Febre verde-amarela
Eduardo Bueno
Como
se fosse uma bofetada − ao mesmo tempo irônica e trágica − da mão do destino, o
navio, embora norte-americano, chamava-se... Brazil. Havia zarpado de New
Orleans, onde um pequeno surto de febre amarela já fora identificada, e logo
fez escala em Cuba − sempre Cuba! −, onde a doença grassava solta. O vapor
então seguiu seu rumo para Salvador, na Bahia. Chegou lá em 30 de setembro de
1849.
Como
dois marujos haviam morrido a bordo − sendo sepultado no mar −, o Brazil não
poderia aportar. Mas, suspeita-se, teria subornado as autoridades portuárias e
obtido carta branca − a então chamada “carta de saúde” −, para desembarcar sua
carga. E seus contaminados tripulantes circularam livremente pela cidade.
E
foi assim que a febre amarela chegou ao Brazil, ops, ao Brasil. Febre
verde-amarela, no caso.
Só
que chegou e foi solenemente ignorada. Dois médicos ingleses, os irmãos
Alexander e John Patterson, e um alemão, Otto Wucherer, de imediato perceberam
a gravidade da situação e, três dias depois, emitiram o alerta: a terrível,
contagiosa e mortífera febre amarela estava de volta ao Brasil, 200 anos depois
de ter sido erradicada do país. Qual o resultado de sua ação? Bem, os três
foram quase linchados.
Sim,
pois, após uma reunião com o então presidente da província, o emérito visconde
de São Lourenço, foram afrontados pelos não menos eméritos membros do Conselho
de Salubridade Pública em pleno palácio. E, no dia 4 de dezembro, o governo
emitiu nota afirmando que “a opinião de nossos facultativos está em oposição à
dos médicos estrangeiros” e “a presente febre nada tem em si de contagiosa nem
de assustadora, sendo os casos graves ou fatais que agora se registram
meramente devidos à predisposição dos doentes a outras moléstias, ou aos sustos
de que os doentes têm se deixado apoderar ou finalmente a tratamentos
contrários à razão”. Assim, uma rígida medida profilática foi tomada: proibiu-se
o dobrar dos sinos, “pois eles incutem nos doentes a ideia da morte, que muito
agrava seu estado e pode até causá-la nos indivíduos mais nervosos”.
De
Salvador, a febre amarela espalhou-se por todo o Brasil e calcula-se que tenha
vitimado mais de 30 mil pessoas, 5 mil delas só em Salvador, quem sabe se não
pelo letal dobrar dos sinos.
(...)
(Do jornal Zero, junho de 2020)
*****
Eduardo
Bueno (Peninha), Porto Alegre, 30 de maio
de 1958,
é um jornalista,
escritor
e tradutor
brasileiro.
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