Nunca mais vi ninguém fumando
cachimbo. Nem o pai do Pimentinha nem o Saci-Pererê. Aliás, quase não vejo mais
ninguém fumando qualquer coisa.
Nunca mais vi ninguém pegando
jacaré. Nem caçando tatuí. Nem soltando pipa em forma de gaivota na praia.
Nunca mais vi ninguém acompanhando corrida de submarino no
Arpoador.
Nunca mais passei um fax. Nem
mandei telegrama. Nem recebi carta. Ultimamente, não tem ninguém nem deixando
recado na minha secretária eletrônica.
Nunca mais vi ninguém comprando um cartão-postal.
Nunca mais vi ninguém comendo
presuntada. Nem coquetel de camarão. Nem sanduíche de queijo com banana.
Nunca mais vi uma tolha de Linholene, aquela que parecia de
linho.
Nunca mais vi ninguém revelando um filme. Nem criando uma
comunidade no Orkut.
Nunca mais ouvi ninguém falar do Second Life.
Nunca mais vi o Cine Pirajá. Nem o Cine Jurema.
Nunca mais vi o Super Bruni 70.
Nunca mais vi ninguém brincando de polícia e ladrão. Nem de
pera, uva ou maçã.
Nunca mais vi ninguém jogando bola de gude.
Nunca mais tomei Mirinda. Nem uísque sour. Nem vinho
Liebfraumilch, que vinha numa garrafa azul.
Nunca mais vi um Simca Chambord. Nem um DKW Vemag.
Nunca mais vi um Renault Dauphine.
Nunca mais vi ninguém comprando
um disco. Nem ouvindo walkman. Nem escutando fita cassete.
Nunca mais vi o Tabuleiro da
Baiana. Nem o Palácio Monroe. Nem o prédio do Cassino Atlântico.
Nunca mais pus BomBril na antena para melhorar a imagem.
Nunca mais vi antena. Nem seletor de canais. Nem botão de
horizontal e vertical.
Nunca mais vi ninguém brincando
de telefone sem fio. Nem de “a palavra é...”. E nem de tesoura.
Nunca mais vi “O fino da bossa”. Nem o “Corte Rayol Show”.
Nunca mais ouvi alguém dizer
“pena que a TV não seja a cores”. Ou que “depois do sol, quem ilumina seu lar é
a Galeria Silvestre”. Ou que “ninguém vende mais barato que O Mundo das
Louças”. Ou que “o Príncipe veste hoje o homem de amanhã”.
Nunca mais vi um show do João Gilberto.
Nunca mais vi uma cédula de votação.
Nunca mais vi ninguém usando perfume Lancaster. Nem pomada
Minâncora.
Nunca mais ouvi a música ciclâmen.
Nunca mais vi ninguém consultando uma enciclopédia. Nem o
Aurélio. Nem o Houaiss.
Nunca mais vi um Electra II da Varig. Nem táxi com duas
portas e sem o banco do carona. Nunca mais vi um cinema drive-in.
Nunca mais vi uma miss com maiô Catalina.
Nunca mais vi um filme de Tarzan.
Nunca mais vi ninguém com calça
rancheira. Nem com sandália japonesa. Nem com blusa BanLon.
Nunca mais vi o meu autógrafo do Alberto Sordi. Nem o da
Maysa.
Nunca mais vi ninguém pedindo autógrafo.
Nunca mais vi uma máquina de
escrever. Nem uma cama Dragoflex.
Nunca mais vi ninguém usando lenços Paramount. Aliás, quase ninguém mais usa lenço.
Nunca mais vi ninguém usando lenços Paramount. Aliás, quase ninguém mais usa lenço.
Nunca mais vi ninguém dançando o
sa-sa-ruê. Nem ouvindo o jequibau. Nem ensaiando o let kiss.
Nunca mais vi o anúncio da hora
certa durante o intervalo comercial. Nem a previsão do tempo. Nem a
temperatura.
Nunca mais vi um cinejornal.
Nunca mais vi uma ficha de telefone. Nem um catálogo
telefônico.
Nunca mais ouvi sinal de discar.
Nunca mais vi ninguém usando creme dental Kolynos.
Nunca mais vi uma caneta-tinteiro. Nem um estojo de lápis.
Nunca mais vi um compasso. Ou uma régua T.
Nunca mais vi um esquadro.
Nunca mais vi um esquadro.
Nunca mais vi alguém dando aula
de caligrafia. Nem de trabalhos manuais. Nem de Educação Moral e Cívica. Nunca
mais vi um caderno com o “Hino Nacional” estampado na contracapa.
Nunca mais vi um filme de arte. Nem uma comédia sofisticada.
Nunca mais vi uma chanchada.
Nunca mais vi ninguém usando uma lanterna.
Nunca mais vi ninguém jogando pif-paf. Nem escopa.
Nunca mais vi ninguém jogando crapô.
Nunca mais vi um faquir.
Nunca mais vi um show no Golden Room.
Nunca mais fui ao Teatro Alaska.
Nunca mais fui ao Teatro Alaska.
Nunca mais fui ao Tivoli Park.
Nunca mais vi um ximbolê. Nem
alguém brincando de “ordem... seu lugar... sem rir... sem falar...”. Nunca mais
vi ninguém pulando amarelinha.
Nunca mais vi minha carteirinha
de sócio do Clube dos Amigos de Lassie. Nem minha bengala do Bat Masterson. Nem
minha calça Calhambeque.
Nunca mais vi um cachorro pequinês.
Nunca mais ouvi ninguém dizendo
que vai botar pra quebrar. Ou que entrou pelo cano. Ou que tô contigo e não
abro.
Nunca mais vi ninguém dançando de rostinho colado.
Nunca mais voei pela Varig. Nem pela Cruzeiro. Nem pela
Panair. Nem pela Vasp.
Nunca mais vi uma sirigaita. Nunca mais levei um safanão.
Nunca mais vi ninguém molhando o pão no café.
Nunca mais vou ver o Rio Doce.
Texto de Artur Xexéo
– O Globo de 22.11.2015
Artur Xexéo é carioca nascido em
1951 no bairro da Urca e criado em Copacabana. Jornalista ,
torce pelo Fluminense e pela escola de samba Vila Isabel. Trabalhou no
"Jornal do Brasil", e nas revistas "Veja" e
"IstoÉ". Escreve no jornal "O Globo" há quase uma década,
além de colaborar com outros veículos de comunicação.
Arthur Xexéo morreu em junho de 2021, de câncer, com 69 anos de idade. Deixou viúvo seu companheiro Paulo Severo.
ResponderExcluirFiz uma crônica em cima desse tema, com as coisas que vivi em Porto Alegre. Obrigado pelo adendo, ele está correto.
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