Barão de Itararé
Do livro Máximas e
Mínimas do Barão de Itararé. Rio de Janeiro, 1985.
Logo que Santo Ivo morreu,
encaminhou-se ao Céu e bateu à porta, que São Pedro não se atreveu a abrir,
subestimando as razões do bom santo.
- Faço o que quiseres -
repetia o porteiro do Céu -, mas não acho que deva permitir a entrada a um
advogado, não só porque nem um tem assento entre os santos, mas também porque;
muito ao contrário, juraria que se encontram no inferno todos os de tua
profissão.
Santo Ivo não se desconcertou; antes;
como bom advogado, teve tão convincentes razões para rebater as de São Pedro
que este lhe permitiu finalmente entrar no Céu, mas com a condição de
permanecer junto à porta.
O hóspede entrou calmamente,
sentou-se no lugar indicado por São Pedro, que foi participar a Nosso Senhor o
sucedido...
- Fizeste mal! Muito mal,
Pedro! - respondeu Deus, quando acabou de escutá-lo. Havia resolvido que nenhum
advogado entraria no Céu, e tinha cá minhas razões para isso. Mas já que está,
deixa ficar; sem embargo, não deixes que ele se misture com os outros santos,
pois do contrário acabarão no Céu a paz e a boa harmonia. Não o deixes passar
além da porta.
Aborrecido e cabisbaixo, voltou São Pedro onde
estava Santo Ivo e comunicou-lhe as ordens dadas pelo Senhor. O Santo advogado
encolheu os ombros e, à guisa de passatempo, começou a entabular conversa com
São Pedro.
- Que
posto ocupas aqui no Céu?
- Não sabes? Sou o porteiro.
- Por quanto tempo?...
- Para todo o sempre.
- Deixa disso. Só se tiveres algum contrato firmado...
- Não sabes? Sou o porteiro.
- Por quanto tempo?...
- Para todo o sempre.
- Deixa disso. Só se tiveres algum contrato firmado...
- Não há contrato nem coisa
que o valha, e para dizer a verdade não há necessidade disso.
- Como assim? Então não estás vendo, grande ingênuo, que qualquer dia Deus pode ter a ideia de te destituir, sem mais nem menos, do cargo que com zelo vens desempenhando há tanto tempo, sem que possas fazer valer teus direitos?
- Como assim? Então não estás vendo, grande ingênuo, que qualquer dia Deus pode ter a ideia de te destituir, sem mais nem menos, do cargo que com zelo vens desempenhando há tanto tempo, sem que possas fazer valer teus direitos?
São Pedro coçou a orelha, e, mais
amofinado que antes, foi novamente falar com Deus.
- Vamos
lá, que é que pensas?
- Preciso de um contrato em
que se declare que sou o porteiro do Céu para todo o sempre. Até hoje temos
deixado as coisas andar à vontade; mas se vos der na idia, qualquer dia me
destituis do cargo que com tanto zelo...
- Não te dizia eu? Tudo
isso são trapaças daquele advogadozinho que tens na porta e que soube encher-te
a cabeça.
E ajuntou
depois, tomando uma resolução:
- Anda, Pedro, corre e
manda-o entrar imediatamente, pois prefiro tê-lo perto de mim a vê-lo junto à
porta.
Eis como
entrou no Céu o primeiro advogado.
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