Um personagem da vida boêmia de Porto Alegre
A foto de Benjamin
Junge pertence ao arquivo do Grupo Nuances.
Nega Lu e sua autodefinição:
“Sou preto, pobre e puto.”
Nega Lu, personagem símbolo da
Esquina Maldita, que abrigou um gueto boêmio com vida intelectual inquieta e
independente, em Porto
Alegre , nas décadas de 1960 e 1970.
Luiz Bastos era seu nome, mas todo
mundo só conhecia por Nega Lu, figura tradicional da esquina maldita. Sua
presença era o equilíbrio entre o medo da repressão “di cair”, do DOPS, e a
alegria louca da Nega Lu. Circulava com
desenvoltura em toda esquina maldita e toda Osvaldo Aranha, mas seu ponto
predileto era no Copa 70, bar da esquina da Sarmento com Osvaldo, que tinha
esse nome em homenagem ao tri campeonato brasileiro no México, enquanto no Alaska
as discussões eram sempre sobre política, no Copa 70 a coisa era mais liberal,
circulavam os mais “modernos” o território era livre, mas era comum grupos de
estudantes saírem do Alaska para “rachar” um carreteiro no Copa.
Pois nesse território Nega Lu fazia
seus shows particulares, suas performances sem programação prévia. Nunca teve
problema com sua sexualidade, homossexual, era respeitado em todos os grupos
que frequentavam a esquina, nem podia ser diferente, a esquina era vanguarda.
Inovador, extremamente ousada, desafiava os padrões e, provavelmente, a figura mais conhecida da esquina maldita, mesmo como toda a agitação política, a Nega Lu, sem dúvida, fora a figura mais marcante da esquina.
Inovador, extremamente ousada, desafiava os padrões e, provavelmente, a figura mais conhecida da esquina maldita, mesmo como toda a agitação política, a Nega Lu, sem dúvida, fora a figura mais marcante da esquina.
Professora de dança, carnavalesca,
era também a rainha da Banda Saldanha Marinho que saia pelas ruas do Menino
Deus. A Saldanha Marinho é o típico exemplo de manifestação cultural e popular
de Porto Alegre.
Com a morte de Nega Lu, foi-se também
um pouco da alegria da espontaneidade de uma cidade mais alegre. Segundo Mery
Mezzari, quando da sua morte disse “A Nega deixa saudade nos corações de seus
amigos, amigas, parentes, vizinhos. Com ela, vai-se um pouco da alegria e da
ousadia deste Porto Alegre. Vai, Nega, que a tua trajetória seja iluminada por
um globo de boate, que muitos “bofes” maravilhosos te esperem no Paraíso.
Porque a gente sabe que tu não estás morta. Tu viraste purpurina”.
Com a morte de Nega Lu, foi-se
também um pouco da alegria da espontaneidade de uma cidade mais alegre.
Uma estrangeira em Porto Alegre
Não precisava ser frequentador da
Esquina Maldita para ter visto Nega Lu cantar Summertime nos bares da Capital.
Mas foi na Sarmento com a Osvaldo que a bailarina e garçonete fez suas mais
inusitadas e lendárias performances.
Ela, na verdade ele, batizado Luiz
Aírton Bastos (1950 – 2005), é desses personagens que brilhariam mesmo numa
galeria dos mais reluzentes nomes da noite porto-alegrense. O relato de Esquina
Maldita lembra suas frases de efeito (“Sou uma mulher de pouca maquiagem, mas
que sabe usar os talheres”) e ressalta seu pioneirismo ao chamar a atenção para
a condição homossexual e ao cavoucar espaço nas companhias de dança (até então
bastante restritas).
O diretor teatral Júlio Conte
escreveu um conto sobre um encontro (fictício!) de Nega Lu com o escritor
Albert Camus. Foto abaixo. Após se encharcar de absinto no Alaska e esticar a
noite nos inferninhos da Voluntários da Pátria, Camus, que era francês nascido
na Argélia, teria revelado se sentir um “estrangeiro” em sua própria pátria. Ao
que Nega Lu respondeu: “Imagina eu, negro, pobre e veado, que canta jazz e mora
em Porto Alegre ”.
Encontro
inusitado
Rodrigo Lopes, grande cenógrafo
brasileiro, postou um comentário sobre o fato do escritor existencialista
Albert Camus também ter estado em Porto Alegre. Andei
pesquisando a vida do filosofo francês nascido na Argélia e descobri um fato
que pouca gente sabe. Camus, já famoso, passou efetivamente por Porto Alegre,
porém teve um encontro bastante tumultuado com uma figura famosa da cena
noturna da capital de nome Airton. Este nasceu um negão de voz grossa e pernas
firmes, porém, apesar de carregar o nome do maior zagueiro gaúcho de todos os
tempos, o central Airton Ferreira dos Santos, o nosso Airton enveredou pela
vida artística.
Cantava jazz como ninguém. Certo é
que nestes tempos aos que me refiro quase ninguém cantava no Paralelo 30, mas
isso não tira o seu mérito, pelo contrário, o exalta. Ele era especial. Ou ela,
por que entre outras virtudes estava sua capacidade de doação e de fazer os
outros felizes. Odiava quando o chamavam de Airton e isso só acontecia quando
era obrigado a mostrar a carteira de identidade para trocar um cheque no banco
ou quando levava um atraque da polícia durante suas incursões noturnas na
Redenção
Seu nome de guerra, regionalmente
conhecido, era Nega Lu. Figura querida tanto quanto folclórica, Nega Lu,
frequentava a Esquina Maldita como era conhecido a interseção da Sarmento Leite
com Oswaldo Aranha onde se abrigavam os lendários bares Alaska, Copa 70 e
Marius e reunia toda intelectualidade universitária quando existia
intelectualidade na universidade. Apenas o Marius ainda mantém as portas
abertas, mas nada tem a ver com o exuberante clima de sensualidade de debate
político que marcos os anos 60. Pois Nega Lu, habitué do Bar Alaska teve um
tórrido encontro com Camus. Beberam cachaça com absinto toda a madrugada até
que o Isack, garçom não menos lendário e simpático, começou e empilhar as
cadeiras e o dia amanhecia a revelia dos desejos conjuntos dos boêmios engajados.
Nega Lu resolveu levar Camus para a Voluntários da Pátria, último reduto da
alegria boêmia que teimava em não alvorecer. Nega Lu era fluente no francês e
entre uma canção e outra despejou todo seu charme sobre o francês. Albert Camus
suava bicas sob a elegante gabardine. Fumava um Galouises atrás do outro e
desenhava um manto azulado de fumaça como uma capa de rainha. Olhava nos olhos
de Nega Lu enquanto ela falava e Camus dava mostras de estar prestes a cair de
quatro, tal estado de sítio se encontrava. Nega Lu jura em seus diários
secretos que ele confessou depois de um longo silêncio para atravessar a
Farrapos que Camus sentir-se um estrangeiro em sua pátria, ao que Nega Lu
respondeu com uma gargalhada:
− Se você que é argeliano e francês
se acha estrangeiro, imagina eu, um nego, pobre, veado que canta jazz e que
mora em Porto
Alegre. Está bom pra ti ou que mais?
Camus parece não ter entendido,
pois se afastou assustado frente à aproximação de um pivete travestido no final
da Rua Garibaldi. Nega Lu jurava, enquanto estava viva, que Camus fugiu de seus
lábios, mas há que diga com desdém que ele era muito valente para encontrar
árabes assustadores em praias e ruas desertas, mas não tinha peito de olhar na
cara de um pivete na Garibaldi. Como somente parte dos diários secretos de Nega
Lu chegou aos nossos dias, está história não pode ainda se comprovada. A não
ser pelo testemunho do pivete travesti que anos depois é um conhecido Deputado
Federal de legenda incerta.
Texto de Júlio Conte
Capa do livro sobre Nega Lu
. Madrinha de oraçao da minha filhagostaria muito de comprar o livro. nao sei como. Fui assidua frequentadora da Esquina Maldita e mais ainda a Lu participou da minha vida profundamente. Cantavamos muito juntas e ela foi e sera sempre a madrinha da minha filha mais velha! Vozeirao! lINDA§
ResponderExcluirEsse livro foi editado pelo Centro Municipal de Cultura, Avenida Érico Veríssimo, 307. Lá ele deve estar à venda.
ResponderExcluirQue saudades da Nega Lu 😢
ResponderExcluirVoltei alguns anos vendo essa matéria
Fiz aulas de dança com ela na escola de Carlos Laporta
Saudades saudades saudades...