Lygia Fagundes Telles
Eu
fui ao cinema sozinha, como sempre vou, fui ao cinema perto da minha casa, mas
a sessão atrasou e acabei vindo muito mais tarde do que eu pensava. E vim
meia-noite pela rua da Consolação, que é a rua onde está o edifício onde eu
moro, e começaram aquele... Olha o medo, aquele medo físico. Olha o medo: eu
posso ser assaltada. Eu me lembro que eu tinha uma bolsinha, minhas bolsas são
pequenas, e botei aqui [mostra como colocou a bolsa embaixo do braço]. De repente
ouvi uma moto que vinha vindo e que foi travando na sua velocidade. Eu disse:
eu estou sendo perseguida. Eu pensei: ai, mas que fim triste, eu aqui com meus
pensamentos, que fim triste, levar uma estocada. Eu estava com pouco dinheiro,
eu levei o dinheiro apenas para o cinema e estava com a bolsa, nem sei, levei a
bolsa, um chiclete, mas estava sem dinheiro. Inclusive eu não podia dar
dinheiro, porque estava sem dinheiro, tinha pouquíssimo, e a motocicleta
parecia coisa de cinema, fita de terror: aquela motocicleta e eu apressando o
passo. Percebi que a motocicleta apressou também. Eu disse: bom, agora é o fim.
Quando atravessei a rua Oscar Freire para entrar no quarteirão do prédio onde
eu moro, a motocicleta deu uma deslanchada, aí eu corri, corri alucinadamente.
É um pedaço curto para chegar no prédio onde eu moro, meia-noite, deserto, ele
[o condutor] acelerou junto comigo e quando eu estava subindo a escadaria,
achando que ele iria vir por trás para me estocar com a faca, ele gritou: “Lygia
Fagundes Telles, eu te amo!”, e foi embora. Eu vi um jovem descabelado, nem
usava capacete, eu nunca mais o verei. E aí eu entrei em prantos, entrei em
prantos no meu prédio e o porteiro, muito delicado o porteiro da noite:
“Aconteceu alguma coisa?” ‒ “Não, não, não aconteceu nada. Eu estou tão feliz”.
Lygia Fagundes da Silva Telles (São Paulo, 19 de abril de 1918 – São Paulo, 3 de abril de 2022), também conhecida como “a dama da literatura brasileira” e “a maior escritora brasileira” enquanto viva, foi uma escritora brasileira, considerada por acadêmicos, críticos e leitores uma das mais importantes e notáveis escritoras brasileiras do século XX e da história da literatura brasileira.
Além de advogada, romancista e contista, e, Lygia teve
grande representação no pós-modernismo, e suas obras retratavam temas
clássicos e universais como a morte, o amor, o medo e a loucura,
além da fantasia.
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