domingo, 20 de abril de 2014

Histórias de Porto Alegre



Mercado Público atual

O profeta

Caminho pela Rua da Praia na manhã de 1975. Ao subir no prédio, os degraus de madeira rangem. O hall de entrada cheira a mofo. Professor Bidu me recebe. Uma mesa preta nos separa. Quero saber meu destino. Ele olha e profetiza:

- Tu tens 24 horas de vida.

Levanto-me decepcionado. Contorço-me virando as costas e dirijo-me em direção à porta de saída. Não dou importância. Em casa, a repetição daquela sentença na minha cabeça me in quieta. Ligo para a Mariana e pergunto seco:

- O que farias se morresses amanhã?

- Ora, comeria meus morangos – respondeu-me.

O tempo para. Deveria ter feito mais. É a hora de pensar em Deus. Então é deixar cair a máscara e viver. Incrivelmente começo a sentir-me melhor. Cumprimento o porteiro, vou ao mercado com satisfação. Estou mais autêntico. Sou mais “eu”. Represento menos. Aturo mais. Restam-me duas horas. Caminho até a Praça da Alfândega. Observo detalhes. Tudo está diferente. As ribombas dos carros zunem aos meus ouvidos. Tenho poucos minutos de vida. Entro numa loja e compro uma guitarra. Não sei tocar, mas ela me responde como se falasse comigo.

Estranho, vou morrer e só agora percebo que vivo. Vejo que o profeta estava certo. Parte de mim morreu. A parte que não sabia viver. Levanto-me da minha cadeira favorita. Lavo os olhos de dentro para fora. Sinto um gemido que não sei se é meu.

(Carlos Alberto Poglia Tronco)


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