segunda-feira, 19 de novembro de 2018

A colocação dos pronomes



João Ribeiro, in Língua Nacional
  
O brasileiro diz comumente:

− Me diga... me faça o favor...

É esse um modo de dizer de grande suavidade e doçura, ao passo que o − diga-mefaça-me − duros e imperativos.

O modo brasileiro é um pedido; o modo português é uma ordem.

Em − me diga − pede-se; em − diga-me − ordena-se. Assim, pois, somos inimigos da ênfase e mais inclinados às intimidades.

Eis o suposto erro que, afinal, é a expressão diversa da personalidade. E se quisermos uma prova decisiva nesta matéria, temo-la no uso chamado português que também fazemos, quando há necessidade, imperativas de mando ou de ênfase. Então, nesses casos, praticamos, sem o saber, a vernaculidade dos pronomes.

Se, entre brasileiros, um ordena que outro se retire, diz logo:

− Safe-se! Raspe-se! Suma-se!

É a ênfase que vernaculiza a expressão, e eis porque não a admitimos onde seria imprópria, excessiva e contrária à nossa índole.

− “Me passe os cobres...” é a fórmula de uma cobrança amigável.

− “Passe-me os cobres...” é já uma intimação violenta, judicial, manu militari.

Que interesse temos, pois, em reduzir duas fórmulas a uma única e em comprimir dois sentimentos diversos numa só expressão?

Em geral todas as mutilações por amor da vernaculidade (ou antes portuguesismo) envolvem qualquer sacrifício dalma, destroem os meios-tons, os matizes criados sob a luz e o céu americano.

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João Ribeiro (João Batista Ribeiro de Andrade Fernandes), jornalista, crítico, filólogo, historiador, pintor, tradutor, nasceu em Laranjeiras, SE, em 24 de junho de 1860, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 13 de abril de 1934.

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