Carpinejar
Carpinejar por Marcelo Lopes de Lopes
Que eu não recrimine quem não
concorda comigo.
Que eu não tente convencer o outro pedir desculpas – cada um tem seu tempo e seu ritmo.
Que eu dispense chantagens e
birras.
Que eu aguente o silêncio e
as dúvidas.
Que eu não olhe para baixo
antes de me aventurar nas alturas.
Que eu escreva bilhetes de
amor fora das datas comemorativas.
Que eu planeje meu aniversário com antecedência e não dependa de festa surpresa.
Que eu telefone mais e mande menos
áudios.
Que eu visite mais meus
afetos e dê menos explicações.
Que eu frequente mais a
academia e menos as farmácias.
Que eu viaje para sentir
saudade.
Que eu mate a fofoca quando
ela passar por mim.
Que eu aprenda a somente gastar o que recebo, a pagar à vista para não sofrer depois com o cartão de crédito.
Que eu cuide de mim ao
atravessar a rua ou a inveja.
Que me dê o luxo de ficar na varanda até anoitecer, até ouvir as cigarras.
Que eu repare como está a
lua, se o céu anda estrelado.
Que eu não me atrase nos encontros e reuniões, não deixe ninguém esperando.
Que eu ajude sem questionar.
Que eu ofereça conforto sem
condenar.
Que eu não exija demais de
mim.
Que eu não exija demais de
quem eu amo.
Que eu leia diante da lareira, diante da janela, durante a chuva, diante do mar quebrando as ondas.
Que eu dance sem música.
Que eu gargalhe sem piada.
Que eu me emocione sem
motivo.
Que eu chore sem censura.
Que a reciprocidade e o
merecimento possam reger meus contatos.
Que eu esteja apenas onde sou bem-vindo, que eu me demore onde sou benquisto.
Que eu não vá a nenhum lugar
contrariado, só para agradar.
Que eu me reserve o direito
de me afastar das pessoas tóxicas.
Que eu fique bem quando
estiver de mal com alguém.
Que eu espere a raiva passar.
Que eu encontre frestas para ser livre, para tomar banho de cachoeira, para me conectar com a natureza.
Que eu desfrute de companhia para dividir o chimarrão, companhia para brindar com vinho.
Que eu esqueça o celular no
bolso.
Que eu tenha coragem para diversificar os pratos, para me arriscar em receitas exóticas, para sair um pouco do que já gosto.
Que eu jamais passe adiante
segredos de amigos.
Que eu nunca seduza para me
sentir importante.
Que eu conte animadamente
como foi meu dia na hora do jantar.
Que eu não veja somente o que
está errado.
Que eu durma em paz e
desperte mansamente, longe de sobressaltos.
Que eu escute meus pais com paciência, não querendo me antecipar aos seus pensamentos.
Que eu doe as roupas que não
uso.
Que eu gaste as roupas novas dentro de casa, mostrando-me elegante aos meus íntimos.
Que eu não tenha medo da
sinceridade.
Que eu não procure culpados
para meus próprios desacertos.
Que eu saiba do meu valor,
que eu reconheça o meu esforço.
Que demonstre empatia na
doença e no luto.
Que eu reze para agradecer.
Que eu não desista de um
objetivo pelo tamanho das filas.
Que eu não me preocupe com a
volta quando estiver me divertindo.
Que eu use somente as
palavras em que acredito.
Que eu tenha menos vaidade na hora de ouvir e mais vaidade na hora de falar.
Que eu atenda aos conselhos
da intuição.
Que eu não sofra mais com o meu time, que ele não leve gol nos últimos minutos.
Que eu faça brigadeiros para
maratonar séries e não me aflija com a dieta.
Que o governo seja competente
para ser esquecido.
Que eu não tenha que jurar
por Deus para me tornar confiável.
Que eu regue as plantas,
hidrate os meus sonhos.
Que eu não reclame do calor e
do trânsito a todo momento.
Que eu aceite a vida
escolhida pelos meus filhos.
Que eu estabeleça amizade a
partir da gentileza.
Que eu não precise repetir o
que me dói.
Que eu me lembre de ser feliz enquanto ainda estou vivo.
(Da sua coluna no jornal Zero Hora, 24 de dezembro de
2023)
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