terça-feira, 15 de abril de 2014

Como entrou no céu o primeiro advogado

Barão de Itararé

Do livro Máximas e Mínimas do Barão de Itararé. Rio de Janeiro, 1985.


         Logo que Santo Ivo morreu, encaminhou-se ao Céu e bateu à porta, que São Pedro não se atreveu a abrir, subestimando as razões do bom santo.
        - Faço o que quiseres - repetia o porteiro do Céu -, mas não acho que deva permitir a entrada a um advogado, não só porque nem um tem assento entre os santos, mas também porque; muito ao contrário, juraria que se encontram no inferno todos os de tua profissão.
        Santo Ivo não se desconcertou; antes; como bom advogado, teve tão convincentes razões para rebater as de São Pedro que este lhe permitiu finalmente entrar no Céu, mas com a condição de permanecer junto à porta.
      O hóspede entrou calmamente, sentou-se no lugar indicado por São Pedro, que foi participar a Nosso Senhor o sucedido...
      - Fizeste mal! Muito mal, Pedro! - respondeu Deus, quando acabou de escutá-lo. Havia resolvido que nenhum advogado entraria no Céu, e tinha cá minhas razões para isso. Mas já que está, deixa ficar; sem embargo, não deixes que ele se misture com os outros santos, pois do contrário acabarão no Céu a paz e a boa harmonia. Não o deixes passar além da porta.
      Aborrecido e cabisbaixo, voltou São Pedro onde estava Santo Ivo e comunicou-lhe as ordens dadas pelo Senhor. O Santo advogado encolheu os ombros e, à guisa de passatempo, começou a entabular conversa com São Pedro.
      Que posto ocupas aqui no Céu?
      - Não sabes? Sou o porteiro.
      - Por quanto tempo?...
      - Para todo o sempre.
      - Deixa disso. Só se tiveres algum contrato firmado...
      - Não há contrato nem coisa que o valha, e para dizer a verdade não há necessidade disso.
     - Como assim? Então não estás vendo, grande ingênuo, que qualquer dia Deus pode ter a ideia de te destituir, sem mais nem menos, do cargo que com zelo vens desempenhando há tanto tempo, sem que possas fazer valer teus direitos?
      São Pedro coçou a orelha, e, mais amofinado que antes, foi novamente falar com Deus.
      - Vamos lá, que é que pensas?
     - Preciso de um contrato em que se declare que sou o porteiro do Céu para todo o sempre. Até hoje temos deixado as coisas andar à vontade; mas se vos der na idia, qualquer dia me destituis do cargo que com tanto zelo...
     - Não te dizia eu? Tudo isso são trapaças daquele advogadozinho que tens na porta e que soube encher-te a cabeça.
       E ajuntou depois, tomando uma resolução:
       - Anda, Pedro, corre e manda-o entrar imediatamente, pois prefiro tê-lo perto de mim a vê-lo junto à porta.
        Eis como entrou no Céu o primeiro advogado.





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