sábado, 22 de outubro de 2022

Um lema perigoso

 Alemanha acima de tudo

Há fascistas convictos e estes precisam ser derrotados. Mas quantos são simples sonâmbulos e podem ser acordados? 

Frei Sérgio Antônio Görgen 

Conheço um jovem negro, trabalhador, bem intencionado, manso no falar, sorridente, tranquilo na forma de conviver, educado e adepto de Bolsonaro. 

Tentei entender o porquê. O motivo que me informou foi relacionado à violência, drogas, roubos e os bandidos soltos por aí sem ninguém fazer nada. 

Procurei questionar se as propostas simplistas do candidato resolveriam o problema da violência. Percebi um bloqueio tipo “alguém tem que fazer alguma coisa”. 

Em outro encontro com o bom rapaz, tomei nas mãos uma propaganda do candidato do PSL*. Lá estava escrito: “Brasil acima de tudo.” “Deus acima de todos”. 

Perguntei-lhe: “Você sabe qual era o lema de Hitler na Alemanha nazista?”. 

Respondeu-me que não. 

Deutschland über alles.” 

“O que quer dizer isto?” – perguntou-me. 

Alemanha acima de tudo”. Igual a este aqui: “Brasil acima de tudo”. 

Pareceu-me ter ficado surpreso e confuso. Ainda disse-lhe que começa assim, com frases totalitárias que parecem simpáticas, e acabam em guerras entre irmãos. 

Foram sempre conversas tranquilas e educadas. 

E depois disso não conversamos mais. 

Lembrei, então, de quando, anos atrás, estive na Alemanha e meu grande amigo Rolf Künnemann, então secretário executivo de FIAN (entidade internacional que defende o direito humano à alimentação) me levou a dois lugares simbólicos. 

Em Nuremberg, no estádio onde Hitler fazia suas concentrações militares, com o povo nas arquibancadas e do púlpito o ditador levantava o braço direito e gritava: 

Alemanha! 

e todos respondiam: 

Acima de tudo!

Num gesto inconsciente, no mesmo púlpito, levantei o braço. Em seguida, envergonhado, em oração, meditei: “também tenho um ditadorzinho dentro de mim, preciso cuspi-lo fora”. 

Depois Rolf me levou à praça de uma cidade alemã. Lá estavam, no centro da praça, fotos da cidade destruída em 1945 após os bombardeios das tropas aliadas. Toda destruída. Andando pela cidade, a tinha visto reconstruída. 

Não resisti a uma pergunta: 

“Rolf, me explica uma coisa. Como é que um povo culto, estudado e inteligente como o povo alemão, pode embarcar num fanatismo desses?” 

Disse-me que nasceu depois da Segunda Guerra e que fizera a mesma pergunta a seus pais. E a resposta que ouvira deles fora: 

“Foi como se tivéssemos tido um sonho coletivo de sonâmbulos. Quando acordamos, tudo tinha acontecido”. 

fascistas convictos e dirigentes e estes precisam ser derrotados. 

Mas quantos são simples sonâmbulos que podemos acordar deste sonambulismo que atinge gente boa da sociedade brasileira? 

(Do blog Brasil de Fato) 

*Texto de 26 de setembro de 2018.

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