domingo, 23 de outubro de 2022

De uma entrevista com o poeta Carlos Nejar*

 William Manske

(Parte da entrevista)

P: Em um mundo com tanto caos e desgraças, que papel acaba tendo a poesia? 

R: A poesia vai existir enquanto existir o espírito humano. É uma erosão do espírito. É uma explosão da realidade. Não podemos fugir da realidade, assim como não fugimos do sonho. Enquanto houver liberdade, a poesia vai continuar. Mesmo que não houvesse liberdade, a poesia se manteria, então, nos esconderijos. Estaria nas catacumbas. Mas permaneceria viva. Não se mata o espírito humano. Nada mata a criação. Só mesmo aquele que cria pode fazer isso. Independentemente disso, nunca a criação vai se apagar. Continuará sempre enquanto existir palavra, enquanto existir sopro e enquanto o espírito estiver presente e avivando a palavra. Eu creio na eternidade da escrita porque creio na eternidade do espírito. 

P: O que é necessário para ser um poeta, para ter essa percepção e esse amor para com as palavras?

R: Nós somos a palavra. E a palavra é a primeira manhã do mundo. Quando a gente escreve, é como se a gente redescobrisse a criação. 

P: E quando as palavras não aparecem, como o senhor faz?

R: Mas elas são fiéis! Nós podemos falhar, mas a palavra é fiel. É impressionante isso. Às vezes acho que um poema terminou, quando de repente ele me aparece em sonho. 

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Aos 83 anos, Carlos Nejar é o patrono da 68ª Feira do Livro de Porto Alegre, que será realizada da sexta-feira da semana que vem (28/10) até 15/11, na Praça da Alfândega. Poeta, ficcionista, ensaísta, tradutor e advogado, Nejar tem uma carreira prolífica na escrita em suas mais de seis décadas de trajetória. Desde 1989, ocupa a cadeira número 4 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Lançou obras de destaque como Livro de Silbion, Danações, O Poço do Calabouço, Riopampa – O Moinho das Tribulações, História da Literatura Brasileira, entre outros trabalhos de poesia, romance, ensaio, contos ou literatura infantojuvenil. O próprio escritor já perdeu as contas de quantas publicações acumula – estima-se que sejam mais de 80. Além da escrita, também exerceu a advocacia e chegou a ser procurador de Justiça do Rio Grande do Sul. Em conversa com GZH, fala sobre a poesia nos dias de hoje, sobre a vida entre o Estado e o Rio de Janeiro, onde mora, e sobre ser imortal da ABL. 

(Do caderno DOC, de Zero Hora, outubro de 2022)

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