quarta-feira, 20 de maio de 2020

Paulinho da Viola se encontra com sua música


Paulinho da Viola por JBosco

Uma história do Paulinho da Viola na Lapa

Paulinho da Viola caminhava à noite pela Lapa e ouviu um som familiar. Isso aconteceu há menos de um ano, quando os tempos ainda não eram pandêmicos e as noites cariocas esfervilhavam de alegre aglomeração de seres humanos.

Sei dessa história porque o próprio Paulinho da Vila postou no facebook, embora ele não seja muito afeito às redes. O vídeo mostra Paulinho, debaixo de seus cabelos brancos, avançando em meio à multidão, enquanto a melodia de Choro Negro, que ele compôs há mais de 40 anos, evolava-se pelo ar, feito o aroma de uma comida boa.

Paulinho foi em frente devagar, seguindo a música, como os ratos seguiam o flautista de Hamelin. De onde viria? Quem estava tocando?

(...)

Pois ele foi ziguezagueando entre as pessoas, até encontrar a fonte da música. Era um grupo que tocava na calçada, e tocava bem, o Choro Negro era executado com precisão profissional. Paulinho parou, sorrindo, os braços cruzados no peito. As pessoas no entorno o reconheceram e começaram a aplaudir. Ele ficou ouvindo, quieto. Um dos músicos era um senhor de cabelos tão brancos quanto os dele, só que mais velho, encurvado pela idade, uns 80 anos, talvez. Muito concentrado, debruçado ao violão, nem percebeu que o autor da música que tocava o observava. Paulinho continuou olhando e ouvindo até o fim. Então, foi cumprimentar os músicos. Foi de um a um e deteve-se no senhorzinho de cabeça branca. Conversou com ele por algum tempo, com respeito, com atenção. Por fim, cumprimentou-o mais uma vez, e depois se foi.

Bonito aquilo, o autor de uma música encontrando-a ao acaso pela rua. Bonita também a reverência do Paulinho da Viola com o velho músico da calçada. Fiquei pensando que, hoje, os dois, o Paulinho e o músico estão recolhidos em casa, protegendo-se da peste. A Lapa deve estar silenciosa, os bares devem estar vazios, tudo à espera de um tempo mais seguro, quando de novo poderemos viver esses momentos simples, momentos que são até banais, mas que são tão maravilhosos.

(Da coluna de David Coimbra, na Zero Hora, maio de 2020)


P.S. Choro Negro é uma interpretação instrumental e está na internet.

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