domingo, 2 de outubro de 2022

Que país é este?

 Martha Medeiros

Tem que ter algo por trás. Não é possível que, diante de tanta vulgaridade e retrocesso, alguém ainda queira manter a situação como está. Não cola mais o argumento de rejeição ao PT, pois mesmo o partido tendo cometido erros no passado, e erros graves, ainda assim tem um histórico de conquistas sociais e de respeito à democracia. Na comparação, é a opção que melhor atende as necessidades que o país tem hoje de atrair investimentos estrangeiros, colocar nos ministérios pessoas bem-preparadas e estabelecer um amplo diálogo com a sociedade, através das alianças feitas. 

Se não é rejeição ao PT, seremos medíocres por natureza, então? Tenho o povo brasileiro em melhor conta. Medíocres, não. Medrosos, é possível. A repressão sempre nos foi mais familiar do que a liberdade. A escravidão. A religião. O militarismo. Tem gente que ganha a chave de casa, mas não consegue abandonar seu lugar de obediência. Prefere se aprisionar ao que conhece, mesmo que seja algo opressor. Agarra-se à falsa sensação de que existe alguém cuidando de nós, basta que sejamos bonzinhos. 

Não querem saber de “invenção de moda”, que é como designam as mudanças que o tempo, inevitavelmente, traz. É duro descartar modelos a que se estava acostumado. É preciso preparo psicológico, intelectual e emocional para se adaptar às transformações: ler mais, buscar informação de qualidade, conhecer a verdade dos outros. Se os padrões de comportamento se tornam flexíveis, há que se aprender as novas regras, jogar fora conceitos mofados para que um novo “eu” nasça: mas quem garante que será o “eu” definitivo? Com quantos “eus” se atravessa uma vida inteira? O processo parece trabalhoso. E é mesmo, exige coragem. 

Como coragem não está à venda na Amazon, inventou-se um aforismo que os acomodados adoram tirar da manga para justificar a resignação. Algo como “quem não é de esquerda aos 20 não tem coração, quem não é de direita aos 40 não tem cérebro” – há variações em outras palavras. Ou seja, quando jovens, temos a permissão de ser idealistas e sonhar em mudar o mundo, mas depois de casar, ter filhos e ganhar algum dinheiro, viva o cinismo. Melhor ser um conservador, pois, afinal, se meteu nesta enrascada, está preso às convenções e merece uma compensação: pensar apenas no seu bolso e nos seus interesses. 

Pois espero que o Brasil continue idealista, entusiasmado e aberto. Que volte a ser amoroso em vez de bélico, que não precise empunhar uma arma para provar que é macho e que saiba reciclar as ideias para evitar ser antigo. Neste domingo, saberemos se somos um país acovardado e parado no tempo, ou um país livre, a caminho do futuro. 

(Do caderno Donna, de Zero Hora, 2 de outubro de 2022)

Nenhum comentário:

Postar um comentário