Paulinho da Viola por JBosco
Uma história do Paulinho da Viola na Lapa
Paulinho
da Viola caminhava à noite pela Lapa e ouviu um som familiar. Isso aconteceu há
menos de um ano, quando os tempos ainda não eram pandêmicos e as noites cariocas
esfervilhavam de alegre aglomeração de seres humanos.
Sei
dessa história porque o próprio Paulinho da Vila postou no facebook, embora ele
não seja muito afeito às redes. O vídeo mostra Paulinho, debaixo de seus
cabelos brancos, avançando em meio à multidão, enquanto a melodia de Choro Negro, que ele compôs há mais de
40 anos, evolava-se pelo ar, feito o aroma de uma comida boa.
Paulinho
foi em frente devagar, seguindo a música, como os ratos seguiam o flautista de
Hamelin. De onde viria? Quem estava tocando?
(...)
Pois
ele foi ziguezagueando entre as pessoas, até encontrar a fonte da música. Era
um grupo que tocava na calçada, e tocava bem, o Choro Negro era executado com
precisão profissional. Paulinho parou, sorrindo, os braços cruzados no peito.
As pessoas no entorno o reconheceram e começaram a aplaudir. Ele ficou ouvindo,
quieto. Um dos músicos era um senhor de cabelos tão brancos quanto os dele, só que
mais velho, encurvado pela idade, uns 80 anos, talvez. Muito concentrado,
debruçado ao violão, nem percebeu que o autor da música que tocava o observava.
Paulinho continuou olhando e ouvindo até o fim. Então, foi cumprimentar os
músicos. Foi de um a um e deteve-se no senhorzinho de cabeça branca. Conversou
com ele por algum tempo, com respeito, com atenção. Por fim, cumprimentou-o
mais uma vez, e depois se foi.
Bonito
aquilo, o autor de uma música encontrando-a ao acaso pela rua. Bonita também a
reverência do Paulinho da Viola com o velho músico da calçada. Fiquei pensando
que, hoje, os dois, o Paulinho e o músico estão recolhidos em casa,
protegendo-se da peste. A Lapa deve estar silenciosa, os bares devem estar
vazios, tudo à espera de um tempo mais seguro, quando de novo poderemos viver
esses momentos simples, momentos que são até banais, mas que são tão maravilhosos.
(Da coluna de David Coimbra, na Zero Hora, maio de
2020)
P.S. Choro Negro é uma
interpretação instrumental e está na internet.
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