Carnaval por Liberati
Qual
o segredo de uma boa marchinha? Essa é uma pergunta que as pessoas sempre me
fazem. É difícil saber. O sucesso é algo muito complicado e depende de uma porção
de fatores. Antes de mais nada, vale observar umas marchinhas de sucesso. Por
exemplo: “Mamãe, eu quero”, esse estouro do Vicente Paiva e do Jararaca:
Mamãe, eu
quero,
Mamãe, eu
quero,
Mamãe, eu
quero mamar.
Me da
chupeta,
Me dá
chupeta,
Me dá
chupeta,
Pro bebê não
chorar.
Em
primeiro lugar, ela é de fácil assimilação e a melodia não se parece com
nenhuma outra. Isso, eu acho fundamental. Outra coisa muito importante é a
divisão das frases. Repare que tem respiração entre uma frase e outra. É aí que
está o segredo. É para o público poder cantar sem precisar correr. Porque a
marchinha num baile, ou num bloco, deve ser cantada de forma fácil e ninguém
pode se atrapalhar. Já imaginou uma
música com uma frase em cima de outra? O folião não conseguiria nem respirar e
isso não pode! A marchinha tem que propiciar certo descanso na maneira de ser
cantada. Embora curta, ela deve ter espacinho entre uma frase e outra. Precisa
ter também um tema divertido. Existem marchinhas românticas, por exemplo, mas
elas não pegam com facilidade. A marchinha, em geral, é irônica, satírica e divertida.
E as marchinhas se eternizam quando são bem- feitas, até com temas de quarenta,
cinquenta anos atrás. Por exemplo: “Mamãe, eu quero” deve ter sido uma frase
engraçada lá pelos anos 1930. Mas essa marcha é tão forte que ainda é cantada
até hoje aos altos brados e em todos os bailes e blocos de carnaval. E por que
ela ficou? Ela possui todos os fatores que se combinam: melodia fácil e
original, boa respiração, é irônica, tem bom tema e se adapta bem ao dois por
quatro, que é a batida de todas as marchinhas de carnaval. Você não pode fazer
uma marchinha com notas muito longas. Tem que ser uma coisa balançada e
gostosa. E o resultado é esse aí: as marchinhas estão mais vivas do que nunca!
Sempre
procurei fazer minhas marchinhas assim. Não tenho regra. O que eu disse não é
regra. Quem sou eu para criar regras para as marchinhas de carnaval? Mas eu
sempre procurei fazer marchas originais e sem grande dificuldade para o público
aprender. Elas são irônicas e abordam temas que estão na boca do povo. Mas
sempre procurei fugir de fazer música parecida com outra. Para falar em bom
português: não sou, nem nunca fui adepto do plágio. Minhas músicas também têm
respiração fácil. Pode reparar que as marchinhas que ficaram estão sempre
dentro desse princípio. Tem uma respiraçãozinha entre uma frase e outra, como
nessa do Benedito Lacerda e do Umberto Porto:
Ó,
jardineira, por que estás tão triste?
Mas o que foi
que te aconteceu?
E
também nesse outro sucesso dor irmãos Ferreira:
Ei! Você aí!
Me dá um
dinheiro aí,
Me dá um
dinheiro aí.
Esse
padrão se repete também na marchinha do Nássara e do Haroldo Lobo:
Allah-la ô, ô
ô ô ô ô ô
Mas que
calor, ô ô ô ô ô ô.
E
digo mais: por causa dessa respiração, a pausa entre as frases, é que a
marchinha pode ser curta. Com letra pequena, que é para todo mundo decorar
fácil. E sendo curta, ela não pode ser rápida. E esse descanso natural permite
que ela dure mais tempo. Se você cantar depressa o meu maior sucesso,
“Cabeleira do Zezé”, a marcha acaba rapidinho. Pode tentar! Aí, ela vira quase
uma tarantela. Não dá! E não fica balançada, que é o mais gostoso para brincar
o carnaval. Outra coisa muito importante, que eu aprendi, é que justamente nesses
espacinhos entre as frases é que a bateria coloca aquelas marcações que todo o
mundo acompanha. Repara só:
Corta o
cabelo dele! (PAM! PAM!)
Corta o
cabelo dele! (PAM! PAM!)
E
também dá para todo o mundo fazer graça e colocar coisas que, a princípio, não
estavam na música:
A gangue só
me chama de palhaço,
Palhaço, (É A
MÃE!)
Palhaço. (É A
MÃE!)
Uma
vez me falaram que eu tinha colocado na letra de “Cabeleira do Zezé” a palavra
“bicha”. Realmente, quando chega naquela hora do “Será que ele é... Será que
ele é...”, ninguém resiste e tasca logo um “BICHA!”. Mas isso começou no
programa do Sílvio Santos, quando a música era cantada pelo auditório e aquelas
moças que ficam lá atrás dançando gritavam um sonoro “BICHA!”. E a coisa
pegou... Mas essa “bicha” não é minha, não!
*****
(Do livro “Cabeleira do Zezé e outras histórias,
de João Roberto Kelly e André Weller)
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