Mercado Público atual
O profeta
Caminho pela Rua da Praia na manhã de
1975. Ao subir no prédio, os degraus de madeira rangem. O hall de entrada
cheira a mofo. Professor Bidu me recebe. Uma mesa preta nos separa. Quero saber
meu destino. Ele olha e profetiza:
- Tu tens 24 horas de vida.
Levanto-me decepcionado. Contorço-me
virando as costas e dirijo-me em direção à porta de saída. Não dou importância.
Em casa, a repetição daquela sentença na minha cabeça me in quieta. Ligo para a
Mariana e pergunto seco:
- O que farias se morresses
amanhã?
- Ora, comeria meus
morangos – respondeu-me.
O tempo para. Deveria ter feito mais.
É a hora de pensar em
Deus. Então é deixar cair a máscara e viver. Incrivelmente
começo a sentir-me melhor. Cumprimento o porteiro, vou ao mercado com
satisfação. Estou mais autêntico. Sou mais “eu”. Represento menos. Aturo mais.
Restam-me duas horas. Caminho até a Praça da Alfândega. Observo detalhes. Tudo
está diferente. As ribombas dos carros zunem aos meus ouvidos. Tenho poucos
minutos de vida. Entro numa loja e compro uma guitarra. Não sei tocar, mas ela
me responde como se falasse comigo.
Estranho, vou morrer e só agora
percebo que vivo. Vejo que o profeta estava certo. Parte de mim morreu. A parte
que não sabia viver. Levanto-me da minha cadeira favorita. Lavo os olhos de
dentro para fora. Sinto um gemido que não sei se é meu.
(Carlos Alberto
Poglia Tronco)
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