Quando chega dezembro, sempre retornam
as antigas e ternas recordações da minha infância lá na Vila Rica. No fim de
ano, aumentava o serviço no bolicho e no armazém. Com as férias do colégio,
dedicava-me exclusivamente a ajudar minha mãe no atendimento da venda campeira
e na entrega dos ranchos. Muitos clientes mandavam as listas de compras e, à
noite, depois de alimentados os animais e fechadas as portas, íamos para o
armazém sob a luz de um lampião a querosene separar os produtos, pesar e deixar
em caixas para que fossem entregues no outro dia de carroça. Naquele período,
havia uma grande movimentação lá em casa. Umas tias iam nos visitar e ajudar na
função. Minha mãe tinha o costume de lavar toda a casa, desde as paredes ao
teto, “para tirar a sujeita e o mau-olhado”. Gostava de começar o ano com a
casa limpa, como aprendera com a mãe dela, numa fazenda na Serra das
Encantadas.
Havia ainda as novenas, quando as
senhoras vizinhas carregavam a Santa de casa em casa para as rezas. As famílias
faziam seus pedidos e agradeciam pelas graças do ano. Lembro de um ano em que
um guri vizinho, o Chiquinho Brabo, pediu para que Jesus lhe devolvesse sua
irmãzinha Jaciara, de 3 anos, morta naquele ano de uma doença repentina. Eu,
que era mais velho, sabia que a Jaci nunca mais voltaria, mas nada disse ao
Chico. Sem saber o que fazer, dei-lhe duas pandorgas e a única bola de couro
que tinha. “Agora tu tens alguma coisa para brincar”, eu disse, entregando-lhe
o saco de estopa com os presentes.
Noutro ano, me surpreendi com dona
Esmeralda, a lavadeira, cuja família havia sido destroçada por uma enchente do
rio Ivaí. Ficara sozinha, ela e uma filhinha de colo. Apesar da tragédia,
agradeceu pela vida, pela filha e pediu a Deus apenas saúde, pois sabia
trabalhar e fibra tinha de sobra para criar o bebê. Nunca esqueci daquela
figura que nunca se abatia com os percalços e lutava confiando em dias
melhores. Dizem que a filha formou-se advogada, casou e buscou a mãe para morar
com ela na cidade.
Na Noite de Natal, rezávamos ao lado
de um presépio rústico. Depois comíamos carne assada, mandioca cozida, quibebe,
salada de maionese e tomávamos guaraná frisante Polar. De sobremesa, havia
arroz de leite, ambrosia, doce de abóbora e pedaços de melancia fresca que
ficava desde a véspera dentro de um poço num saco de estopa. As primas
brincavam de sapata, cinco-marias e bonecas de palha. Os guris faziam
carretinhas de lata, bois e cavalos de sabugo ou de osso. Todos juntos
corríamos à noite, no terreiro, atrás dos pirilampos. E a vida seguia assim,
tranquila, com aquela beleza singela que se encontra no coração solidário dessa
gente humilde, simples e justa que vive na simplicidade do campo.
Paulo Mendes, no Correio
do Povo, dezembro de 2011
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