segunda-feira, 3 de outubro de 2022

O poeta filósofo

 

Quintino Cunha tinha pavor aos ignorantes, notadamente àqueles que atingiam posição de destaque na política, na sociedade, no comércio, nas artes ou... nas letras. 

Nas oitavas abaixo reproduzidas, o poeta adverte-nos o perigo que o ignorante oferece à humanidade: 

O Mentiroso e o Ignorante 

O mentiroso é consciente

da mentira que ele explora.

Mas o ignorante ignora,

que ignora o que fizer.

De onde suponho, com acerto,

ser natural que prefiras

um soltador de mentiras

a um ignorante qualquer.

A Ignorância 

Na história da teimosia,
entra a rudeza e a arrogância,
é tão forte a ignorância,
tão cruenta, tão mendaz,
que a própria Sabedoria;
de tudo, sabendo tanto,
não pode saber de quanto
o ignorante é capaz.
 

É imenso o trovário do conhecido epigramista cearense. Eis algumas redondilhas, à moda popular, de sua autoria: 

O homem que se sujeita
a caprichos de mulher,

É zero escrito à direita
de uma unidade qualquer.
 

Mesmo sem subserviência,
quem se ampara em proteção,
ou vive de dependência,
ou morre na humilhação.

Reforma de quando em quando,

Segundo o meu parecer,

é uma vela se apagando

e outra pra se acender... 

O cearense, em criança,

nasce na fé, com verdade;

cresce e vive na esperança

e morre na caridade. 

Quando foi criado o selo de educação e saúde, Quintino farpeou, com esta quadra, um advogado, seu conterrâneo, homem doente do corpo e da inteligência: 

Um bacharel doente e rude,
quase morreu de desgosto,

por não pagar o imposto

de Educação e Saúde... 

Alguns meses antes de fechar os olhos à vida, no seu leito de dor, o poeta brincava com a morte. Marido amantissirno, Quintino ditou estes versos, de humor à Swift, ao seu sobrinho Renato Sóldon, pedindo-lhe mostrasse-os, depois, à sua dedicada esposa, a titulo de brincadeira: 

Spes Unica 

Morto, dentro da fria sepultura,
sem te poder falar?

E tu, que me amas, boa criatura,
indo me visitar...
 

Banhada de suspiros, de soluços,
desmaiada, talvez...

Muita vez reclinada, até de bruços,
na altura dos meus pés...
 

Pedindo a Deus o meu viver eterno
junto das glórias suas;

que me livre das penas do inferno,
e a chorar continuas...
 

Lembrando nossa vida a todo instante
repassada de dor,

a lembrar-te que fui o teu amante,

o teu único amor, 

Mal, pensando na horrífera caveira,
em que me transformei,

exausto de fadiga, de canseira,
imaginar não sei...
 

Para evitar essa hora amargurada,
esse quadro de dor, tão verdadeiro,
Deus há de ser servido, minha amada,
que tu morras primeiro!...
 

Afinal, aos 68 anos de idade, no dia primeiro de Junho de 1943, em Fortaleza, Quintino Cunha fechava os olhos à vida. Sem nada possuir, senão um grande talento e enorme cultura, ele mesmo ditou, momentos antes de morrer, o epitáfio para o seu túmulo:

O Padre Eterno, segundo
refere a História Sagrada,
tirou o Mundo do nada...

E eu nada tirei do mundo. 

(Do Blog de Antonio Miranda)

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