Luís Fernando Veríssimo
Pegaram o cara em flagrante roubando
galinhas de um galinheiro e levaram para a delegacia.
- Que vida mansa, hein,
vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai
para a cadeia!
- Não
era para mim não. Era para vender.
- Pior. Venda de artigo
roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha!
- Mas
eu vendia mais caro.
- Mais
caro?
- Espalhei o boato que as
galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas galinhas não. E que as do
galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons.
- Mas
eram as mesmas galinhas, safado.
- Os
ovos das minhas eu pintava.
- Que grande pilantra...
Mas já havia um certo respeito no tom do delegado. Ainda bem que tu vais preso.
Se o dono do galinheiro te pega...
- Já me pegou. Fiz um
acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele,
e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais
aos meus. Convidamos outros donos de galinheiro a entrar no nosso esquema.
Formamos um oligopólio. Ou, no caso, um ovigopólio.
- E o
que você faz com o lucro do seu negócio?
- Especulo com dólar.
Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou
três ministros. Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para
programas de alimentação do governo e superfaturo os preços.
O delegado mandou pedir um cafezinho
para o preso e perguntou se a cadeira estava confortável, se ele não queria uma
almofada. Depois perguntou:
-
Doutor, não me leve a mal, mas, com tudo isso, o senhor não está milionário?
- Trilionário. Sem contar o
que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no
exterior.
- E,
com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas?
- Às
vezes! Sabe como é!
- Não
sei não, excelência. Me explique.
- É que, em todas essas
minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. O risco, entende? Daquela
sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do
castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é
excitante. Como agora. Fui preso, finalmente. Vou para a cadeia. É uma
experiência nova.
- O
que é isso, excelência? O senhor não vai ser preso não.
- Mas
fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro!
- Sim.
Mas primário, e com esses antecedentes...
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