domingo, 3 de maio de 2020

Um fato histórico da política brasileira.



A capa do livro de memórias Ernesto Geisel*

Neste texto, não iremos emitir qualquer conceito político, só iremos transcrever algumas partes do livro de memórias de ex-presidente do Regime Militar, Ernesto Geisel, que governou o Brasil de 1974 a 1979.

O regime militar ficou no poder no Brasil de 31 de março de 1964 – 15 de março de 1985.

O general Ernesto Geisel (Bento Gonçalves, RS, 3 de agosto de 1907 – Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1996), deu uma longa entrevista gravada à Maria Celina D′Araújo, doutora em ciência política pela Luperj, pesquisadora do CPDOC/FGV e professora de ciência política da UFF, e a Celso Castro, doutor em antropologia social pelo Museu Nacional/UFRJ e pesquisador do CPDOC/FGV.

O livro foi lançado em 1997, um ano após a morte de Ernesto Geisel, a pedido dele.

Ao longo de muitas horas de entrevista ao CPDOC, Geisel narrou sua história: infância, formação intelectual e profissional, funções na administração pública e experiência no Exército. A parte central da entrevista refere-se a sua participação no regime militar, principalmente durante o período em que ocupou a presidência da República.

A parte que irá ser transcrita é a que se refere a uma pessoa que está em evidência no cenário político atual no Brasil.

Pergunta:

Dentro da doutrina da ESG (Escola Superior de Guerra), como fica a relação dos militares com a política?

Resposta de Geisel:

(...)

Quanto ao fato de muitos políticos baterem na porta do quartel, devo dizer que isso sempre existiu. Vocês não conhecem a história do Castelo? (Branco) Quando os políticos começavam a aliciar, a sondar os militares, ele vinha com a história das “vivandeiras batendo nos portões dos quartéis”.* As vivandeiras eram as mulheres que acompanhavam o Exército na Guerra do Paraguai, eram as lavadeiras, as que viviam ali por perto da tropa. Castelo dizia que os políticos eram as vivandeiras porque toda vez que o político começa a se exacerbar nas suas ambições ele logo imagina a revolução. E a revolução é feita pelas Forças Armadas. Por isso ele vai bater na porta do quartel, vai procurar seduzir o militar. Neste momento em que estamos aqui conversando, há muitos dizendo: “Temos que dar um golpe! Temos que derrubar o presidente! Temos que voltar à ditadura militar!” E não é só o Bolsonaro, não! Tem muita gente no meio civil que está pensando assim. Quantos vêm falar comigo, me amolar com esse negócio: “Quando é que o Exército vai dar o golpe? O senhor tem que agir, é preciso voltar!” São as vivandeiras!*

*Este trecho do depoimento foi concedido em 28 de julho de 1993, durante o governo de Itamar Franco. Jair Bolsonaro, ex-militar, era deputado federal pelo Rio de Janeiro.

(...)

É sempre a política entrando no Exército. Isso e mais ou menos tradicional. Tenho a impressão de que, à medida que o país se desenvolve, essa interferência vai diminuindo. Presentemente, o que há de militares no Congresso? Não contemos o Bolsonaro, porque o Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar. Mas o que há de militar no Congresso? Acho que não há mais ninguém. Minha opinião é que, à medida que o tempo passa, essa ingerência vai diluindo e desaparecendo. Tem raízes históricas, mas agora, com a evolução, vai acabar.

*O general Ernesto Geisel foi o responsável pela abertura democrática lenta, gradual e segura.

P.S. Entrar numa ditadura até que é fácil, sair dela demora quase 20 anos...

(Uma ditadura)... Requer prender um monte de gente, cassar outras tantas. Se houver resistência, torturar e matar. Também exige anular a Constituição e costurar todo um novo ordenamento jurídico, além de, nesse meio-tempo, enfrentar o opróbrio de países antes aliados e instituições internacionais. 

(Roberto Pompeu de Toledo, revista Veja, abril de 2020.)


Xerox da página 112


Xerox da página 113

P.S. A frase de Castelo Branco:

“Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar”.

Vivandeira: Mulher que vende ou leva mantimentos, seguindo tropas em marcha. Político que costumeiramente procura tumultuar a situação política.

Alvoroçada: Em estado de agitação; inquieta, sobressaltada.

Bivaque: Estacionamento provisório de tropas, a céu aberto, protegidas ou não por barracas etc., ou sob algum tipo de abrigo natural como árvores.

Bulir: Mexer.

Granadeiro: Soldado especializado no lançamento de granadas.

Extravagância: Qualidade de extravagante; ação que escapa às normas usuais do bom senso, do equilíbrio emocional, do bom gosto. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário