De Gramática e de Linguagem
E havia uma gramática que
dizia assim:
“Substantivo (concreto) é
tudo quanto indica
Pessoa, animal ou cousa:
João, sabiá, caneta”.
Eu gosto é das cousas. As
cousas, sim!...
As pessoas atrapalham. Estão
em toda parte. Multiplicam-se em excesso.
As cousas são quietas.
Bastam-se. Não se metem
com ninguém.
Uma pedra. Um armário. Um
ovo. (Ovo, nem sempre,
Ovo pode estar choco: é
inquietante...)
As cousas vivem metidas com
as suas cousas.
E não exigem nada.
Apenas que não as tirem do
lugar onde estão.
E João pode neste mesmo
instante vir bater
à nossa porta.
Para quê? não importa: João
vem!
E há de estar triste ou
alegre, reticente ou falastrão,
Amigo ou adverso... João só
será definitivo
Quando esticar a canela.
Morre, João...
Mas o bom, mesmo, são os
adjetivos,
Os puros adjetivos isentos de
qualquer objeto.
Verde. Macio. Áspero. Rente.
Escuro. Luminoso.
Sonoro. Lento. Eu sonho
Com uma linguagem composta
unicamente de adjetivos
Como decerto é a linguagem
das plantas e dos animais.
Ainda mais: eu sonho com um
poema
Cujas palavras sumarentas
escorram
Como a polpa de um fruto
maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu lhe saibas
o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto...
Mário Quintana
(1906-1994)
Em: “Novos Poemas” (1966)
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