Por João do Rio**
Encontrei ontem o Patriota. O
Patriota é um homem considerável. Ninguém sabe por que o cerca um tão curioso
prestígio, mas ninguém lhe nega a grande consideração a quem têm direito
personalidades de monta. Conheço-o há muito tempo. De físico varia às vezes. É
em certos momentos jovem, com a cara suarenta, o cabelo por cortar, o olhar
cintilante. Em outros surge velho, de grandes barcas, brandindo o guarda-chuva.
Quase sempre, porém, aparenta ter de quarenta a cinquenta anos. Mas o seu moral
não varia como não variam as roupas, que segundo o filósofo têm uma secreta
correspondência com o moral. Veste mal, muito mal. Parece esfregado d’óleo tão
reluzente está, e com dignidade, com ênfase, como um profeta clama em favor da
pátria.
É no país inteiro o único homem que
compreende o patriotismo sem interesse e ama verdadeiramente o Brasil. Como?
Sabendo tudo sempre péssimo e clamando por medidas de extrema violência. Depois
de ouvi-lo – e toda gente já o ouviu – ninguém se atreve a considerá-lo menos
que intangível, porque para eles todos são perdidos, devassos e desonestos,
ninguém ousa pensar no progresso do país porque ele o corta com o gládio negro
do impossível; ninguém tenta uma palavra que não seja de aplauso às suas ideias
porque ele fala como inspirado por um poder superior. É radical, é esplêndido,
é divino.
É o único homem que pensa sempre da
mesma forma, o único homem coerente porque pensa sempre mal dos outros homens,
das outras coisas, só compreendendo uma intenção boa e honesta: a própria (...)
Não há um homem que preste, não há um ato de governo que não seja considerado
um verdadeiro desastre para a causa pública. O Brasil, que ainda não se bateu
com todos os países dos quais já devia ter saído vencedor, é levado à ruína
pelos seus estadistas, uns ladravazes desavergonhados.
Então a
cidade iluminada à luz elétrica?
– Diz os
estrangeiros, Sr. Patriota, que é a cidade mais iluminada do mundo.
– Também com
tantos ladrões, quanto mais luz, melhor. Vejo, porém nisso uma verdade.
– Qual, Sr.
Patriota?
– As
ladroeiras da Light. As batotas do governo, essa miséria de nossos
governantes...
(De Vida Vertiginosa,
reunião de crônicas, 1911)
*Publicado originalmente na edição 893 de CartaCapital, com
o título “O Rio do João”.
**João do Rio, pseudônimo
de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto (Rio de Janeiro, 5 de agosto
de 1881
− 23 de junho
de 1921).
Foi um jornalista,
cronista, tradutor
e teatrólogo
brasileiro.
Era membro da Academia Brasileira de Letras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário