Carlos Drummond de
Andrade
Uma velha e perfeita cozinheira a
quem pedi a fórmula sagrada da feijoada à mineira, mandou-ma.
Ei-la:
"Receita de feijoada:
Tome coisa de um litro de feijão
Preto, novo, sem bicho,
E, depois de catado com capricho,
Jogue no caldeirão.
(Com feijão que não seja preto é
à toa
tentar fazer feijoada.
E se teimar, não cuide que sai
boa;
Sai não valendo nada.)
Quando estiver o caldeirão
fervendo
Ou antes, deite o sal,
As mãos de porco, orelhas e,
querendo
Focinhos e rabo; isto (está
claro) tendo,
Porque não tendo é o mesmo, não
faz mal.
Se, além desses preparos, deitar
nela
Lingüiça e mais um osso de
presunto,
Só o cheiro da panela
Faz crescer água à boca de um
defunto.
Eu já ia me esquecendo (que
memória)
Da carne seca e da couve.
Feijoadas sem elas, qual! É a
história...
Não há nem nunca houve.
Depois de tudo bem cozido, a
ponto,
Machuque bem um pouco do feijão
E pronto.
Mas machuque só a parte que
senão,
Em vez de feijoada sai pirão.
Eis, aí está o prato preparado...
Minto: falta ainda o molho
Que embora simples é o segredo o
escolho
De muito bom guisado.
O molho faz-se com vinagre, ou
então,
(Para sair a coisa mais completa)
com suco de limão
e bastante pimenta malagueta.
Sal, ponha quantum satis.
Não vai ao fogo nem ligeiramente,
Exceto se levar também tomates,
Cebola, ou outro que tal
ingrediente.
Co´a feijoada, a clássica, à
mineira
É compulsório o uso da farinha.
Como bebida, um trago de caninha.
Há quem regue o vinho; mas é
asneira.
Quanto à caninha fala-se
Ou não se fale, a mim é
indiferente.
Eu tenho a firme opinião que um
cálice
Nenhum mal faz à gente."
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