Eduardo Bueno
Marechal Deodoro da Fonseca
(05.08.1827 - 23.08.1892)
Não houve um só tiro − quer dizer,
houve dois, mas como ninguém os ouve em meio à gritaria, é como se nada tivesse
havido. Pois se ao menos esse dois estampidos ecoassem em seus ouvidos, então
os soldados do 1º Regimento de Cavalaria e seus colegas do 9º Batalhão,
agrupados em desordem unida em meio ao Campo de Santana, no Rio de Janeiro,
talvez percebessem que não estavam ali a participar de uma improvável parada
militar e sim... para derrubar um regime.
Mas quem iria supor que o velho
Deodoro da Fonseca, sob os achaques da idade e com a dispneia a abalá-lo, fosse
sair da cama para dar um golpe − ainda mais um golpe republicano? Além de
legalista, ele sempre fora a favor da monarquia. Tanto é que mal se passavam 60
dias desde que o provecto homem de caserna dissera:
− República no Brasil é coisa
impossível, pois será verdadeira desgraça. Os brasileiros estão e estarão muito
mal-educados para republicanos. O único sustentáculo do nosso Brasil é a
monarquia. Se mal com ela, pior sem ela.
Não é de estranhar, portanto, que ele
tenha esbofeteado o cadete que ousar lançar o grito supostamente entalado nas
gargantas: “Viva a República”. Não há prova de que Deodoro tenha revidado com
um “Viva o imperador”, como as más línguas espalhariam depois. Mas o fato é
que, em meio àquela confusa quartelada no raiar de 15 de novembro de 1889 − o
futuro marechal não destituiu Dom Pedro II. “O imperador é meu amigo”, disse
ele. “Devo-lhe favores.” E assim, quem caiu, mais com um suspiro do que um
estrondo, foi o chefe do gabinete dos ministros, o Visconde de Ouro Preto − que,
aliás, escreveria o livro Advento da
Ditadura Militar no Brasil, no exílio em Paris, em 1891.
Mas Dom Pedro II não duraria muito em
seu abalado trono. Naquele mesmo dia, embora já na calada da noite, Deodoro, na
cama e de pijamas, foi ludibriado por seus companheiros golpistas: eles lhe
disseram que o gaúcho Gaspar Silveira Martins, seu inimigo de morte, seria o
substituto de Ouro Preto. E então, quase sem fôlego, o velho soldado balbuciou:
“Digam ao povo que a República foi feita”, concretizando, sem tiros, sem sustos
e sem muito senso a queda do império naquele que viria a ser o primeiro golpe
militar de nossa história, embora, como o “movimento” (de tropas) de 1964, ele
tenha passado à História com nome mais pomposo: Proclamação da República.
Ainda assim, foi uma proclamação
“provisória”, pois ficou decidido que “se aguardaria o pronunciamento da nação,
livremente expressado por sufrágio popular”. E não é que um plebiscito foi
mesmo convocado? Sim, em 21 de abril de 1993, com 104 anos de atraso, quando o
Brasil provisoriamente republicano já havia vivido pelos menos mais três
golpes, que, como o primeiro, não ousaram dizer seu nome, apelidado de
revolução de 30, de Estado Novo e de revolução de 1964. Ah, morrendo e
aprendendo na escola sem partido...
(Em Zero Hora , novembro de
2018)
Visconde de Ouro Preto
(21.02.1836 - 21.02.1912)
Nenhum comentário:
Postar um comentário