quinta-feira, 8 de novembro de 2018

As Medidas


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Vou falar agora sobre as Medidas, ou o Sistema Métrico.

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− Medir é uma das coisas mais importantes da vida humana. Os homens não fazem nada sem primeiro medir. Quem vai comprar chita numa loja, obriga o caixeiro a medir um pedaço de fazenda. Quem vai vender feijão no mercado da vila, pesa-o antes de entrar em negócio. Pesar é medir. O automóvel que para numa bomba de gasolina a fim de encher o tanque, faz o bombeiro medir a gasolina que entra. Sem essas medições seria impossível negociar. Se eu vou a uma casa e peço um pedaço de morim, ou um pouco de açúcar, faço papel de idiota. Tenho de pedir tantos metros de morim ou tantos quilos de açúcar. A base da vida dos negócios, portanto, é a medição.

Mas todos os países tinham suas medidas, de modo que a trapalhada era grande. Daí veio a ideia de organizar medidas que servissem para todos os povos − e os sábios começaram a estudar a questão. As medidas devem ser de três espécies. Temos que medir as coisas que têm comprimento, como uma corda, uma peça de morim. Temos que medir os líquidos, como o querosene, o vinho, o leite, ou as coisas esfareladas ou reduzidas a pequenos pedacinhos, como o arroz, o açúcar, o café. E temos de medir o peso de certos materiais.

Em primeiro lugar, os sábios trataram de achar a melhor medida para as coisas que têm  comprimento − e inventaram o Metro. Que é o Metro?

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Era preciso encontrar uma medida fixa, que os homens não pudessem nunca alterar, e então eles se lembraram de tomar a distância entre o Equador e o Polo Norte. Fizeram lá uns cálculos e acharam que tinha 5.130.740 toesas.

− Que é toesa?

− Era uma medida de comprimento usada na Europa.

− Mas se havia essa toesa, para que inventaram o metro? A humanidade não ia vivendo muito bem com a toesa?

− Não ia. O comprimento da toesa era, como se diz, arbitrário sem base, variando de um ponto para outro. Não prestava, a toesa. Eles mediram aquela distância em toesas porque não havia outro meio. Acharam, como já disse, que a distância entre o Equador e o Polo Norte era de 5.130.740 toesas e então dividiram essa distância em dez milhões de partes iguais. Tomaram uma dessas partes e deram-lhe o nome de Metro. Quer dizer que o Metro é a décima milionésima parte da distância entre o Equador e o Polo. E pronto! Nunca mais poderia haver dúvida sobre o comprimento do Metro. Quem o quisesse verificar, era tomar outra vez aquela distância e dividi-la em dez milhões de partes.

− E que quer dizer Metro? − perguntou Narizinho.

− É uma palavra que vem do grego metron, medida. Temos na língua muitas palavras em que entra o metro como termômetro, instrumento para medir a temperatura; barômetro, instrumento para medir a pressão atmosférica; cronômetro, instrumento para medir o tempo, etc. E o novo sistema de medidas ficou se chamando Sistema Métrico, porque a base dele é o Metro.

Depois de obtida a medida de comprimento, os sábios trataram de arranjar a medida de capacidade, isto é, a medida para os líquidos ou as coisas esfareladas − e inventaram o Litro.

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− Litro − explicou o Visconde − é o primeiro filho do Metro. Depois de arranjado o Metro para medir o comprimento, os sábios arranjaram o Metro Quadrado para medir as superfícies. O Metro Quadrado é uma superfície quadrada que tem um Metro de cada lado, assim:


Depois arranjaram o Metro Cúbico, para medir as coisas líquidas ou esfareladas. O Metro Cúbico é um cubo que tem um Metro de comprimento, um Metro de largura e um Metro de altura, assim:


Depois dividiram esse bloco em mil bloquinhos iguais, assim:


E cada um desses bloquinhos ficou sendo a milésima parte do bloco inteiro, ou um Decímetro Cúbico. Pois o tal litro é isso: é um Decímetro Cúbico. Depois que desse modo foi conseguida uma medida fixa para os líquidos, acabou-se a atrapalhação de medidas sem base científica. Um litro é sempre a mesma coisa em qualquer país do mundo. Não varia. É sempre um Decímetro Cúbico, ou a milésima parte do Metro Cúbico.

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− Restava ainda conseguir a medida fixa para as pesagens. Se eu quero comprar chumbo, por exemplo, não posso medir esse metal com o Metro, nem com Litro. Tenho de usar a balança e pesá-lo. Mas qual devia ser a unidade de peso das balanças? Era outra atrapalhada no mundo. Havia toda a sorte de pesos, havia Onças, e Arrobas, e Quintais, e Oitavas, e Libras, sempre variando de um ponto para outro. Como para medir o comprimento havia Léguas, e Milhas, e Braças, e Varas, e Côvados, e Palmos e Passos, e Pés, e Polegadas. Como para medir líquidos havia Pipas, e Almudes, e Quartilhos. Como para medir coisas secas e esfareladas havia os Alqueires e Quartas que a nossa gente da roça ainda usa.

Tudo isso já não tem razão de ser, depois do Sistema Métrico inventado pelos sábios. Para medir comprimentos temos o Metro ou as divisões e multiplicações do Metro. Para medir Líquidos temos o Litro ou as divisões e multiplicações do Litro. Para medir as coisas de peso temos o Quilo, que se divide em mil Gramas.

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− O Quilo e o Grama − continuou o Visconde − são também filhos do Metro. Os sábios tomaram um Metro Cúbico de água destilada e o dividiram em mil partes iguais − cada parte ficou sendo um Quilo. Depois dividiram o Quilo em mil partes iguais, e cada parte ficou sendo um Grama.

O Visconde continuou:

− Depois de arranjado o Metro, foi só dividi-lo em partes iguais para obter os Decímetros, os Centímetros e os Milímetros. Decímetro é a décima parte do Metro. Centímetro é a centésima parte. Milímetro é a milésima parte.

Depois prepararam as medidas grandes. Fizeram o Decâmetro que vale 10 Metros, medidas que ninguém emprega. Fizeram o Hectômetro, que vale 100 Metros e também não é usado. Fizeram o Quilômetro, ou mil Metros que é usadíssimo.

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Com o Metro e o Quilômetro os homens se arrumam perfeitamente. É mais fácil, por exemplo, dizer 10 metros do que dizer um Decâmetro.

− E para o Grama fizeram a mesma coisa. Dividiram-no em Decigrama, Centigrama e Miligrama. Decigrama é a décima parte dum Grama; Centigrama é a centésima parte; Miligrama é a milésima parte.

Depois vieram as multiplicações. Decagrama, ou 10 Gramas. Não pegou. Hectograma, ou 100 Gramas. Também não pegou. E Quilograma, ou Quilo, como se diz vulgarmente. Esse pegou. Não há quem não use o Quilo, e também a Tonelada, ou mil Quilos.

− E o Litro?

− O Litro foi dividido em Decilitro ou décima parte dum Litro; em Centilitro ou centésima parte; e em Mililitro, ou milésima parte.

− E pegaram?

− Nada disso pegou. Ninguém usa. Como também ninguém usa as multiplicações do Litro − O decalitro, ou 10 litros; o Hectolitro, ou 100 Litros e o Quilolitro, ou 1000 Litros. Mais fácil dizer logo 10 Litros, 100 Litros ou 1000 Litros do que os tais Decalitro, Hectolitro e Quilolitro.

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− O Metro – continuou ele – divide-se em 100 Centímetros e cada Centímetro divide-se em 10 Milímetros.

− E para medir terrenos? – perguntou Pedrinho.

− Medição de terrenos é medição de superfície. Um terreno é uma superfície de chão. Para medida de superfície os sábios tomaram como eu já disse, o Metro Quadrado, e com 100 Metros Quadrados constituíram o Are, que ficou sendo a unidade.

− E o tal de Hectare que vovó tanto usa? Ela diz que aqui no sítio tem 520 Hectares...

− O Hectare – respondeu o Visconde – corresponde a cem Ares, ou 10.000 metros quadrados.

Mas entre nós as medidas de terrenos que mais usamos ainda são as antigas. Temos o Alqueire e a Quarta. Um Alqueire de terra é a superfície de chão onde cabe um Alqueire de grãos de milhos plantados; uma Quarta de terra é o chão que leva uma Quarta, ou 12 litros de milho.

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− E a Légua Quadrada, Visconde? Já ouvi falar nisso – observou Pedrinho.

− A antiga Légua, medida de comprimento que foi substituída pelo Quilômetro, tinha um valor muito variável. A usada no Brasil e chamada “Légua de Sesmaria”, tinha 6.600 metros. Já a Légua Marítima também usada pela nossa gente do mar, tinha 5.555 metros. Mas a Légua comum que ainda hoje usamos tem 6.000 metros justos.

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(Do livro “Aritmética da Emília”, de Monteiro Lobato,
Editora Brasiliense)



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