(Pequena tragédia brasileira em um ato)
De Jô Soares (In Revista
Veja)
Freguês: − Garçom, por favor. Eu queria um café
com leite e uma rosquinha.
Garçom: − O senhor vai me desculpar, mas não tem
mais rosquinha.
Freguês: − Ah? Não tem rosquinha?
Garçom: − Não, senhor.
Freguês: − Não faz mal. Então me dá só um
cafezinho simples. Isso. Só um cafezinho. (pausa) Com uma rosquinha.
Garçom: − Eu acho que não expliquei direito. Eu
falei pro senhor que não tem mais rosquinha. Acabou a rosquinha.
Freguês: − Ah, bom. Se é assim, muda tudo. Acabou
a rosquinha?
Garçom: − Acabou, sim senhor.
Freguês: − Então me traz um copinho de leite.
Leite tem?
Garçom: − Tem, sim senhor.
Freguês: − Beleza! Me traz um copo de leite. Com
uma rosquinha.
Garçom: − Eu disse que não tem mais rosquinha!
Torrada tem, rosquinha não tem! Há três anos que não tem mais rosquinha!
Freguês: − Calma, o senhor também não precisa
ficar nervoso. Não tem, não tem. Eu peço outra coisa. Qualquer coisa. Eu não
sou difícil pra comer. Eu tomo o que o senhor quiser. Chocolate, chá, sei lá.
Chá o senhor tem?
Garçom: − Tenho, sim senhor.
Freguês: − Então taí. Traz um chazinho. (pausa)
Com uma rosquinha.
Garçom: − Eu já disse que eu não tenho rosquinha!
Faz o seguinte, vai em outro boteco! Não me enlouquece! Vai em outro boteco!
Freguês: − Não, pode deixar. Vamos mudar tudo. O
que eu não quero é que o senhor se aborreça. Em vez disso, me dá uma coisa que
alimente mais. Totalmente diferente. Uma coalhada. Taí. Uma coalhada. Coalhada
tem?
Garçom: − Tem.
Freguês: − Tem mesmo?
Garçom: − Tem.
Freguês: − Vê lá, hein? Não vai me fazer mudar o
pedido de novo à toa.
Garçom: − Eu já disse que tem! O senhor vai querer
ou não?!
Freguês: − Vou querer o quê?
Garçom: − A coalhada!
Freguês: − Claro que sim. Acho ótimo. Uma
coalhada. (pausa) Mas não esquece da rosquinha.
Garçom: − O senhor é maluco, é? Não tem rosquinha!
Não tem rosquinha!
Freguês: −Tá bom, tá bom. Não precisa gritar. Traz só a
rosquinha, pronto.
Freguês 2: (que está sentado
na mesa ao lado) − Escuta aqui. O senhor quer enlouquecer o garçom,
é? Há dez minutos que estou ouvindo essa sua conversa doida e juro que não sei
como ele está aguentando!
(Para o garçom)
− Olha, não liga pra esse
maluco, não. Traz logo essa porcaria dessa rosquinha e manda ele embora.
F I M
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