sexta-feira, 19 de junho de 2020

Recordar é reviver

O tempo levou: um roteiro dos anos 1980

Jorge Luiz Bledow*


Vindo de Três Passos, cheguei à Capital, para morar, em 1980. Faz 40 anos. Eu achava que não me adaptaria, mas vivo em Porto Alegre até hoje.

Ia ao supermercado Castelão, do Menino Deus. Havia o Cine Marrocos, na avenida Getúlio Vargas, a Companhia do Sanduíche e a Pizzaria Chuca. Ali, mandávamos ver quem comia mais fatias. Acho que foi um dos primeiros rodízios de pizza. Era bom! Às vezes, jantava no Zepelim, na Getúlio com a Ipiranga. Abastecia no posto do Touring Club e frequentava o centro Comercial João Pessoa (o primeiro da cidade). A novidade era o cinema e, depois, ir ao café Paris, bem romântico. Estive lá muitas vezes, depois de assistir a um filme.

No primeiro ano, me matriculei no Instituto Pré-Vestibular (IPV), na Salgado Filho. Fiz o supletivo e pré-vestibular e consegui vaga no curso de Engenharia Civil da UFRGS, na qual ingressei em 1981. Ainda no centro, fui várias vezes à CRT para fazer ligações interurbanas (DDD). Não era como hoje. Precisava ir aonde houvesse cabine telefônica.

Também frequentei o inferninho Peter Pan. Lá, tinha uma jukebox, daquelas que se vê em filmes americanos antigos, em que se põe uma ficha e ela toca a música escolhida. Era um barato.

Comprei livros na Globo, da Rua da Praia, e na Sulina, da Borges de Medeiros, em frente ao Capitólio. Uma vez, fui ao Le Club. Nunca fui ao Água na Boca, que não era para o meu contracheque. Eu tinha um Fiat 147, azul-noite, e ia ao Taba, que ficava em Ipanema, na beira do rio. Era tempo da discoteca.

Frequentei o Rose Place, o Clube da Saudade, o Sandália de Prata, o Chippʼs e Fascinação. Tive um Passat Pointer 1983, baita carro! Vi show do Noel Guarany, na Reitoria, e também de um guri chamado Borghettinho, que tocava gaita-ponto no CTG 35.

Algumas vezes, almocei na Paçoquinha, em Canoas, mas, quando estudava na UFRGS, era no RU. Tomei café no Ribʼs, da Andradas. Ia à Pulperia, no Largo da Epatur. Ao Tio Flor, da Getúlio, e, algumas vezes, jantei no Vinha DʼAlhos. De madrugada, o lanche era no Cachorro do Rosário ou no Mac Dinhos, da São Luís, e no Jacaré, da Lima e Silva. Sopa era no Van Gogh, da República, ou no Luanda, na José do Patrocínio. Caipirinhas no Bate-Bate, de Ipanema. Pedalinho no lago da Redenção. Aniversários infantis com Tio Tôni.

Cheguei a viajar de Transbrasil e de Varig várias vezes.

Comíamos xis na Rótula do Papa. Aliás, estive na missa que ele rezou onde hoje há uma cruz em sua homenagem, perto do antigo Estádio Olímpico, hoje em ruínas.

Ainda se usava calças boca de sino. Comprei roupas na Mesbla, no Alfred, no Saco & Cuecão, na Escosteguy e na Hipo Imcosul. Eletrodomésticos na J.H. Santos e na Manlec. Material esportivo na Cauduro, na Couro Esporte e na Courolândia. Já tive poupança no Bando Sulbrasileiro e na Caixa Econômica Estadual. Revelei muitas fotografias, tiradas com minha Olympus Trip 35, na Cambial.

Vi filmes no Victória, Lido, Guarani, Cacique, Baltimore, Marrocos, Capitólio, Avenida, Roma e em outros. Até no Bailão do Cardoso eu já fui. Brinquei de festa do chope na Cristóvão e assisti a muitos audiovisuais do Flávio Del Mese no Stúdio, da Cidade Baixa. Ali perto, eu ia no Bar do Miro, onde, para não fazer barulho, aplaudia-se estalando os dedos. Aos domingos, às 19 h, começava Os Trapalhões. Depois, no Fantástico, o Chico Anysio fazia sua crônica engraçada e inteligente e, em vez dos cavalinhos, a Zebrinha anunciava o resultado da Loteria Esportiva. Uma vez, fiz 13 pontos. Deu a lógica. Ganhei o equivalente a meio salário mínimo e foi-se com isso toda a minha sorte de ficar rico.

Assisti à primeira temporada de Bailei na Curva, no Teatro do IPE, e a O Cabaré de Maria Elefante, no Renascença. Conheci o grupo Oi Nóis Aqui Traveiz. Aos domingos, dava uma passada no Brique, comia frango assado com polenta no Bom Fim e passeava na Redenção. Ali, uma cigana me disse: “Vejo uma morena na tua vida”.

Comprei apartamento, financiado em 25 anos, na Lima e Silva, em frente à antiga Cooban, que depois virou o Zaffari, que ainda existe. O resto... o tempo levou!

*****

*Jorge Luiz Bledow, engenheiro militar, que acaba de lançar o livro “Prende o Velhinho e Outras Trapaças”, com crônicas escritas durante a quarentena.

(Do Almanaque Gaúcho, de Zero Hora, junho de 2020)


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