sexta-feira, 16 de novembro de 2018

O primeiro golpe

Eduardo Bueno


Marechal Deodoro da Fonseca
(05.08.1827 - 23.08.1892)

Não houve um só tiro − quer dizer, houve dois, mas como ninguém os ouve em meio à gritaria, é como se nada tivesse havido. Pois se ao menos esse dois estampidos ecoassem em seus ouvidos, então os soldados do 1º Regimento de Cavalaria e seus colegas do 9º Batalhão, agrupados em desordem unida em meio ao Campo de Santana, no Rio de Janeiro, talvez percebessem que não estavam ali a participar de uma improvável parada militar e sim... para derrubar um regime.

Mas quem iria supor que o velho Deodoro da Fonseca, sob os achaques da idade e com a dispneia a abalá-lo, fosse sair da cama para dar um golpe − ainda mais um golpe republicano? Além de legalista, ele sempre fora a favor da monarquia. Tanto é que mal se passavam 60 dias desde que o provecto homem de caserna dissera:

− República no Brasil é coisa impossível, pois será verdadeira desgraça. Os brasileiros estão e estarão muito mal-educados para republicanos. O único sustentáculo do nosso Brasil é a monarquia. Se mal com ela, pior sem ela.

Não é de estranhar, portanto, que ele tenha esbofeteado o cadete que ousar lançar o grito supostamente entalado nas gargantas: “Viva a República”. Não há prova de que Deodoro tenha revidado com um “Viva o imperador”, como as más línguas espalhariam depois. Mas o fato é que, em meio àquela confusa quartelada no raiar de 15 de novembro de 1889 − o futuro marechal não destituiu Dom Pedro II. “O imperador é meu amigo”, disse ele. “Devo-lhe favores.” E assim, quem caiu, mais com um suspiro do que um estrondo, foi o chefe do gabinete dos ministros, o Visconde de Ouro Preto − que, aliás, escreveria o livro Advento da Ditadura Militar no Brasil, no exílio em Paris, em 1891.

Mas Dom Pedro II não duraria muito em seu abalado trono. Naquele mesmo dia, embora já na calada da noite, Deodoro, na cama e de pijamas, foi ludibriado por seus companheiros golpistas: eles lhe disseram que o gaúcho Gaspar Silveira Martins, seu inimigo de morte, seria o substituto de Ouro Preto. E então, quase sem fôlego, o velho soldado balbuciou: “Digam ao povo que a República foi feita”, concretizando, sem tiros, sem sustos e sem muito senso a queda do império naquele que viria a ser o primeiro golpe militar de nossa história, embora, como o “movimento” (de tropas) de 1964, ele tenha passado à História com nome mais pomposo: Proclamação da República.

Ainda assim, foi uma proclamação “provisória”, pois ficou decidido que “se aguardaria o pronunciamento da nação, livremente expressado por sufrágio popular”. E não é que um plebiscito foi mesmo convocado? Sim, em 21 de abril de 1993, com 104 anos de atraso, quando o Brasil provisoriamente republicano já havia vivido pelos menos mais três golpes, que, como o primeiro, não ousaram dizer seu nome, apelidado de revolução de 30, de Estado Novo e de revolução de 1964. Ah, morrendo e aprendendo na escola sem partido...
  
(Em Zero Hora, novembro de 2018)


Visconde de Ouro Preto
(21.02.1836 - 21.02.1912)

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