quinta-feira, 4 de abril de 2024

A CASA

Sei dos filhos

pelo modo como ocupam a casa:

uns buscam os recantos,

outros existem à janela.

A uns satisfaz uma sombra,

a outros nem o mundo basta.

Uns batem com a porta,

outros hesitam como se não houvesse saída.

Raras vezes, sou pai.

Sou sempre todos os meus filhos,

sou a mão indecisa no fecho,

sou a noite passada entre relógio e escuro.

Em mim ecoa a voz

que, à entrada, se anuncia: cheguei!

E eu sorrio, de resposta: chegou?

Mas se nunca ninguém partiu...

E tanto em mim

demoraram as esperas

que me fui trocando por soalho

e me converti em sonolenta janela.

Agora, eu mesmo sou a casa,

essa infatigável casa

a que meus filhos

eternamente regressam. 

Mia Couto 


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