quarta-feira, 27 de maio de 2020

Receita de marchinha



Carnaval por Liberati

Qual o segredo de uma boa marchinha? Essa é uma pergunta que as pessoas sempre me fazem. É difícil saber. O sucesso é algo muito complicado e depende de uma porção de fatores. Antes de mais nada, vale observar umas marchinhas de sucesso. Por exemplo: “Mamãe, eu quero”, esse estouro do Vicente Paiva e do Jararaca:

Mamãe, eu quero,
Mamãe, eu quero,
Mamãe, eu quero mamar.
Me da chupeta,
Me dá chupeta,
Me dá chupeta,
Pro bebê não chorar.

Em primeiro lugar, ela é de fácil assimilação e a melodia não se parece com nenhuma outra. Isso, eu acho fundamental. Outra coisa muito importante é a divisão das frases. Repare que tem respiração entre uma frase e outra. É aí que está o segredo. É para o público poder cantar sem precisar correr. Porque a marchinha num baile, ou num bloco, deve ser cantada de forma fácil e ninguém pode se atrapalhar.  Já imaginou uma música com uma frase em cima de outra? O folião não conseguiria nem respirar e isso não pode! A marchinha tem que propiciar certo descanso na maneira de ser cantada. Embora curta, ela deve ter espacinho entre uma frase e outra. Precisa ter também um tema divertido. Existem marchinhas românticas, por exemplo, mas elas não pegam com facilidade. A marchinha, em geral, é irônica, satírica e divertida. E as marchinhas se eternizam quando são bem- feitas, até com temas de quarenta, cinquenta anos atrás. Por exemplo: “Mamãe, eu quero” deve ter sido uma frase engraçada lá pelos anos 1930. Mas essa marcha é tão forte que ainda é cantada até hoje aos altos brados e em todos os bailes e blocos de carnaval. E por que ela ficou? Ela possui todos os fatores que se combinam: melodia fácil e original, boa respiração, é irônica, tem bom tema e se adapta bem ao dois por quatro, que é a batida de todas as marchinhas de carnaval. Você não pode fazer uma marchinha com notas muito longas. Tem que ser uma coisa balançada e gostosa. E o resultado é esse aí: as marchinhas estão mais vivas do que nunca!

Sempre procurei fazer minhas marchinhas assim. Não tenho regra. O que eu disse não é regra. Quem sou eu para criar regras para as marchinhas de carnaval? Mas eu sempre procurei fazer marchas originais e sem grande dificuldade para o público aprender. Elas são irônicas e abordam temas que estão na boca do povo. Mas sempre procurei fugir de fazer música parecida com outra. Para falar em bom português: não sou, nem nunca fui adepto do plágio. Minhas músicas também têm respiração fácil. Pode reparar que as marchinhas que ficaram estão sempre dentro desse princípio. Tem uma respiraçãozinha entre uma frase e outra, como nessa do Benedito Lacerda e do Umberto Porto:

Ó, jardineira, por que estás tão triste?
Mas o que foi que te aconteceu?

E também nesse outro sucesso dor irmãos Ferreira:

Ei! Você aí!
Me dá um dinheiro aí,
Me dá um dinheiro aí.

Esse padrão se repete também na marchinha do Nássara e do Haroldo Lobo:

Allah-la ô, ô ô ô ô ô ô
Mas que calor, ô ô ô ô ô ô.

E digo mais: por causa dessa respiração, a pausa entre as frases, é que a marchinha pode ser curta. Com letra pequena, que é para todo mundo decorar fácil. E sendo curta, ela não pode ser rápida. E esse descanso natural permite que ela dure mais tempo. Se você cantar depressa o meu maior sucesso, “Cabeleira do Zezé”, a marcha acaba rapidinho. Pode tentar! Aí, ela vira quase uma tarantela. Não dá! E não fica balançada, que é o mais gostoso para brincar o carnaval. Outra coisa muito importante, que eu aprendi, é que justamente nesses espacinhos entre as frases é que a bateria coloca aquelas marcações que todo o mundo acompanha. Repara só:

Corta o cabelo dele! (PAM! PAM!)
Corta o cabelo dele! (PAM! PAM!)

E também dá para todo o mundo fazer graça e colocar coisas que, a princípio, não estavam na música:

A gangue só me chama de palhaço,
Palhaço, (É A MÃE!)
Palhaço. (É A MÃE!)

Uma vez me falaram que eu tinha colocado na letra de “Cabeleira do Zezé” a palavra “bicha”. Realmente, quando chega naquela hora do “Será que ele é... Será que ele é...”, ninguém resiste e tasca logo um “BICHA!”. Mas isso começou no programa do Sílvio Santos, quando a música era cantada pelo auditório e aquelas moças que ficam lá atrás dançando gritavam um sonoro “BICHA!”. E a coisa pegou... Mas essa “bicha” não é minha, não!

*****

(Do livro “Cabeleira do Zezé e outras histórias,
de João Roberto Kelly e André Weller)


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