Música de João Bosco e Aldir Blanc
em homenagem ao herói da Revolta da Chibata
“Mestre-Sala dos Mares", de João
Bosco e Aldir Blanc, composto nos anos 70, imortalizou João Cândido e a Revolta
da Chibata. Como diz a música, seu monumento estará para sempre "nas
pedras pisadas do cais". A mensagem de coragem e liberdade do
"Almirante Negro" e seus companheiros resiste.
O Mestre Sala dos
Mares
(João Bosco / Aldir
Blanc)
(letra original sem
censura)
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o almirante negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao navegar pelo mar com seu bloco de
fragatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos negros pelas pontas das chibatas
Inundando o coração de toda tripulação
Que a exemplo do marinheiro gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo...
O Mestre Sala dos Mares
(João Bosco / Aldir Blanc)
(letra após censura durante ditadura militar)
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao acenar pelo mar na alegria das regatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos santos entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo...
Aldir Blanc explica a censura a O mestre-sala dos mares
(...) Duas experiências
enriquecedoras, lidando todo dia com o censor. Isso me ensinou muito. O gozado
é que o censor era mais estúpido do que a gente imagina. Fui uma vez liberar “O
mestre-sala dos mares”. Primeiro você passava por uma triagem de ex-policias,
era um cabide de emprego aquilo. Até ser passado pra uma sala. Ali era mais
complicado. Eu estava lá, e apareceu um cara, camisa arregaçada e coldre de cintura,
e começou a gritar loucamente, surtado, que era preciso matar o Ney Matogrosso,
porque ele havia encontrado um neto envolto nu nas cortinas imitando o Ney
Matogrosso. É claro que você que tá sentado numa cadeirinha com uma coronha de
38 encostada no nariz se borra porque de repente eles podem resolver não mais
matar o Ney Matogrosso, que tá longe, mas o Aldir Blanc, que tá presente. Não
seria uma coisa inusitada pra época. O mais interessante é que esse sujeito
virou pra mim e começou a fazer um sinal esfregando o dedo no antebraço. Eu não
tava entendendo nada, até que ele disse que o problema de “O mestre-sala dos
mares”, que não tinha esse título ainda, era primeiro “O almirante negro”, “O
navegante negro”, o problema era justamente a palavra “negro”. E o censor era
negro. Ou seja, ele tava inteiramente vendido ao sistema. Foi minha primeira
vez ao lidar com um racismo oficial. Lembro que saí de lá e tomei uma cerveja
um quarteirão depois e não conseguia chegar com o copo na boca de tanto que eu
tremia. Não tanto por medo, mas pela revelação de que o problema com João
Cândido, com a Revolta da Chibata, era um problema racial e não político. O
João Cândido é um herói nacional sim, queiram ou não queiram. E eu ainda tive
que superar muitas coisas desse período do Estácio pra chegar ao elogio a João
Cândido. Porque eu conheci o racismo ao contrário. Na Maia Lacerda eu era o
branco azedo que estudava em colégio de padre. E apanhava por isso. Então eu
conheço esse lado do racismo na pele.
(Entrevista no O
Globo, em agosto de 2016)
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