domingo, 15 de março de 2020

No botequim

(Pequena tragédia brasileira em um ato)

De Jô Soares (In Revista Veja)



Freguês: − Garçom, por favor. Eu queria um café com leite e uma rosquinha.
Garçom: − O senhor vai me desculpar, mas não tem mais rosquinha.

Freguês: − Ah? Não tem rosquinha?
Garçom: − Não, senhor.

Freguês: − Não faz mal. Então me dá só um cafezinho simples. Isso. Só um cafezinho. (pausa) Com uma rosquinha.
Garçom: − Eu acho que não expliquei direito. Eu falei pro senhor que não tem mais rosquinha. Acabou a rosquinha.

Freguês: − Ah, bom. Se é assim, muda tudo. Acabou a rosquinha?
Garçom: − Acabou, sim senhor.

Freguês: − Então me traz um copinho de leite. Leite tem?
Garçom: − Tem, sim senhor.

Freguês: − Beleza! Me traz um copo de leite. Com uma rosquinha.
Garçom: − Eu disse que não tem mais rosquinha! Torrada tem, rosquinha não tem! Há três anos que não tem mais rosquinha!

Freguês: − Calma, o senhor também não precisa ficar nervoso. Não tem, não tem. Eu peço outra coisa. Qualquer coisa. Eu não sou difícil pra comer. Eu tomo o que o senhor quiser. Chocolate, chá, sei lá. Chá o senhor tem?
Garçom: − Tenho, sim senhor.

Freguês: − Então taí. Traz um chazinho. (pausa) Com uma rosquinha.
Garçom: − Eu já disse que eu não tenho rosquinha! Faz o seguinte, vai em outro boteco! Não me enlouquece! Vai em outro boteco!

Freguês: − Não, pode deixar. Vamos mudar tudo. O que eu não quero é que o senhor se aborreça. Em vez disso, me dá uma coisa que alimente mais. Totalmente diferente. Uma coalhada. Taí. Uma coalhada. Coalhada tem?
Garçom: − Tem.

Freguês: − Tem mesmo?
Garçom: − Tem.

Freguês: − Vê lá, hein? Não vai me fazer mudar o pedido de novo à toa.
Garçom: − Eu já disse que tem! O senhor vai querer ou não?!

Freguês: − Vou querer o quê?
Garçom: − A coalhada!

Freguês: − Claro que sim. Acho ótimo. Uma coalhada. (pausa) Mas não esquece da rosquinha.
Garçom: − O senhor é maluco, é? Não tem rosquinha! Não tem rosquinha!
Freguês: −Tá bom, tá bom. Não precisa gritar. Traz só a rosquinha, pronto.

Freguês 2: (que está sentado na mesa ao lado) − Escuta aqui. O senhor quer enlouquecer o garçom, é? Há dez minutos que estou ouvindo essa sua conversa doida e juro que não sei como ele está aguentando!

(Para o garçom)

− Olha, não liga pra esse maluco, não. Traz logo essa porcaria dessa rosquinha e manda ele embora.

F I M

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