudo nos revolta
Já comprei ida sem volta
Pra qualquer outra lugar
Aqui não quero ficar.
Vou-me embora de Pasárgada.
 

Pasárgada já não tem nada
Nem mesmo recordação
E nem fome nem doença
Impedem a concepção
Telefone não telefona
Drogas são falsificadas
E prostitutas aidéticas
São as nossas namoradas.
 

E se hoje acordei alegre
Não pensem que eu vou ficar
Nosso futuro já era
Nosso presente já foi
Dou boiada pra ir embora
Pra ficar só dou um boi
Sou inimigo do Rei
Não tenho nada na vida
Não tenho e nunca terei.
Vou-me embora de Pasárgada.

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