Por Fátima Fabiana
A história de hoje não possui um
retrato, Pulcena, podemos apenas imaginar como eram suas feições!
Em 1804, um casal liberto, que
vinha da costa africana, festejava o nascimento de sua bebezinha. Levaram sua
maior preciosidade à Igreja Nossa Senhora das Mercês (Nossa Senhora das
Necessidades), na localidade de Povo Novo, no município de Rio Grande.
Um ano antes, na mesma pia
batismal, Antônio de Souza Netto recebia o sagrado sacramento. Manoel Ventura e
Joana Dias apresentavam a Deus a pequenina Polocena Dias, que com o tempo
passou a ser chamada de Pulcena Dias. Cresceu no campo com pouco ou nenhum
luxo...
No seu coração havia um sonho, o
de conhecer um homem bom e se casar para ter sua própria família. Com seus
vinte e alguns anos conheceu Francisco Joaquim e ele ficou encantado com a
esbelta; seu rosto era redondo, com olhos negros cativantes emoldurados por
cabelos volumosos. Seu sorriso franco conquistou o amor de Joaquim. Casaram-se
e tiveram três filhas. Pulcena não sabia ler e nem escrever, mas sabia
trabalhar e trabalhava com amor e dedicação. Limpava, lavava e cozinhava. Cesária,
Luiza e Joaquina eram suas maiores alegrias, mas infelizmente seu esposo
falece.
A luta pela vida e a necessidade
de criar as meninas a fez resistir. Não faltava trabalho. Nunca souberam o que
era usar roupas novas, e, no entanto, sempre andavam limpas, esbanjando
capricho.
Um dia, o sotaque português do
marinheiro Manuel Fagundes lhe aqueceu o coração! Foi impossível não se
apaixonar. Ela lhe deu um varão, Marcílio*, que era tudo para a mãe e muito
mimoso! O tempo passou e seu menino, agora com 17 anos, tornou-se um teimoso e
algumas vezes ela teve que utilizar o chinelo… Alguém chega gritando: “Dona
Pulcena, Dona Pulcena, é o Marcílio!” Ela saiu desesperada. Marcílio havia se
envolvido em uma briga e se esvaía em sangue. Marcílio
não levava desaforo para casa. Foi até à delegacia e registrou o ocorrido.
Em 1855 ela foi presa, acusada de
introduzir moedas falsas. Ela disse aos filhos que era inocente. Chamou o
padrinho do menino e pediu que o levasse para a Marinha. Naquela época, a
Marinha funcionava como um castigo, uma escola, um lugar que “recrutava”
crianças pobres para um local de baixos soldos e de muitas chibatas, porém para
os pais era a única chance de uma vida “melhor”, viajar e quem sabe, aprender a
ler! Foi difícil, mas era um mal necessário para seu mocito aprender a ter
responsabilidades. Durante toda a vida, Pulcena dizia ao filho para ser
obediente e mostrar ao mundo que ele tinha valor. Ele era filho de um homem do
mar. Seu pai atravessou o mar e ele podia atravessar também! Ser pobre não é
defeito! Defeito é ser preguiçoso e covarde!
Em 1855, o jovem ingressa na
Marinha. Em pouco tempo a mãe é absolvida e retoma sua rotina. Sente muita
saudade de seu filho amado. Chega a notícia de que ele esteve doente... Fica
desesperada! Precisa ver sua cria! Pulcena recorre a todas as senhoras para
quem sempre lavou, passou e cozinhou, para que a ajudem a trazer seu pequeno.
Ela suplicou tanto, que em 1857 desembarca em Rio Grande um mulato
marinheiro corpulento, alto, garboso. A mãe e as irmãs não acreditam que era o
Marcílio… Choraram muito de felicidade… Dias felizes! Ela não se cansava de
falar do seu orgulho! Dizia a todos: “Olhem o Marcílio, é o homem mais lindo da
Marinha do Imperador”. Mas a licença expirou… Para a Marinha ele voltou... A
mãe o beijou e disse que sempre estaria com ele, que amor de mãe vai aonde os
olhos não enxergam.
Em 1864, Marcílio se destacou em
Paysandu, com a bandeira do Brasil, emocionado, gritava “Vitória!”. Na ímpia
Guerra do Paraguai, em 1865, Pulcena já estava em seu descanso eterno e o jovem
marinheiro gaúcho, cercado por 4 inimigos, não se entrega. Algo em seu peito
gritava: “Não está morto aquele que peleia”. E ele peleou, peleou como sua mãe
e sua ancestralidade e com seu sabre matou dois, foi atingido, o braço
decepado... Não desistia e comovia até o comandante Barroso. Riachuelo entra
para a história.
Marcílio não resiste! Seu túmulo
são as águas doces do Rio Paraná. Seu nome está gravado de Norte a Sul do
Brasil. Os relatos de seus contemporâneos ajudaram a montar o seu retrato. No
centro de minha cidade, a Rainha da Fronteira, uma das ruas tem o nome deste
filho de lavadeira. Heróis são homens que resistem e insistem. Atrás de um
filho herói existiu uma mãe heroína! Eu sei que muitos heróis nasceram em
berços humildes e o maior de todos os seres humanos nasceu em uma manjedoura...
Educação é a única solução para esta Nação. Hoje, o maior hospital da Marinha,
na Cidade Maravilhosa, tem o nome deste gaúcho. O neto dos africanos fez
história!
*****
O Imperial Marinheiro de Primeira
Classe Marcílio Dias, era filho de Manuel Fagundes e de Dona Pulcena Dias,
nasceu no Rio Grande do Sul, em 1838.
Ingressou na Marinha como Grumete
aos 17 anos de idade, tendo sentado praça no Corpo de Imperiais Marinheiros em
5 de agosto de 1855.
Ao verificar praça no Imperial
Corpo de Marinheiros, a fim de receber a instrução militar obrigatória,
Marcilio Dias teve como seu primeiro comandante o então Capitão-de-Mar-e-Guerra
Francisco Manuel Barroso da Silva, o futuro Comandante da nossa esquadra
vitoriosa em Riachuelo.
Tendo cursado a Escola Prática de
Artilharia, foi promovido a Marinheiro de Segunda Classe. Só podiam
matricular-se na escola acima as praças que soubessem, pelo menos, ler e
escrever. A sua sede era a bordo da Fragata Constituição. Depois realizou
viagem de instrução para pratica de artilharia a bordo da Corveta Imperial
Marinheiro. Dessa turma, composta de 38 alunos, somente 15 foram habilitados
nos exames finais, sendo Marcilio Dias um desses 15. Sempre fora, uma praça
distinta. Depreende-se daí, que Marcilio Dias não era, como muitos supõem
analfabeto; se a Escola, cujo fim principal era o de “criar artilheiros com as
necessárias habilitações para poderem desempenhar a bordo dos navios da Armada
os importantes cargos de Chefes de Peça, Fiéis de Artilharia, Carregadores e
Escoteiros, e a 11 de junho de 1865 Marcilio Dias era Chefe de Rodízio Raiado,
conclui-se que o seu preparo instrutivo era de nível bem elevado.
Aprovado nos exames, Marcilio
Dias embarcou na Canhoneira a Vapor Parnahyba, em 1863. Estava
esse navio em aprestos de viagem para o Rio da Prata, era seu Comandante o 1º
Tenente Aurélio Garcindo Fernandes de Sá.
Tomou parte ativa na tomada de
Payssandú e de Corrientes. A 11 de junho de 1885, trava-se a memorável Batalha
de Riachuelo.
A Parnahyba lançou-se sobre um
Vapor inimigo pondo-o a pique. É porem, abordada pelos outros dois. A luta foi
heróica. “Cada oficial, cada marinheiro, cada soldado, cumpriu o seu dever de
verdadeiro brasileiro.” A nossa bandeira, que chegou a ser arriada por um
oficial paraguaio, foi defendida até a morte pelo Capitão Pedro Afonso Ferreira
e pelo Guarda-Marinha João Guilherme Greenhaigh. Quase toda a guarnição de ré
foi acutilada.
Só com a aproximação da Fragata Amazonas,
que viera em socorro da Parnahyba, é que os paraguaios abandonaram a nossa
Canhoneira. O combate durara mais de uma hora. O Comandante Garcindo de Sã,
tendo em vista a gravidade da situação, já ordenara ao Escrivão de Segunda
Classe José de Correia da Silva que lançasse fogo ao paiol de pólvora.
Os paraguaios percebendo que
vinham em socorro da Parnahyba, a Fragata Amazonas, o Vapor Belmonte e a
Canhoneira Mearim, precipitaram-se ao rio, procurando ganhar a margem do Chaco.
Depois disso a nossa bandeira foi de novo içada.
O Comandante Garcindo de Sã, em
parte que dirigiu ao Comandante-Chefe da Esquadra brasileira, assim se
expressou sobre Marcilio Dias: “O Imperial-Marinheiro de Primeira
Classe Marcilio Dias, que tanto se distinguira nos ataques de Paissandu,
imortalizou-se ainda nesse dia. Chefe do rodízio raiado, abandonou-o, somente,
quando fomos abordados, para sustentar braço a braço a luta de sabre com quatro
paraguaios.
“Conseguiu matar dois, mas teve
de sucumbir aos golpes dos outros. Seu corpo crivado de horríveis cutiladas,
foi por nós piedosamente recolhido, e só exalou o último suspiro ontem (12 de
junho), às duas horas da tarde, havendo-se-lhe prestado os socorros que me
tornara digna a praça mais distinta da Parnahyba. Hoje (13 de junho), pelas 10
horas da manhã, foi sepultado, com rigorosa formalidade, no rio Paraná, por não
termos embarcação própria para conduzir seu cadáver à terra.
Andréa, Júlio. A Marinha
Brasileira: florões de glórias e de epopeias memoráveis. Rio de Janeiro, SDGM,
1955.
NOMAR − Noticias da Marinha, Rio
de Janeiro, SRPM, n.º 502, abr/mai/jun. 1985; n.º 686, jun. 1999.
Combate Naval do
Riachuelo – de Victor Meirelles*
* A pintura acima, hoje reside no Museu
Histórico Nacional no Rio de Janeiro.
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