domingo, 3 de dezembro de 2023

Poemas de Manuel Bandeira

 

Porquinho-da-índia 

Quando eu tinha seis anos

Ganhei um porquinho-da-índia.

Que dor de coração me dava

Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!

Levava ele pra sala

Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos

Ele não gostava:

Queria era estar debaixo do fogão.

Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

‒ O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada. 

O bicho 

Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos. 

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade. 

O bicho não era um cão

Não era um gato,

Não era um rato. 

O bicho, meu Deus, era um homem. 

Tema e variações 

Sonhei ter sonhado

Que havia sonhado. 

Em sonho lembrei-me

De um sonho passado:

O de ter sonhado

Que estava sonhando. 

Sonhei ter sonhado…

Ter sonhado o quê?

Que havia sonhado. 

Estar com você.

Estar? Ter estado.

Que é tempo passado. 

Um sonho presente

Um dia sonhei.

Chorei de repente,

Pois vi, despertado,

Que tinha sonhado. 

Andorinha 

Andorinha lá fora está dizendo:

‒ Passei o dia à toa, à toa! 

Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!:

‒ Passei a vida à toa, à toa. 

*******

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho foi um poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. É considerado como parte da geração de 1922 do modernismo no Brasil. Seu poema “Os Sapos” foi o abre-alas da Semana de Arte Moderna.

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